Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Capítulo 79: Lady Ellie

Cada batida do meu coração agitava mais ainda o meu corpo. Era ela. Aeliana estava aqui! Depois de tantos anos pensando, ela finalmente estava perto. 

Ela estaria bem? Ferida? Pelo que passou lá?

Apoiei a mão no muro na certeza que o frio na barriga iria desaparecer, mas de nada adiantou. Os portões se fecharam, e dois dos guardas que a revistaram agora a acompanhavam em direção ao castelo.

Enquanto o outro procurava desesperadamente por algo na pilha de palha.

— Você terá a chance de vê-la em breve.

— Em breve? — Alternei meu olhar entre Hiroki e Aeliana. — Eu quero vê-la agora.

— Ela precisará falar diretamente com o rei dois sobre o que aconteceu antes de ter contato com outra pessoa — Cerrei os dentes, franzindo minhas sobrancelhas. — Cada vez mais parecida com sua mãe. Vocês vão se encontrar na reunião, já a ensinei a controlar suas emoções. Ajude sua mãe e lidere o grupo se necessário.

— Sim, pai — Ajeitei minha postura com as mãos nas costas e olhei novamente para ela.

Tão perto, tão distante.

 

----------------------

 

O único som presente no escritório de minha mãe eram o de nossas próprias canetas no papel. Meu coração batia forte desde o momento em que a vi, eu queria estar ao lado dela o quanto antes para-

Oh, droga. Errei uma letra.

— Atenção, Ellie — disse minha mãe, agora lendo alguns papéis. — Uma informação errada causará discórdia eterna.

— Perdoe-me, mãe. 

— Está tudo bem, sei que quer vê-la — A olhei. — Eu também estou ansiosa por isso, mas infelizmente são as regras entre os reinos um e dois. 

Bufei de leve. Teria de ser na reunião, então. Olhei para a carta borrada em minhas mãos, amassei-a e joguei no lixo. Puxei outro papel da mesa e respirei fundo antes de começar a escrever.

Até que eu ouvi minha mãe abafar uma risada.

— Se bem que vocês duas me estressavam muito… 

— Nós duas? A senhora que não deixava a gente brincar no telhado da casa. Ou ter um urso — falei, tentando não rir.

— Vocês eram pequenas demais para correr nas telhas! E que criança no mundo gostaria de lutar contra os bonecos de madeira como vocês faziam?

— Oh — comecei a rir. — Eu lembro quando a gente derrubou o lustre…

— Eu- — Ela ergueu o punho e respirou fundo, ainda rindo. — Ainda mato vocês por isso. Agora, pare de me desconcentrar, temos trabalho a fazer.

— Mas a senhora-

— Ao Rei Lotier — disse Hanila. — Solicitamos urgência, em nome de Reig Einar, no armazenamento de mais uma relíquia morta. Desta vez, encontrada próxima a fronteira. A reunião dos reis decidiu que era melhor deixá-la entre as montanhas geladas.

— Houve uma reunião? 

— Entre os reis 2 e 3. O 1 nunca participa de nada.

— Um tanto irresponsável para o líder da nação. 

— Corretamente. A comunicação era um dos requisitos fundamentais para trabalhar próximo a fronteira, cuja mesma fora descartada a quase dois anos. Nenhum Voin alcança a região e nenhum grupo se arriscar a ir, então desistiram da ideia.

Espera, Lumi representava Lotier. Ele teria que ir até a Fortaleza entregar a relíquia? Não, não. Era arriscado demais para o nível Fulgor. Mesmo em grupo ou com o Spectro. 

Minha mãe disse que a floresta que rodeia a Fortaleza tem monstros de gelo perigosos de verdade, fora que o garoto era um atrai Ritualista e anormalidades. 

Olhei de relance para Hanila. Será que ela se daria bem com el-

— O que foi? — Um calor irradiante em mim, como se ela pudesse ler meus pensamentos. 

— O quê?

— Me olhou de relance cinco vezes. Suas bochechas raramente demonstram sua vergonha. Não é só a Aeliana que está te distraindo, é?

— Eu- é- — Ela levantou a sobrancelha e abaixou o papel.

— É o representante do Lotier — Ela abriu a boca em um sorriso debochado. Eu apenas olhei para baixo, sem jeito. — A temível Ellie tem uma fraqueza, afinal. Por isso nunca quis conhecer ninguém?

— Mãe, Lumi… 

— Eu sei, eu sei. Filho do capitão dos Auroras, neto do herói Sanro. Alguém que atrai mais atenção do que seu pai gostaria. Fora o histórico problemático.

— Não estamos juntos, somos amigos. Que saíram algumas vezes — Ela me encarou mais perto. — Só estou preocupada porque ele disse que sairia em uma missão para representar o rei.

Deixei meu olhar baixar para a carta de novo.

— Se ele é o cabeça dura que aparece nos jornais, deve voltar bem — Um leve sorriso dela. — Até lá, se concentre aqui. Pense no seu amigo depois. Prometo que iremos falar disso.

— Certo.

Finalizei a carta para Lotier sobre a relíquia e um Voin de elite em preparação para a viagem. Um pássaro que era duas vezes maior que o tamanho padrão e caçava cervos.

Revisar os papéis da academia foi a dor de cabeça do dia. Falta de recursos, reparação, alunos e famílias tentando brigar entre si para ter maior influência… 

Não era incomum, mas desta vez veio em cheio. O duelo dos representantes basicamente moveu Elderer para se esforçar mais, fossem nobres esnobes ou os mais esforçados pobres alunos. 

Boatos sobre um possivel novo torneio nacional espalharam-se como água e a situação ficou como está, agitada. Ás vezes eu sentia falta de estar na escola do reino 7…

Apesar do alto custo, deixar um capitão em cada academia foi uma boa escolha, muito estresse era evitado e nos restava apenas lidar com os assuntos cruciais e administrativos. 

A ideia das academias sempre foi o de aumentar o nome das famílias investidoras, assim como o poder bélico e influência geral. De certa forma, ter um exército pequeno e feitos com alguns reinos tinha boas chances de tornar a pessoa um Lorde ou Lady.

— … zonas de perigo e o afastamento mínimo que devia haver das dungeons — Hanila usava o quadro. — O número de dungeons em Elderer é normal, mas o número de monstros está maior que o habitual e isso resultou em um grande problema para a as aldeias próximas. 

Peguei meu caderno pessoal, já cheio de anotações, e comecei a escrever enquanto minha mãe analisa o quadro. 

— Chegaram a conclusão que a Fronteira é uma dungeon gigante, que provavelmente tem o monstro mais perigoso que existe em seu centro. Como ninguém passa nem da beirada, falaremos disso depois. Ela é rica em magia a ponto de até as árvores de lá possuírem mais mana que uma pessoa Fulgor.

— É tudo que temos sobre ela? Digo, com todo esse tempo de pesquisa?

— O reino 1 serve para nos defender, Ellie. Passar do muro é o mesmo que aceitar a morte. Se não fosse por ele, seríamos igual ao país fantasma, que teve a má sorte de tentar se erguer próximo a Fronteira.

— As cidades vazias abaixo de Kaloar? 

— Isso — Ela aponta a caneta para mim. — Um reino inteiro abandonado ás pressas.

— Oh, então aqui — Passo meu dedo pelo mapa na mesa, em cada um dos quinze pontos representados em vermelho. — Há cerca de quinze vilas entre o reino 6 e Tera. Uma criatura fraca seria o suficiente para causar um potencial massacre — Isso já ocorreu antes… Quando o Laiky comeu todos vivos perto de Karin com um mascarado misterioso. — Bastava um ou dois soldados para cuidar disso.

— Infelizmente estamos detidos do território do rei 6, ele não acredita nessa história de que as coisas estão mudando. Felizmente nossa relação com a rainha Alyssa nos permiti agir um pouco. 

— O rei 6 é um covarde — Hanila arregalou os olhos. — Como um homem, que lidera um reino no país, consegue se esconder atrás de seus muros assim?

— Quem tem poder pode agir de forma egoísta por não conhecer os limites, sempre com sua ilusão de que segurança e comida nunca faltarão. Seja a negligência pela vilas em seu território ou pela fome que seu povo passa.

Um covarde. Um covarde.

Meu pai… queria influência, o máximo possível, desde aquele dia. Mas eu já o perdoei, já me sinto segura com ele de novo.

Continuei com a minha mãe por mais algumas horas, entendendo a política geral, as rotas comuns da guilda, variação de armas e criação de feitiços… Foi o suficiente para manter minha mente ocupada até que a lua aparecesse entre as nuvens escuras e o farfalhar das árvores. 

Saí do escritório com um pesar nos olhos, minha mãe logo atrás de mim, e me deparei com James Monroe, capitão da guarda do meu pai, parado com as mãos nas costas. Sua armadura de prata habitual e sua lança reforçada com magia nas costas.

— Lady Hanila, Lady Ellie — Eles nos saudou, seu semblante sério e centrado. 

— Jaimes — assentiu Hanila, depois colocou a mão em meu ombro e os olhos nos meus. — Vou ir descansar.

Apenas acenei em concordância, e ela andou rumo aos aposentos dos Higasa. Ignorando o cheiro podre do corredor, encarei Jaimes, que aguardava com a mesma postura e expressão de antes.

— Onde estão todos?

— Todos estão á sua espera no refeitório, Lady Ellie. 

Novamente andei pelo corredor mal iluminado, onde apenas os meus passos e os de Jaimes estavam presentes. Poucos minutos depois alcançamos as escadas, que conseguiam ser piores que os corredores.

Tentando prender a respiração, comecei a descer. 

— Lady Ellie — perguntou ele, andando atrás de mim.

— Sim?

— Temo que alguns dos membros que trouxemos estejam receosos com sua liderança.

— Hiroki que me encarregou disso — respondi desviando de um rato. — Terão de aceitar.

— Sim, Lady Ellie.

Então descemos as escadas e a luz fraca do refeitório nos recebeu. Aproveitando o ar livre do cheiro de urina, o lugar não era uma grande surpresa. 

Três mesas longas de madeira com uma vela a cada assento, quatro tochas nas extremidades, presas com metal nas paredes de largos blocos de pedra. Um balcão que separava a cozinha vazia e escura e duas portas semi destruídas e sujas no lado oposto a porta que entrei.

Três guerreiras com armaduras conversavam na mesa, onde havia restos de um frango e poucos pratos sujos, quatro soldados falando alto demais enquanto disputavam queda de braço uns com os outros e uma maga no canto, sozinha, lendo um livro, com seu cajado de madeira branca e uma esfera verde na ponta apoiado na mesa.

Todos me olharam assim que entrei. As guerreiras se colocaram de pé, e em seguida a maga. Jaimes ainda estava ao meu lado, mas os garotos não pararam de falar alto e com sua brincadeira ridícula.

— Ei! — falei, deixando meu olhar sério.

— Hiroki não vem mesmo? — disse um deles, sem olhar diretamente para mim. 

— De pé.

Eles se encaram por um momento e reviraram os olhos antes de levantar, e eu jurava ter ouvido um “puff” de algum deles. 

— Não tolerarei desrespeito enquanto eu estiver aqui.

— Sim, sim — respondeu o mesmo que falara antes, como se não se importasse com minhas falas.

Eram folgados. Respire, Ellie. Respire.

— Lady Ellie — disse Jaimes. — Se me permite.

— Pode ir. 

Jaimes se curvou para mim e se retirou da sala pela porta que viemos, trazendo o ranger estranho de novo e leves estalos na madeira. Encarei todos de novo. As guerreiras mantiveram suas expressões rígidas enquanto a maga continuou calma.

Agora aqueles quatro… pura impaciência no olhar, a ponto de dois deles coçarem a orelha e um o nariz. Falta de cavalheirismo, falta de profissionalismo.

— Vocês auxiliarão as defesas internas do reino 2 — Alguns pareceram surpresos. — É uma forma do Lorde Hiroki demonstrar a Reig Einar que podemos ser eficientes quando se trata de força e estratégia, uma primeira impressão para uma futura aliança.

— De-defesa interna, Lady Ellie? — perguntou a maga. 

— Sim. Seu nome, por favor.

— Ryla.

— Ryla, há boatos que os monstros costumam invadir furtivamente o reino a noite, raramente, e matam os que não podem se defender. Seja dormindo ou em guarda, a perícia deles é matar em silêncio.

O grupo parecia receoso agora, até que o guerreiro deu um passo a frente e disse em alto e exagerado som:

— Bem que eles precisam fazer uma reforma aqui. Já viu este lugar? Está caindo aos pedaços!

— Eles são competentes — disse uma das guerreiras. — Apenas faltam pessoas dispostas para o serviço.

— Eles são uns covardes! — respondeu ele, e logo riu. Seus amigos seguiram a “piada”.

— Você recuou na alrofy — A guerreira disse baixinho. — Recuou como um covarde com seu grupo. Quando Lumi Kai avançou com seu grupo e encontrou Sairon mesmo com o ataque do maldito Letholdus.

— Você não cite o nome desse verme perto de mim — Verme? — Espero que ele morra em alguma missão-

— Silêncio — Meu tom áspero, minha pressão de aura liberada. 

— Peço perdão — A guerreira recuou um passo, enquanto o homem fez o mesmo e riu.

— Não precisa se fazer de forte — disse ele. — Estamos no mesmo nível. Era verdade que você andou com o representante pelo reino 7? Sempre fiquei curioso em saber. Soube que ele negou enfrentar alguns alunos treinando.

Estresse. Ele me provoca. Hiroki fazia ser paciente parecer fácil.

Andei até a mesa e uma gota de suor desceu da cabeça dele, fazendo o homem instintivamente recuar para trás. Eu apenas coloquei o mapa na mesa e o abri, e todos ficaram ao redor da mesa.

— Não estamos aqui para falar de nada além disso — Coloquei meu dedo no mapa. — Preciso que estejam dividos nos três pontos marcados em vermelho. São áreas onde tivemos ataques recentes de monstros não tão fortes, mas que buscaram atacar pessoas em suas camas. 

Peguei os peões do bolso e coloquei todos no centro do mapa. Movi três deles para o símbolo da muralha.

— Ryla e vocês dois — Sinalizei para dois dos guerreiros. — Ficarão no muro com o arqueiro aurora — Meu pai disse que ela tinha potencial, era bom para praticar magia a distância tendo dois idiotas para protegê-la. — A segunda posição é nos portões, para caso um dos grandes tentem invadir. Deixarei vocês duas — Sinalizei as guerreiras. — E você — Apontei para o outro soldado, e então movi as três peças no mapa. 

— Um dos grandes? — questionou ele. — De-devemos enfrentá-lo? Digo, só dar suporte, certo?

— Se estivermos em um alerta crítico, dêem suporte. Nenhum de nós teria chance contra uma das grandes criaturas que vêm da Fronteira.

— O que… — A guerreira. — devemos fazer se isso ocorrer?

— O mínimo sinal se um deles estiver se aproximando será avisado diretamente ao rei Reig por um de seus cavaleiros reais e… — Ponderei, pensando no quão ruim tudo podia ficar. — fui instruída a sair em retirada com vocês para não atrapalhar o duelo do guerreiro nível Caos.

Nível Caos… Todos ficaram chocados na mesa quando citei. Um dos mais fortes de Elderer, a primeira frente contra qualquer ameaça que encontrássemos no mundo. Um nível que apenas seis pessoas alcançaram.

O quão longe será que eu estaria dele? Eu seria capaz de transcender sequer ao nível Aurora?  

— Vocês dois, restantes, ficarão com os corredores do castelo próximo aos aposentos dos Higasa — Apontei para a guerreira e o homem que discutiram.

— Hein? — resmungou ele. — Por que os corredores? Não faz o menor sentido.

— É importante haver alguém nos corredores durante a noite. Qualquer coisa estranha que notarem. Um comportamento inadequado de um dos soldados aqui, assombrações, criaturas suspeitas. Quero que relatem para mim tudo o que virem e evitem ao máximo conflito.

— Sim, Lady Ellie — Com exceção de dois soldados, responderam em uníssono.

Eu apenas suspirei com as mãos na mesa. As franjas laterais caíram na frente do meu rosto quando fechei os olhos por alguns segundos.

— Por que a você e não a Hiroki? Ele resolveria o problema. 

— Porque eu ordenei- — Fui interrompida ao abrir os olhos.

— Com todo respeito, você colocou dois soldados com um… um mago. Seu planejamento estratégico é tão desnecessário quanto-

— Da próxima vez que me interromper, Ander, perderá sua posição aqui — Meu cabelo começou a levantar conforme a aura vermelha era liberada, trazendo a tonalidade vermelhas até aos meus olhos. — Você será acusado de desonrado e inadequado para o serviço quando for enviado de volta a sua família.

— Lady El- — Interrompi o homem que agora começava a chorar.

— Não deixei que falasse. Espero que essa situação não venha a se repetir.

Ele engoliu seco, e percebi que todos estavam tensos com o poder que liberei. Ao desativar a pressão de aura, tirei as mãos da mesa e pus atrás das costas, mantendo meu olhar sereno a todos.

— Evitem problema a todo custo. Dispensados.

Todos se curvaram juntos, em silêncio, desta vez.

 

-----------------

 

Apoiei os braços na janela, os ventos frios me atingiram desta vez. O quarto aqui não era uma hospedagem digna para alguém se acomodar, tinham ratos devorando restos de um pássaro embaixo da minha cama quando eu voltei, mas foi o melhor que foi oferecido pelo rei 2.

Apenas suspirei, exausta, e me joguei na cama, levando minhas mãos no rosto. Foi tão cheio… levantar pouco depois do sol e ter uma reunião quase na madrugada.

Eu queria vê-lo de novo. A família do Lumi parecia muito gentil.

Agora só me restava me arrumar, porque durasse quanto tempo fosse, eu darei cada parte de mim para entender o que acontecerá naquela reunião.

 



Comentários