Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Capítulo 82: Encontro sob as estrelas

Um ar gelado agitou as mechas em meu rosto junto do ar quente dos diversos barris de chamas espalhados pelas ruas. Algumas pessoas de armadura e armas na cintura andavam com pressa de um lado para o outro.

Era um grupo, na verdade. Não muito mais do que os vinte que estavam presentes na reunião. Alguns deles pareciam descontraídos, apenas conversando e rindo enquanto acediam barris com carvão e galhos finos, já outro pareciam tensos e faziam tudo sem dizer uma palavra.

— Lady Ellie — disse Jaimes, e logo se ajoelhou. Junto dela estava o grupo o qual me encarreguei, que imitou o gesto do líder.

— Jaimes — falei casualmente. — Algo a informar?

Direcionei meus olhos para alguns barris de chamas próximo e depois para ele. Meu pai permaneceu quieto ao meu lado, me olhando, e uma tensão surgiu nos olhos de Ander. 

— Ryla, Yuji e Drake avistaram uma grande criatura agitando as árvores ao norte da cidade, próxima a uma montanhas com monstros fortes, enquanto my lady estava em reunião. O guarda presente na muralha foi notificado e emitiu um alerta de possível perigo. Foi dito que se houvesse muita luz no reino a criatura poderia se afastar por repudiar tamanha claridade — O tumulto ao redor se acalmou quando quase todos os barris foram acesos. — E com o segundo alerta do Rei Reig, estávamos ajudando na propagação do fogo. 

— Certo. Obrigada, James. 

Ele curvou a cabeça e olhou para o meu pai, que disse em bom tom:

— Continuem ajudando o reino 2 no que for necessário, com a mesma regra de não entrar em conflito — Ele tomou a frente. — Partiremos amanhã quando o sol nascer se as condições forem favoráveis.

— Sim, meu lorde! — Todos responderam em uníssono. Jaimes foi o primeiro a levantar e sair, os outros apenas o seguiram.

Lancei um olhar em dúvida para o meu pai.

— Não temos mais o que fazer aqui? — Alguns soldados passaram correndo perto de nós. — Nem um combate contra o que quer que esteja lá fora?

— Nos envolvemos com situações dentro de Elderer que, comparado a isso, são muito mais simples de controlar. Encarar o rei do mundo é pior do que se envolver na guerra eminente contra Balnor — Acenderam mais um barril longe daqui. — Sua irmã deixou claro que a Fronteira pode vir devastando tudo que conhecemos.

— E ai você não teria escolha a não ser lutar.

— Vamos torcer para que isso não ocorra. Nosso próximo passo é voltar para a mansão Higasa e reunir a família por completo.

Oh, não. Me lembro pouco de ver toda a família reunida, mas tinha certeza que os outros Higasas não se gostavam muito. Eles deixaram que o poder e as riquezas subissem à cabeça. 

A mansão ficava no reino 6… Eu queria ir ao reino 7 para ver o Lumi antes. Ele podia precisar de mim, eu sentia que algo ruim podera ter acontecido. Fora que o grupo estava com uma ideia estúpida de encarar os Ritualistas, torci para que não tenham ido ao Alatar sem mim. 

Ah, tanta coisa acontecendo assim, do nada. Parece que foi ontem que minha única preocupação era entender como um novato esquivou melhor que todos no exame para guarda da cidade.

— Certo…

— Quem diria que a noite seria mais agitada que o dia — disse minha mãe ao se aproximar, seus olhos exaustos. 

— Querida.

Ela afofa meu cabelo e dá um abraço em Hiroki, que faz um cafuné em seu cabelo. Sempre admirei a relação deles, como meu pai trata minha mãe e como ela cuida dele. Eles venceram tanta coisa nessa vida que parecia haver um escudo impenetrável ao redor. 

Será que eu poderia ter uma assim?

— Vocês demoraram bastante lá dentro. Esqueceram que eu gosto de dormir cedo? De repente, começaram a correr pelas ruas e fazer barulho. Eu tomei um susto. 

— Desculpe por isso — disse Hiroki. — Vamos ficar em uma casa onde não haja som e partir amanhã cedo para a mansão Higasa. 

Oh, como eu falo de Lumi? Visitar um amigo? Iria ficar óbvio demais. Digo, eu gosto dele. Mas…

— Ótimo, eu preciso de um banho quente e longo quando chegar em casa — Eu ri de leve e Hanila ponderou por um instante. — Espera, amanhã cedo? E a relíquia?

— Houve uma complicação na reunião. Vou te atualizar durante a viagem e sim, vamos para a mansão Higasa reunir a família. 

— Reunião de família — Ela arregalou os olhos. — Oh, céus.

Hiroki suspirou e concordou com ela. 

— Onde está Aeliana? — perguntou minha mãe.

— Ela disse que nos encontraria em breve, creio que por hora seja melhor descansarmos. 

— Eu… — Tanta coisa, o possível fim dos reinos e uma guerra. Um garoto que eu gosto e rever ela. Eu estava tão exausta, mas… — Não consigo descansar agora. Vou dar uma volta. 

— Não é a melhor hora para sair, Ellie, pode haver um ataque a qualquer momento. Precisa estar perto de mim — disse meu pai, colocando a mão no ombro da minha mãe.

— Pai, tem várias pessoas aqui e a cidade está ateada em chamas. 

— Filha-

— Aeliana estava fazendo missões na fronteira! — Fiz bico e juntei minhas mãos. — E eu já fiz várias missões em Karin e no reino 7. Por favor. 

Ele abriu a boca para falar, mas Hanila colocou a mão em seu peito. 

— Eu vou ficar próxima ao lago. Prometo.

— Tudo bem — disse ele, e deixei um sorriso fraco escapar. — Ao menor sinal de perigo, venha correndo para nós. Combinado?

— De acordo. 



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Apenas andava sem pressa pelo chão terroso. As casas vazias e com uma estrutura realmente duvidosa, repleta de buracos e rachaduras, e as primeira estacas de madeira que eu podia ver a vários metros de distância que indicavam o lago. 

O crepitar das chamas era o único som que me acompanhava. Todo o tumulto acabara há alguns minutos e eu não vira mais ninguém desde então. O clima frio e o silêncio me tomaram e me afundaram em uma pontada de dor de cabeça pelos pensamentos.

Conforme me aproximava, conseguia ouvir a fraca movimentação da lagoa, a água tranquila que invadia parte da terra com brisas de ar um pouco mais fortes. 

O dia foi tão… longo. Mas eu não sentia o sono vir, sentia apenas ele se afastando cada vez mais. Mesmo com meu corpo e mente exaustos, mesmo com a falta de energia presente em cada passo meu. 

Eu fiquei responsável pela tropa do meu pai no reino 2. Tinha certeza de que ele estava me preparando para algo maior, Hiroki sempre pensava nas coisas a longo prazo.

Desde que Aeliana decidiu virar guerreira e tentar um posto na fronteira… Que decisão arriscada e idiota. Mas como eu poderia culpá-la? Ela sempre gostou de mistérios e de se testar até o limite. A vida como filha de um lorde não era muito o estilo dela.

Mas eu… Eu aprendi sobre o financeiro e a políticas dos reinos com a Hanila, além de ter sido uma das poucas pessoas que conseguiu pisar no reino 2. Graças a ter o nome Higasa, eu estive na presença de um Caos e na maior reunião dos reinos dos últimos tempos e…

Ah… Talvez eu goste mais do Lumi do que pensei.

Coloquei as mãos nos bolsos ao chegar nas estacas afiadas de madeira que separavam a cidade do lago. Como sempre, estrutura simples e duvidosa. Ergui a mão e deixei que a mana fluísse entre meu antebraço e meus dedos. 

Como se fosse uma espada, fatiei uma parte da parede com a magia de cortes, destruindo parte das estacas e levantando poeira para todo lado. O suficiente para que eu pudesse passar. 

Quando a fumaça baixou, notei que o estrago era suficiente para oito pessoas passarem lado a lado… Bem, acontece. Melhor eu só seguir andando.

Desde que ele se esquivou contra o mago em Karin, eu tinha uma ideia de que ele era diferente. Aquela velocidade de reação não era comum nem entre os melhores sombras.

Até que tivemos nossos momentos intensos no castelo, seus beijos quentes e suas mãos pelo meu corpo… De fato, ele não era muito modesto no começo, mas conseguia ser bonitinho de alguma forma.

Deixando uma risada escapar, lancei meus pés sobre a grama molhada, onde a água alcançava de vez em quando. O céu daqui era diferente. Ao sul, onde estava o reino 1, parecia haver mais estrelas, parecia haver mais magia e mais poder.

Por quê? Era como se o próprio universo, uma divindade, algo superior, pudesse olhar diretamente nos meus olhos, na minha alma. E soubesse tudo… Eu me sentia de alguma forma tão pequena olhando para lá.

Eu gostava da paz de antes, gostava de apenas treinar em casa e me divertir com Aeliana. Das amizades, de aproveitar o dia. Tudo mudou drasticamente quando ela se foi e eu entendi que treinar não era só vencer pequenas competições para elevar o nome Higasa como a menina prodígio.

Não, nunca foi.

Espero que você esteja bem, Lumi. Eu quero dizer que eu gosto de você. É que eu nunca me deixei me aproximar de alguém assim de novo, então não entendi bem o que sentia.

A brisa agitou meu vestido e meu cabelo, e ainda assim eu conseguia ver o reflexo do céu perfeitamente na água. O mundo se tornou tão sombrio, tão assustador.

Mas… mas eu não sinto mais o medo. Não quero mais estar atrás sendo protegida. Quero estar na frente, quero ser capaz de proteger e surpreender até mesmo você, Hiroki. 

“Um objetivo que faça seu coração acelerar”.

Sentindo todos meus pelos eriçarem, olhei para o céu novamente, e uma calma sem igual tomou conta de mim dessa vez.

— Explorar e descobrir…

— É lindo, não é?

Pulei em um susto e olhei velozmente para trás de olhos arregalados. Aeliana estava ali, com seus pés também sobre a grama molhada. O vento levava seu lindo cabelo para trás e algumas mechas para seu rosto. 

Seus olhos azuis traziam uma tonalidade brilhante, que se interligava com o universo acima, igualmente em paz e magia e infinito. Ela largou uma bolsa de viagem no chão, que espirrou água com lama sua calça preta. 

Seus lábios levemente erguidos conforme ela me olhava com… admiração, com amor. Meu coração já estava muito mais acelerado do que devia, e minha visão embaçava com as lágrimas que não paravam de chegar. 

— Aqui é tão… calmo — Ela deu uma risada fraca, sua voz leve. — Para uma cidade dessa.

— Você! — Dei um passo em sua direção e ela faz o mesmo para mim. — Sim, aqui é lindo mesmo.

Mais um passo de nós duas e um grande abraço veio. Entrelacei os braços com força ao redor da minha irmã, eu senti finalmente o conforto dela depois de tanto tempo, o calor irradiante de sua aura. 

— Idiota! Idiota! — resmunguei enquanto chorava em seu ombro. 

— Eu também senti sua falta — disse ela, com a voz falhando. 

— Por que ficou sem dar sinal, Ael? Fiquei preocupada, papai disse que a fronteira era um lugar muito perigoso — Saímos do abraço, mas ela ainda estava com as mãos em meus ombros, seus olhos vermelhos. — Papai chegou a achar que você tinha morrido por um tempo. Eu que-queria ter vindo para cá antes.

— Continua a mesma chorona de antes, El? Uhm — Ela deu uma leve risada.

— Claro que não — Dei um soco no ombro dela, trazendo mais risada. — O que você vai fazer agora? — Uma brisa mais duradoura nos alcançou, trazendo a água aos nossos pés, balançando o reflexo do céu. — Você abalou todo mundo lá.

— Eu vou com vocês. Vou para casa — Ela inclinou o rosto levemente para o lado com seu sorriso de canto. 

Uma pausa longa, pisquei duas vezes.

— Hein? Você pode fazer isso?

— Posso e irei. As coisas estão para complicar, como pôde ver — Ela ergueu o queixo. — Não vejo por quê sair de perto da minha família de novo. Há tantos problemas e sangue lá… Você ouviu o que eu vi. O rei de tudo. Naquela hora… naquela hora eu só consegui pensar em meus pais e na minha pequenina irmã. Que, pelo que posso ver, cresceu muito e se tornou tão bela e forte quanto eu.

Meu coração veio a boca de novo. Ela estava aqui, na minha frente. E queria voltar para casa! Não consegui impedir mais lágrimas de escorrerem pelas minhas bochechas enquanto tentava ignorar o nó da garganta.

— Assim você acaba comigo — Ela limpou minhas lágrimas com o polegar. 

Ela chorou também e demos mais um forte abraço. Quente, confortável. Longe de qualquer problema. Era tão bom ter ela de novo. Funguei o nariz e respirei fundo. 

Quando foi a última vez que me deixei chorar assim? Estive tão cansada que sequer dei atenção.

— Desculpa ter ficado tanto tempo longe — Ela aperta minha roupa no abraço. — Eu queria ter estado com você-

— Quieta — falei, nos colocando de frente. — Só não se afaste de novo que eu te conto todas as novidades.

— Eu também tenho muitas novidades — Ela disse, e nós rimos. 

Demos um abraço mais calmo dessa vez, onde as respirações se estabilizaram e os corações se acalmaram. Ao dar um longo suspirar, minha visão escureceu, e uma fraqueza sem igual tomou conta das minhas pernas.

— Ellie!? O que houve? — Preocupação em sua voz enquanto eu perdera minhas forças. 

— Eu só… — Me deixo fechar os olhos. — Queria descansar um pouquinho. O dia foi cheio, sabe?

— Ei, ei! — Ela me colocou nas costas. — Fique acordada, eu vou levar você para a nossa hospedagem daqui. 

— Haha — Deixei um sorriso leve surgir quando apoiei minha cabeça no ombro dela, conforme ela me carregava como antes. — É sua obrigação me levar.

— Pestinha — Ela faz um cafuné no meu cabelo. Ela… ela não mudou nada. Ainda era a pessoa que eu mais admirava. 

— Hiroki — falei com a voz fraca. — Quer reunir a família na mansão Higasa, mas nós não podemos ir.

— Ora ora. Quer ir para outro lugar sem o papai. Quando ficou rebelde?

— Quero… quero ver alguns amigos e — Um bocejo. Eu realmente queria falar muito com ela. — Ver um garoto que eu gosto. Tenho que dizer isso a ele.

Eu… que vergonha!

— Ellie Higasa apaixonada — Ela zombou. — Parece que a destruidora de corações encontrou sua fraqueza — Dei um peteleco na orelha dela. — Tudo bem, eu vou com você. 

— Você- — Ela sorri.

— O que foi? Eu vou você querendo ou não.

Deixei minha consciência se afastar mais e mais quando me aconcheguei em suas costas sorrindo. 

Obrigada por ter voltado.



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