Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Capítulo 74: Momento agraciado

 

 

João perdeu sua cor quando sentou, seus ombros tremiam levemente. Meus amigos pararam para me observar, sem nenhuma exceção, perplexos. Talvez por acharem que essa ideia era estúpida vindo de uma rainha, talvez por nunca a considerarem real.

Mas era, nunca fora tão possível.

— Ok, ok — Kashi suspirou algumas vezes enquanto agitava as mãos no ar. — Muitos e muitos relatos existem de novos monstros, monstros estranhos. Monstro que não fazem sentido existir. O Laiky que ri é só uma lenda idiota que criaram que evitar que as pessoas quisessem ir para a fronteira, não é? Alyssa certamente concorda com isso.

— É, é o que todos nós acreditávamos — Olhares pularam dela para mim. — Porém há informações que podemos usar de comparação com essa “lenda”. Nos reinos de Camelot, há livros que ilustram de várias formas o Demônio da Risada, O Pesadelo Criador, O Laiky Irregular. E são de mais de duas décadas atrás. Essa coisa pode realmente existir. Eu posso juntar informações para vocês e ligar alguns pontos do porquê os Ritualistas querem tanto aquelas relíquias!

— Bruno — Alice. — Sei que não mentiria sobre isso, e concordo que se for um fato verdadeiro pode justificar o que estamos vivendo agora — Os olhares confusos pularam para ela. — Em meu país, também era retratado um ser da risada. Lendas e culturas jamais foram cultivadas por lá, os samurais detestam mais do que tudo erradicar com as próprias tradições ultrapassadas e hostis. Mas se pensarmos por este lado, do inimigo reunir as relíquias para se defender dele, não significa que o Ser da Risada é o fim de tudo?

Considerar ele como o meio de tudo era tão… vago. Tão fraco. Tão-

— Supondo que o inimigo queira sobreviver — Áki. — e que os Obscuros desapareceram apenas para impedi-los de fazer isso, onde o Lumi exatamente se encaixa? Desde o minotauro, ele só esteve em problema. Quatro, cinco anormalidades no começo das missões de coleta? Fora que a Amice Ken foi a única com aura capaz de confrontar o Laiky falante no dia do ataque. Talvez seja uma vingança do inimigo por não conseguirem derrubar Kanro Kai? Ou o ódio pela imagem do herói Sanro? A família Kai tem um histórico complicado para alguém que nasceu sem magia.

— Seria mais simples terem o sequestrado e o usado como refém. Só que os intervalos de tempo entre os ataque nos levam novamente a questão do lado que o quer vivo — disse Aria, ela se recostou na cadeira e seu olhar recaiu em mim. — O que fez você acreditar que poderia ser ele? 

— Rei Lotier falou sobre seu poder de visão ou algo assim e me deu isso — Deixei o desenho da criatura na mesa. — Coisa que ele viu e desenhou pouco depois de resgatar Lumi da Fortaleza. Os corpos foram trucidados e mordidos por uma criatura gigante. Pessoa treinadas e preparadas para quase tudo. A criatura está por aí agora com uma relíquia morta que não faz nada, e tudo que podemos esperar é que ela leve aos Ritualistas. 

— E sobre o Sangue foi apenas por que Sairon disse ter visto, certo?

— Certo. É que… — Um misto de alegria, desejo e ódio se espalhava em mim. Sálazi me deu seu nome, minhas mãos só formigavam quando pensava em enfrentá-lo — Estou cansado de só treinar e fazer simples missões, principalmente — Eu estava rindo. Por quê? — quando um amigo de longa data me supera em tudo.  

Deixei meu olhar descer.

Eu e João nos encaramos por um momento, mas a exaustão e a olheira em seus olhos já deixaram claro suas intenções de entrar nessa conversa. 

— É assustador, não é? — disse Aria, um falso sorriso em seu rosto enquanto ela se abraçava. — Sentir que tem um perigo imenso se aproximando que pode consumir todos nós. Sabe, eu… eu estou com medo.

— Está tudo bem — Áki passou o braço pelo ombro da amiga. — Nós vamos ficar bem. 

Fosse dito ou não, todos tínhamos medo de acabar como Lumi.

Não, idiota. Estava aceitando que seu amigo-

— No momento, creio que nossa melhor opção seja ir a Alatar. Com a atividade inimiga, precisamos de uma boa instrução de como participar efetivamente dessa possível batalha — Alice se levantou. — Talvez ele tenha algo a dizer sobre o que discutimos aqui. 

— Nós vamos, então — Kashi se pôs de pé, o fogo mágico nascia em seus ombros e cabelos. — Lumi não morreu. — Ela rangia os dentes. — E eu levarei a cabeça do inimigo para ele quando acordar. 

Ele jamais poderia lutar de novo, jamais poderia usar magia como antes, mas… as palavras se enrolaram em minha garganta. Não tinha certeza se seria capaz de vê-lo acordado e sem sonhos. Seu olhar sem vida. 

Eu preciso estar lá para ele quando esse dia chegar, não posso deixá-lo acordar e se sentir só!

— Você tem razão — disse Aria depois de engolir seco. — Ele vai levantar. Alatar está na academia a essa hora — Sua risada falsa. — Ellie já voltou de seu treino? Acho importante termos todo o grupo agora.

— Eu soube que ela voltaria nos próximos dias — Áki. — Essa idiota está tentando a todo custo avançar para o nível aurora.

— E não ficaremos para trás — Alice… disse uma frase motivacional? — Vamos, Alatar não estará lá para sempre. 

Com o concordar de todos, o grupo se preparou para sair. 

Cada inimigo se tornou forte, fosse treino ou magia sombria. Eu só precisava me tornar um monstro também para caçá-los um a um. Incluindo o Sangue de Luz que matou meu pai. Não quero mais ser limitado, não quero mais fracassar. 

Todo esse império corrupto irá ceder quando eu alcançar o meu auge. 

Eu juro fazer todos que merecem sofrer.

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Um chuviscar, o céu nublado tomou conta de todo o reino. O jardim do castelo trazia a calma agoniante de enxergar pouco mais que alguns metros a frente, eu conseguia ouvir as folhagens se agitarem, a água por todo o lugar.

Alatar poderia até nos instruir, mas era inegável que o perigo era maior que todos nós. Seria o momento ideal para tentarmos entrar nisso? 

Claro que é, Bruno. Não hesitariam em matar você!

Não sabia se vir na frente foi a melhor ideia.

Meu guarda-chuva não parava de se mover, mas não pela fraca água que se recusava a tocá-lo, mas estranhamente por este manso e tranquilo vento. Eu sentia plenamente o fluxo do rio que seguia para o portão principal, era como se a cidade toda estivesse na palma da minha mão.

Eu… poderia mover tanta água assim? Todo esse poder?

Eles estavam demorando demais mesmo.

Fechei os olhos e puxei todo o ar que pude, concentrando-me em cada partícula de água presente, visualizando-as em minha mente, sentindo-as em minha alma. 

Com um leve movimento da mão direita, quase metade me acompanhou. Com um pequeno e simples pensar, mais uma parte me obedeceu. Ergui a mão esquerda, deixando o guarda-chuva de lado, trouxe a imagem do que eu havia criado com clareza, ainda sem abrir os olhos.

Uma esfera formada por mais de quinze fios era rodeada por lâminas e rachaduras mágicas, com a energia azul marinho fluindo livremente entre os cortes e entre a água. 

A chuva, até agora, não tocara meu poder. Não tocara a água que usei. De repente, o gosto salgado surgiu, sem que eu sequer percebesse as lágrimas que fugiam de mim. A calma da chuva, de todo esse ambiente… estava comigo de alguma forma.

Bruno Lewis.

— O-o quê? — falei enquanto olhava avidamente para todo canto, ignorando o fato da neblina levar tudo.

Até que passos vieram no meio de tudo, perto o suficiente para me atacar se quisesse. Meu círculo se desfez, e uma forte corrente de água alcançou meus pés. Era um homem bem alto e forte que não possuía um dos braços. Seu cabelo era longo e castanho e seus olhos tinham incríveis tons de verde. 

Sua aura tranquila se camuflou do meu radar de água?

— Com licença — Ele deu um sorriso gentil. — Estou procurando por um rapaz… Bem famoso, na verdade — Uma risada. — Você certamente o conhece: representante do Rei Lotier, Lumi Kai.

— Sim, o conheço — Olhei o guarda-chuva no chão completamente seco. — Você é-

— Creio que seja aceitável suspeitar de qualquer um depois do que houve. Eu me chamo Cirlan Maxim, fui o primeiro capitão dele no início de suas aventuras.

— Ca-capitão Cirlan? — O melhor Coletor requerido pelo reinos e pela guilda. Lumi só falava dele de vez em quando… mas falava bastante. — Você está bem diferente do que eu me lembro.

— As coisas mudaram desde que o Laiky surgiu com sua habilidade de falar em Karin — O capitão manteve os olhos fixos em mim. — Todo e qualquer lugar precisou de uma reavaliação de perigo, isso trouxe um trabalho imprescindível na guilda. Qual é seu nome, jovem?

— Eu sou Bruno Lewis, capitão Cirlan. 

— Oh! — Ele se curvou. — O grande amigo de Lumi. — Ele se ergueu. — Ele falava muito de você nas missões. Como um grande amigo, um irmão — Um sorriso grande preencheu seu rosto, uma confiança sem igual. — Eu soube que ele está muito forte agora.

Ele… ele não sabia tudo. 

— Venha, vou te levar onde ele está — Que dor. 

Que dor.

 

Apesar de não ser longe, pareceu uma eterna caminhada com um receio que fez minhas pernas tremerem o caminho inteiro. Quando chegamos em frente a sala do Lumi, Cirlan deixou seu guarda-chuva cair e correu para a cama.

Os trovões e o clarão tomaram conta de tudo quando suas lágrimas desceram. Mesmo com a calma da água em mim não consegui me conter, não consegui deixar de estar arrepiado.

Novamente minutos pareceram horas, e minha garganta nunca esteve tão seca. 

— Eu posso deixá-lo sozi-

— Quem o atacou? — Um tom neutro.

— Ainda não sabemos, ele chegou ontem… — Eu queria saber mais do que tudo quem foi o desgraçado. — Tenha certeza que todos queremos encontrar quem fez isso.

— É um bom menino — Cirlan se manteve indecifrável. Como? Como manteve a postura no meio disso? — Persistente. Não conseguia carregar uma única caixa ou subir um morro, e fugia quando qualquer monstros inofensivo aparecia. 

— Ele — Não hesite, Lewis. — Adorava sair em missões com você, Cacele e Kaled. Eu mesmo já ouvi tanto os nomes que decorei — Uma risada falsa de ambos. — Ele sempre buscava melhorar para isso. E olha que sempre foi um preguiçoso.

— É a cara dele — Cirlan olhou em meus olhos. — Pode me arrumar um papel e uma caneta?

Busquei os itens que me pediu, e Cirlan não demorou muito para escrever. Ele se levantou do banco, ainda olhando para meu amigo, e deixou a carta na mesa ao lado. Ele deu um longo suspirar antes de começar a falar.

— Tenho fé na sua recuperação, Lumi. Ergua-se como sempre fez nas missões, como fez na luta contra o outro representante e como fará em breve. Sei que não vai desistir — Cirlan caminhou para a porta. — Assim que ele abrir os olhos, príncipe, avise-me, por favor. Gostaria de ser um dos primeiros a saber. 

— Está certo. Avisarei ao senhor. 

Cirlan saiu e passei alguns minutos refletindo o que aconteceu aqui, até que um homem enfaixado entrou correndo na sala e colocou as mãos na borda da cama.

— Ei-

O homem me lançou seu olhar completamente vermelho, suas olheiras profundas que se extendiam para além de debaixo dos olhos, alguns ferimentos abertos pelas ataduras que caíram. 

— Príncipe Bruno — Katsuo disse com sua voz rouca. — Preciso ver o Lumi!

Katsuo avançou para mim e eu, com um passo veloz coberto de mana, o segurei antes que caísse.

— Fui informado que você levaria dias para sair da cama — Ele estava em uma luta constante contra o sono e a exaustão. — Acalme-se! Você precisa descansar.

— Por favor, príncipe.

— Por sorte, você acertou a sala dele.

Katsuo olhou em volta e finalmente percebeu que aquele se tratava do menino que procurava. Em quantas salas esse maluco entrou nesse estado? Ele se aproximou devagar, todo o desespero e desequilíbrio desapareceram quando ele se aproximou da cama.

— Há quanto tempo chegamos? — Seu tom, agora, era totalmente calmo. Sua voz grossa novamente. 

— Vocês chegaram ontem. Agora, é melhor você-

— Jovem Kai — Um sorriso de alívio antes de desabar na cadeira e começar a roncar.

Tsc. Esse time especial do Rei Lotier só tinha maluco.

Eu conseguia ouvir elas descendo as escadas… Era a hora de ir.

Eles deviam ficar bem aí, havia mais cavaleiros reais presentes na cidade do que eu podia contar. Minha mãe podia ter exagerado um pouco no orçamento de defesa, mas eu concordava com ela. 

Ao menos assim eu podia focar em melhorar sem me preocupar tanto com ele.



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