Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Capítulo 78: A chegada de um Aurora

 

Ataques perfurantes baseados na densidade da mana posta na lâmina eram crucialmente dependentes do quanto o indivíduo poderia suportar em seu ombro, tríceps e punho. 

Os servos de meu pai não eram os adversários ideais para treinar, porém seus alunos da academia principal tinham uma queda por mim; e Hiroki os mantinha longe. Claro, eu venceria com o meu nível atual. 

A aura de um Dilúculo me deixara mais leve e confortável e rápida. Um passo à frente da maioria das pessoas, e ainda um passo atrás de minha irmã. Era uma pena que me tornar aurora levaria mais tempo do que eu queria. 

Uma grande barreira de poder entre os níveis de aura, uma forma de transcender que não era para todos. Não seria errado considerar que a partir desse estágio era alcançado o “segundo nível”.

Joguei-me na cama, as criadas organizaram tudo um pouco mais cedo desta vez. 

Estava mais frio que o habitual, as nuvens cobriram o lindo céu azulado. Ele podia estar aqui… Não, Ellie, concentre-se! Sentei, desacreditada no rubor em minhas bochechas ao pensar naqueles braços em minha cintura, naquela língua em meu pescoço e…

Não, não, não. Nada disso. Ainda preciso estudar.

Não posso dizer que foi fácil evitar levar minha mão para baixo.

A viagem para o reino dois foi composta de incertezas dos cavaleiros e guardas que tomavam conta da carruagem. Hiroki disse que já houveram histórias de ilusões e monstros que se pareciam com pessoas, e por isso qualquer mínimo sinal ou som dos matos era alarmante.

As próprias trilhas eram refeitas a cada semana devido a mudança do ambiente não explicada, a mana, quanto mais perto do reino chegávamos, era mais… única? Eu precisaria conseguir ver com clareza para explicar.

Um poder que me permitisse ver a aura além de sentir. 

Só era permitido chegar aqui em grupo, graças a isso a viagem levou mais tempo que o estipulado. Ao chegar ontem, eu só consegui enxergar as tochas no meio de toda a escuridão quando chegamos e, exausta, fui dormir.

Nunca estive tão perto do reino da minha irmã desde o dia que ela saiu. Se fosse possível, eu mesma correria até o primeiro reino.

Andei sob o carpete, passando sob o lustre, e peguei a espada de madeira da cômoda. A magia de corte fluia com mais velocidade em armas do que a mana pura, causando um efeitos de cortes sem fim em pessoas ou construções.

Particularmente, não desejei ter herdado tal poder da família Higasa. A “arte do dragão” de Hiroki era muito mais fluida e perigosa se comparado aos elementos. 

Usar os cortes era complicado, então minhas técnicas de luta tiveram que substituir o que eu usaria de magia ele-

Três batidas na porta e um toque suave em seguida.

— Pode entra-

Relly entrou, animada, com o café da manhã.

— É assim agora? — Ergui minha sobrancelha e cruzei os braços, a espada ainda em mãos.

— Oh, Lady Ellie — Relly se fez de impressionada. — Perdoe-me por tal grosseria. Devo me ajoelhar agora?

Nós duas rimos, e ela andou até a mesa e deixou a bandeja lá. A fumaça do café e dos demais preparos exalavam o cheiro rodopiante de torradas, queijo, ovos e cheiro-verde. 

— Não havia muitos ingredientes, fiz o que pude — Ela se sentou.

— Vou avaliar isso — Puxei a cadeira de madeira e sentei em sua frente, pegando uma das torradas. — Os ingredientes estão em falta aqui?

— O cozinheiro do castelo disse que nunca chega o bastante para todos por causa das rotas. Um reino como esse… Eu sempre achei que teriam montanhas de ouro guardadas. 

— Eu soube que atualmente muitos têm medo de vir aqui — Fechei os olhos quando experimentei a explosão de sabores da torrada recheada. — Isso está ótimo.

— Eu sei — Ela sorriu. — O que pretende fazer hoje? Quer dar uma volta?

— Meu pai quer que eu participe da reunião com ele — Tomei um gole do café.

— Como assim? — Ela arregalou os olhos. — Com o reino dois e aquele pessoal forte pra caramba? — Ainda mastigando, afirmei com a cabeça. — Você não está nervosa!? Isso é doidera. Você é forte, mas eles são outro nível. 

— Hunrum.

— O guarda do reino dois é um nível Caos! Caos! Você tá entendendo? São quase os mais importantes de todo Elderer. Sabe, só existem seis Caos no país todo — Nos encaramos por um momento. — Como pode estar tão calma mediante a isso?

— Minha irmã — Engoli o último pedaço. — passou por isso quando era bem mais nova do que eu, e há uma grande chance dela vir para cá ou já estar aqui. Não quero que ela pense que eu sou a mesma chorona da última vez que nos vimos — Inclinei ligeiramente o pescoço para o lado. — Não depois do que houve.

— Humph — Relly fechou os olhos e balançou a cabeça. — Entendo. Tudo bem. — Ela ficou de pé e se aproximou, afofando minha cabeça. — Você consegue.

Depois de acabarmos o café, Relly levou a louça, dizendo que tinha que ajudar minha mãe com alguns papéis referente a viagem. 

Fui recebida por uma enorme variedade de roupas no closet. Vesti uma blusa curta azul, sem alça, de manga longa e gola alta, deixando a mostrar meus ombros, e uma calça preta tênue com algumas linhas azuis nas extremidades do meu corpo, onde, em suas pontas, havia cristais em forma de losango.

Parei de frente ao espelho do armário com o estojo de maquiagem e respirei bem devagar enquanto começava a pentear o cabelo.

Estar entre os guerreiros mais fortes era apenas uma fase do processo que eu precisava para encontrá-la. Aeliana sempre desejou me proteger, cuidar de mim. Por isso decidiu ser mais forte, por isso decidiu ir para a Fronteira. Afinal, não há lugar mais perigoso do que lá.

Mas ela não foi a única que melhorou.

Usei um delineado marrom, um blush coral e um batom levemente rosado e prendi meu cabelo em um coque simples, deixando apenas as franjas soltas nas laterais.

A porta rangeu quando a empurrei pela maçaneta metálica, desfazendo a magia que a mantinha fechada. Por que tinha mana protegendo o meu quarto? Tranquei o quarto, e a cobertura de mana voltou naturalmente. 

Nem um único som presente

O corredor era feito de grandes blocos e pedras e continha diversas tochas grandes e antigas presas com metal a parede, que, com um leve acréscimo de mana, não transmitiam o crepitar das chamas. 

Cada passo meu ecoou exageradamente pelo local, apenas pude supor que era uma forma de defesa para caso um ser ou inimigo invadisse. 

A cada quinze e vinte metros havia duas armaduras de metal nos cantos, ambas com seus machados de cabo longo apontando para cima, ficando a apenas um palmo de se tocarem.

Quando passava por essas armaduras, um piar quase inaudível soava. Tudo bem que as armaduras eram olhos e ouvidos constantes aqui, mas encontrei pelo menos quinze ratos — três deles voadores — e uma infinidades de baratas caminhando nesse corredor escuro. 

Finalmente alcancei a primeira janela — não era mais que um buraco retangular — e me livrei do horrível odor. A claridade inundou meus olhos assim como o vento balançou meu cabelo.

O reino era singular. Todas as casas de largos blocos de pedra e árvores espalhadas aleatóriamente pela cidade. O pequeno lago no meio era o diferencial, apesar dos muros incrustados de mana e estacas afiadas de madeira o circulando. 

Era muito menor que o reino sete, a muralha circulava todas as construções e ainda sobrava espaço, resumindo-se a campos de treino e áreas esburacadas. 

Fora dos muros, floresta sem fim. 

— Curioso, não?

— Bom dia, pai — respondi, o olhando nos olhos. Ele chegou sem fazer som.

— Bom dia, filha — Ele se aproximou com as mãos nas costas e ficou ao meu lado, observando a paisagem. Sua postura clássica. — O segundo reino mais poderoso de Elderer ser tão medíocre em tamanho. Sabe me dizer o por quê?

Olhei novamente, ponderando por alguns minutos o que falar.

— O grau de perigo dificultou o comércio na região e vários boatos se espalharam. Os aventureiros temiam a morte, e a guilda não viu motivos e nem teve coragem de se expandir para cá. Os comerciantes mais nobres tiveram prejuízos com os mistérios do local. Mesmo que a dúvida afligisse todos, poucos resolveram se arriscar. 

— E com isso o propósito de se expandir se esvaiu. Com ele perdido, o rei dois declarou que apenas Dilúculos em grupo podiam acessar o reino dois. Se tornou um lugar exclusivo para os mais fortes e os com mais poder aquisitivo. Essa lei também se aplica ao reino um, mas com algumas peculiaridades — Ele deu dois passos em direção a luz no fim do túnel. — Vamos dar uma volta.

Afirmei com a cabeça e segui Hiroki dois passos atrás. As armaduras agora apitavam duas vezes, e as tochas ficavam razoavelmente mais fortes quando ele passava.

No fim do corredor, estava a porta para a muralha. Seis placas de aviso de perigo extremo, mortes, monstros que podiam invadir e de não tentar adentrar. Uma onda de vento percorreu os corredores, fazendo seu famoso assobiar.

— Não fique acuada — disse ele, tranquilo. — Ninguém nem nada a machucará.

Então ele seguiu, e mesmo receosa fui atrás dele. O vento agitava a folhagem da cidade e de fora, até mesmo aos meus cabelos. O céu estava nublado, e o clima estava frio.

Parecia comum, típico, uma sensação de perigo constante que me passava, como se a cidade fosse para ser assim. De alguma forma, a floresta era… estranha?

Hiroki me aguardou observar, e percebi que havia um soldado armadura a vinte passos depois dele. A vista do reino inteiro, pequeno e pouco barulhento, enquanto fora da muralha era apenas os troncos rangendo e…

Energias aparecendo e desaparecendo. Por baixo daquelas folhas, eu me sentia observada.

— Os chamam de observadores — Ele andou, e instintivamente eu o segui. — Seres que nos vigiam sem nenhum motivo aparente.

— Eu li que esse tipo de monstro existia apenas próximo a fronteira.

— De fato. Os verdadeiros portadores do título vivem lá. O reino dois tem o costume de segurar os que passam do um, assim como o três tem como dever impedir que os monstros prossigam para o quatro. Ultimamente — Ele observou a cidade. — esse número tem sido maior que o aceitável e o comum.

— Temos cinco nível Caos presentes lá, no mínimo dois dragões e auroras experientes. Nenhum deles devia ser capaz de vencer o reino um, e a probabilidade se torna menor se considerarmos Gilmour e seu filho estiverem em batalha.

— Anormalidades, Ellie Higasa — Ele me olhou por um momento antes de seguir, seu cabelo preto balançando sobre o vento. — Desde o incidente de Lumi Kai com o minotauro que voltou dos mortos, tivemos uma mudança no cenário dos reinos. Deve se lembrar dele. — Oh, é claro que eu lembro. — Em seguida, tivemos um Laiky muito longe de seu terreno. Um que pode falar e pensar. Há guardas aqui o tempo todo porque se não houver é certo que o castelo seja invadido.

Lumi deve estar em missão agora… Me pergunto como ele está. E ele… ele esteve nas anormalidades. Seria ele um atrator desses problemas? Não, ele e o Spectro não eram exatamente fracos, conseguiriam fugir se acontecesse algo.

Um monstro atrás do tronco, metade do seu rosto estava exposto. Seu único olho estava vidrado em mim, acompanhando cada passo meu. De repente, ele saiu da árvore e disparou em minha direção gritando. 

E eu senti como se ele pudesse facilmente me alcançar.

Cerrei os dentes, atiçando meus punhos com magia, e Hiroki entrou em minha frente, sua mana começando a clarear o lugar. Até que uma explosão veio do arco do guarda, e o monstro se transformou em míseros restos.

— Por favor, não se preocupem comigo — disse seriamente e voltou ao seu posto. O homem alto e armadurado tinha o porte físico extremamente forte.

— Dizem que eles sentem o medo — Hiroki, continuando a andar.

— Eu não-

— Estava sim. E não há problema nisso.

— Puff — Ele deu um leve sorriso.

— Nossa reunião será hoje ao anoitecer. Teremos o rei dois, cavaleiros reais, auroras e um nível Caos como guarda pessoal do rei. Estará diante de pessoas arrogantes, poderosas. Não é bom entrar em conflito ou perder o mínimo de postura, mesmo que se irrite. Em meio a provocações silenciosas-

Um rosto neutro deve ser mantido como uma mascara indecifrável.

— É, é claro que você sabe — Ele respirou fundo e desviou de três ratos gigantes. — Bom saber para hoje: foi obtido um item que acreditam ser uma relíquia morta.

— Relíquia morta atrai os homens de mascara e monstros. Os homens do mesmo time do prisoneiro Letholdus… 

— Ele está em Tera, tenho certeza que jamais sairá de lá. Decidiram que a família Higasa ficará responsável por levar essa relíquia para o reino nove, onde Lotier Erofim ficará responsável por protegê-la com sua fortaleza impenetrável.

— Há uma Fortaleza impenetrável no reino nove? — perguntei, observando os pássaros fracassarem em voar contra o vento.

— Fica entre montanhas, na verdade, próximo de Balnor. E isso é um segredo de tamanho imensurável. É lá que a outra relíquia está. 

— Protegida como…?

— A ponto de nem mesmo cavaleiros reais conseguirem passar com facilidade. Prosseguindo, confiaram em nossos feitos. Realizando essa missão teremos um aumento de poder bélico, acesso a itens e materiais novos e uma possível parceria com esse rei.

— Nós? Um nível Caos poderia levar sozinho, voando de dragão. 

— Isso será discutido na reunião — Ele riu e deu um peteleco em minha testa, e eu me encolhi. — Pequena espertinha.

— Estarei ocupado com o ferreiro da cidade por um tempo, todos que vieram conosco responderão a você — Fiquei meio boquiaberta… Comandar todos aqueles caras? — Estude as zonas de perigo com sua mãe e posicione nossos guardas como bem entender. O rei dois deve ter deixado um arquivo para ajudar. Enquanto estivermos aqui, iremos ajudar.

— Não tinha um real interesse em comandar eles, mas aceito a proposta, Lorde Hiroki — Cruzei os braços, inclinando o pescoço levemente para cima. — Farei o possível para direcionar corretamente suas tropas.

— É uma honra, Lady Ellie — Ele se curvou, e eu abafei uma risada. — Coisas estranhas serão informadas a você, tenha cuidado ao analisar. Dou total liberdade a você.

— Pode deixar — Eu… queria falar dele sobre o Lumi. Será que ficaria bravo? Eu pensei algumas vezes sobre uma possível relação com ele… E agora queria entender como foi tão estúpido para estar no meio de todas as anormalidades. — Pai-

— Eu te amo, filha — Hiroki colocou a mão em meus ombros e me deu um beijo na testa. Sempre fazendo isso em público! 

Dando um sorriso, eu o acompanhei de volta.

Até que o som dos portões se abrindo ecoaram alto por toda a cidade, como um grande alerta de perigo. Os três lanceiros rechearam suas lanças com terra, água e fogo e apontaram vividamente para a brecha que se abrira.

Cavalos relincharam e correram para dentro do castelo uma montanha da palha na carroça que os prendia.

Atrás deles, estava uma mulher. Seu cabelo loiro — que cobria o rosto — estava todo sujo de terra e lama e gravetos, sua armadura branca quase inteiramente destruída, apenas com metade do símbolo de um aurora.

Haviam vários cortes no corpo que ainda sangravam. Hiroki a encarava seriamente, enquanto o guarda próximo a nós não tirou os olhos da floresta em nenhum momento.

A aura dela era familiar… Trazia um terror aos soldados que se aproximavam em guarda, mas um conforto imenso para mim. Meu pai deu um passo a frente, seu olhar agora determinado.

O soldado pareceu ter ouvido algo, pois se assustou e virou para os outros dois e gritou:

— Aeliana Higasa retornou, abaixem suas armas!

 



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