Ribeira dos Desejos Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 3

Ao ver o impacto de suas palavras, Rose apertou o cabresto, pensativa sobre seu comentário indevido.

— Não foi a minha intenção chateá-lo.

— Está tudo bem. — Observou os cabelos dela. — Era melhor coisa que eu poderia fazer por ela. — Asher tocou numa mecha solta da trança de Rose. — Creio que ela esteja feliz ao lado de alguém que realmente faria tudo por ela.

— E você? Está confortável com isso? Minha mãe sempre disse que vocês seriam felizes juntos, e me surpreende que ainda haja como um lobo solitário. 

Ele a encarou por um momento fugaz. Mesmo sem ver sua expressão, algo dentro dele dizia que aquelas palavras não eram uma verdade em que ela acreditava.

Felicidade? —  Asher ponderou.

— Levar uma surra do meu pai não foi nada comparado a ouvir a histeria de uma mulher ao ser rejeitada na véspera do casamento — Ele deu de ombros. — Todas são loucas. 

— Ei! — Beliscou o braço dele. 

— Exceto você, é claro. — Asher curvou os lábios num sorriso afável que alcançou os olhos dela. — Obrigado por não desistir de mim.

No singelo gesto, Rose notou que seu amigo tinha o hábito constante de lançar olhares em sua direção, de maneira contínua. Não era uma simples troca de olhares durante uma conversa. Seus olhos percorriam uma trajetória, seguida em olhar para todos os pontos que mais o fascinava, como se estivesse analisando cada detalhe de seu rosto.

— Algum problema? — perguntou Asher.

A expressão de Rose parecia pesar sobre ele em um julgamento silencioso.

— Você é esquisito.

Hm? — Ele arqueou a testa. — É isso que recebo por ajudá-la?

— É claro! Caso tenha se esquecido, sua amiga é uma pobre camponesa. 

— E eu vivo da caça. Não somos tão diferentes assim.

— Seu trabalho é bem melhor do que cuidar de uma casa e uma criança pequena. — Ela percebeu as casas ao longe, finalmente visíveis. — Você sempre corre atrás de uma aventura, enquanto eu tenho que cuidar da minha família.

— E você não gosta de cuidar da sua família?

— Não foi isso que eu quis dizer.

Asher percebeu o tom melancólico em sua voz; a que ele conhecia muito bem.

— Você poderia me agradecer com outra coisa. — Ele brincou. 

— O que, então?

— Não sei.

— Um café da manhã? Roupas velhas? Um beijo?

No mesmo instante, Rose ergueu as sobrancelhas, os músculos de seu rosto paralisando ao se dar conta da inapropriada — e até mesmo desnecessária — fala que proferiu.

— Esqueça o que eu disse, foi idiota.

Asher, enchendo seus pulmões de ar e jogando o cabelo para trás, declarou:

— Eu tenho bom gosto, coisa que seu marido não tem. 

Ele zombou, mas não esperava que ela fosse rebatê-lo. 

— Sim, é verdade — ela confirmou, para a surpresa dele. — Uma esposa que não consegue agradar seu marido. — Ela apertou as mãos nas rédeas.

Asher contraiu o queixo, fazendo a veia de seu maxilar pulsar. — Não seja tola — disse ele, sua voz ríspida ao repreendê-la. — Apenas o satisfaça ou ignore a existência dele. 

— Eu não posso — ela respondeu, seu corpo tomando uma forma retraída. — Eu gostaria, mas eu não posso fazer isso.

Como se um espinho tivesse perfurado seu peito, Rose, em um brusco movimento apressado, desmontou do cavalo.

— Rose!? Ei, cuidado! — Ele a viu descer e correr em direção à floresta.

Foi uma ação tão negligente que o espantou. E logo em seguida, ele amarrou a guia do animal num tronco próximo e trilhou o caminho que ela percorreu, rumo à ribeira. 

— Rose! — ele a chamou, mas ela continuou a rápida caminhada.

Sem esconder seu crescente estresse, Asher aumentou o ritmo de suas passadas — extensas, quanto determinadas — e alcançou a jovem, agarrando-a pelo braço. 

Sua pegada foi firme e não deixava espaço para qualquer tentativa de escape.

— Que merda, Rose! — Ele vociferou junto aos ombros tensos e a expressão tomada pela incerteza das ações dela. — O que deu em você?

— Me deixa! — ela bradou, empurrando-o para longe. — Eu também estou cansada disso! Eu não sei como deveria me sentir! 

— O que houve? — Ele respirou fundo; genuinamente preocupado. — Está chateada?

— O que eu deveria fazer? — As mãos dela se entrelaçaram com um aperto suave. — Você que me conhece, não é?

Mas que porra? — ele pensou, franzindo o cenho em uma careta.

— Você é maluca? Apenas diga de uma vez! — Asher não fazia ideia do que passava na cabeça dela. 

— No que eu estou errando? — Rose se agachou à beira da ribeira e escondeu o rosto entre os joelhos, indefesa de sua própria mente. — O que devo fazer?

A água salpicava em sua roupa junto ao som suave da corrente que preenchia seus ouvidos. Mesmo que as emoções dela estivessem tumultuadas, Asher parecia ter um radar para as emoções alheias — ou a conhecia tão bem a ponto de incomodá-lo. 

Então, Asher se sentou na terra úmida ao lado dela e questionou:

— O que a preocupa? — Ele moveu a franja dela para trás de sua orelha.

De alguma maneira, lá no fundo, mesmo que detestasse admitir, ele compreendia exatamente o que ela estava sentindo.

— Todos os dias que abro meus olhos, ele não está lá. Queria vê-lo acordar; ser uma boa esposa para ele… — Sua voz ficou chorosa, prestes a desabar em lágrimas. — Eu não quero viver mais um dia como se eu não fosse uma mulher decente para ele.

A voz da mãe dela parecia reverberar por sua mente. 

Uma mulher que não consegue agradar seu marido. Inábil em satisfazê-lo.

E embora quisesse entender a angústia do coração dela, Asher, na tentativa de transformar suas intenções em uma ferramenta para alcançar seus próprios desejos, optou por não sucumbir ao egoísmo de seus pensamentos mais sórdidos.

— Então, diga a ele como você se sente.

— Eu, ao menos, sou uma mulher para os seus olhos? — Ela o fitou.

— Fale a verdade, Rose. — Asher aproximou o rosto ao dela.

Eu estou aqui.

Ele continuou:

— Mostre que você merece ser amada por ele, não porque é uma mulher ou sua esposa, mas por ser a única que deve estar na cabeça dele.

Na visão de Rose, Asher havia tomado o papel do irmão, o qual a rejeitava em razão de sua tortuosa criação, mas seu amigo a entendia, e isso era mais do que o suficiente para cativá-la.

— Não quero perdê-lo. — Ela apertou a mão dele.

— Não vai, okay? — Asher deslizou a mão sobre a dela, cobrindo-a por completo.

— Eu quero ser amada por ele. — Rose envolveu os braços nele com força — ansiava desesperadamente de um consolo. — Eu tenho medo de ficar sozinha. E se ele me deixar?

Um breve solavanco fez o peito de Asher ferver. Ele aprendeu, da maneira mais difícil, que ceder a tal emoção era um passo em falso, contudo, respondeu:

— Então, se ele fizer isso, terei que roubá-la dele — confessou, seus olhos fixos nela.

Ela o encarou, um sorriso brotando em seus lábios. — Obrigada. — Ela o abraçou. — Obrigada por estar comigo.

E sem mover um músculo sequer, Asher aceitou a realidade de que o coração que batia junto ao seu peito — gentil e amável; aquele que o fazia de tolo — era inalcançável.


Capítulo novo toda sexta.

 

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