Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Capítulo 70: Fardo

Meus olhos se abriram ao máximo enquanto eu tirava a pedra mágica do bolso. Mordi com força meu maxilar, um suor irritante alcançava as minhas mãos. Um pedido de ajuda, socorro. Puta que pariu. Havia dado merda. Uma situação em que aqueles cinco não puderam lidar juntos… 

Droga, droga! Reforços deviam ser enviados com toda a urgência possível, mas nenhum cavaleiro real estava disponível agora. O dragão. Tudo podia ser resolvido se ele ainda estivesse em minha posse. 

Levei uma mão ao queixo, deixando meus dedos pairarem sob o pouco da minha barba. As montanhas eram perigosas para grupos experientes de aventureiros. Se Lumi e os outros encontraram algo que pudesse os derrotar, então ninguém deveria ir. 

Reunir um grupo com três auroras levaria mais tempo do que eu tinha, deixando-me apenas com uma opção. Lancei meu olhar a Fent, que aguardava há vários minutos por uma única palavra minha. Meu coração acelerou em um ritmo incomum com a ideia de desrespeitar um Sangue de Luz de novo correndo pelas minhas veias. Minhas axilas já estavam suadas. 

A Fortaleza podia ter sido incapaz de ajudar o Kai. Nesse caso, o inimigo seria uma ameaça até para mim e todos estariam mortos. Ou o caminho podia ter sido o verdadeiro problema, considerando que parte dos boatos eram verdadeiros sobre a periculosidade das montanhas ser maior. 

Comerciantes e aventureiros Fulgor para baixo já evitavam a região. Eu errei ao enviá-los? Não, eram os melhores. Lumi enfrentou Miguel na desvantagem e empatou.

Uma brisa congelante veio de uma das janelas próximas, e eu lentamente fui até lá. Montanhas longe cobertas por raios e raivosas chuvas, nuvens tão baixas que atrapalhariam nos estreitos caminhos para as montanhas geladas. 

Neguei-me a pensar nisso por um tempo, mas podia ser real… O lugar podia ter mudado. No entanto, apenas rezava para que nenhum mascarado estivesse envolvido nisso. Nem mesmo eles penetrariam na Fortaleza sem terem muitas baixas.

— Fent — disse baixo, e o jovem olhou para mim com confiança. — O que estou prestes a fazer é um crime gravíssimo contra nossos superiores e algumas leis dos reinos. Você tem total escolha em me acompanhar ou retornar ao reino nove. 

— Meu rei — respondeu ele, logo juntou as pernas e bateu o punho direito no peito esquerdo. — O seguirei aonde for. Eu sirvo a você, não a eles. — Fent deixou uma risada escapar. — E você é desastrado demais para andar sozinho em montanhas tão perigosas.

Retribuindo seu sorriso, descemos as escadas do castelo. Após chamar Fent de maluco, alcançamos o jardim que dava a saída do muro que rodeava o lugar. Até que uma aurora calma e poderosa surgiu ao meu lado, e olhos violetas encontraram os meus. A menina de cabelos roxos se curvou perante mim, e eu não pude segurar um fraco sorriso. 

— Brigitte Ludwig! — falei em alto som. — Não tinha hora melhor.

— Meu rei — A aurora se ergueu e cumprimentou de leve Fent. — É uma surpresa vê-lo por aqui. Há algo que eu possa fazer?

Uma das melhores auroras iniciantes que treinei por algumas semanas. A magia de Brigitte era perfeita contra quase qualquer monstros de pequeno e médio porte, no entanto, levá-la daqui também tinha seus riscos. 

— Irei partir em uma jornada perigosa e fora da lei, preciso de segurança. Lutaremos contra criaturas geladas, o frio extremo, caminhos estreitos e possivelmente monstros de grande porte de categoria seis. Precisa entender que-

— Eu adoraria serví-lo fora da lei novamente — Minhas bochechas coraram de leve. — e compreendo os riscos que você sempre corre.

— É um pensamento comum sobre ele.

— Apenas — falei, revirando os olhos. — se preparem. 

Brigitte foi às pressas se equipar e buscar alguns suprimentos para a missão, enquanto eu e Fent íamos para próximo ao portão, onde jaziam dois guardas de Alud. Conforme os segundos passavam, uma horrível sensação crescia dentro de mim. Se estivessem vivos, de alguma forma, precisariam sobreviver por, pelo menos, seis dias. 

De braços cruzados e batendo o pé impacientemente no chão, esperei pela cavaleira aurora, até Miguel Enguerrand surgir das portas de onde vim e andar devagar para perto. Os olhos do príncipe pareciam cansados, sua aura era consideravelmente mais fraca que o dia do torneio. Ao que percebi, ele estava desarmado; vestindo apenas um traje casual da realeza.

— O que há? — perguntei, meu tom solene. Fent deu um passo à frente. 

— Mantenha-se longe de onde todos possam ver — respondeu o príncipe de modo inexpressivo, e percebi leves cortes em seus braços e pescoço. Arregalei minimamente os olhos, e ele continuou: — É tudo, rei.

Miguel se virou, pronto para entrar de volta no castelo. 

— Miguel — O príncipe parou. — Seria plausível me procurar.

O príncipe apenas deu uma fraca risada e continuou seu caminho, e eu e Fent nos entreolhamos. Levantando o dedo indicador, uma mini esfera roxa apareceu ao redor de Fent, tornando-se cada vez menos visível conforme crescia. 

Fent sinalizou com as mãos que haviam cerca de cinco espiões observando de ângulos completamente diferentes, e Brigitte retornou com sua armadura de prata com adornos roxos e duas pequenas bolsas com uma variedade de itens para a jornada. Gesticulei sobre os que nos vigiavam e ela me deu um breve aceno.

Com cada um utilizando um capuz velho, nós saímos dos portões do jardim e adentramos no meio das dezenas de pessoas na praça central. Apesar de exaustivo, Fent manteve sua habilidade ativa. 

Alud não podia saber para onde eu estava indo

Era impossível andar por aqui sem esbarrar em alguém a cada dez segundos, mas os desgraçados nos procuravam vividamente dos telhados. Com um toque de magia furtiva, Fent manipulou cada som presente aqui, tornando mais claro para eles vozes na direção contrária a nossa. 

As seis auras se afastaram rápido, e puxei os dois para o corredor mais escuro e afastado que localizei.

Passei minhas mãos na enorme muralha feita de largos blocos de pedra enquanto Fent conjurou uma barreira anti som ao nosso redor. Deixei pequenos pontos de mana em um círculo no muro e carreguei meu punho com uma aura densa. 

Posicionei-me e respirei fundo, logo meu punho adentrou na muralha, e um buraco capaz de comportar cinco pessoas apareceu. Fent desativou sua barreira de som e eu me certifiquei de absorver cada pedaço da minha mana de volta. 

— Havia pelo menos quinze maneiras para fugirmos sem que deixássemos — Brigitte olhou para a muralha quebrada. — vestígios. 

— Geralmente temos ideias assim… — falei, pensando em outras maneiras mais simples de fugir. — Mas esta foi a melhor… devido a ocasião. 

Corremos até o aglomerado de árvores mais próximo dos reinos onde estavam dois cavalos e os poucos recursos que trouxemos. Considerando o que Brigitte trouxe, conseguiríamos sobreviver com sete dias mesmo com as condições extremas. 

O maior problema eram os cavalos escolhidos. Não conseguiriam sobreviver para onde estávamos indo, além de não serem a melhor opção para ambientes estreitos e congelados. Se os forçasse com minha própria mana, haveria pelo menos cinco dias de viagem a frente. 

Faça o grupo aguentar, Lumi.

Após uma rápida verificada nos espiões que nos procuravam ao longe, partimos. Entreguei um dos mantos protegidos com mana para Brigitte e ela foi no cavalo de Fent. De início, começou a chuviscar. Bom para não deixar rastros, mas eu também não conseguia dizer se era um ponto positivo. 

Levamos horas para alcançar a primeira montanha e o ambiente já estava duas vezes mais frio. A chuva que crescia cada vez mais foi nosso primeiro empecilho. O caminho do décimo reino para a Fortaleza tinha uma rota específica que só Alud e dois Sangues de Luz tinham conhecimento, mas depois de olhar tantas vezes o mapa incompleto que recebi eu tinha uma ideia de como chegar. 

Então subimos a primeira montanha.

A Fortaleza era poderosa demais para os monstros locais invadirem. As duas barreiras tinham capacidade de reduzir o poder de um Laiky pela metade, presente que o próprio Gilmour colocara lá. Defesas, equipamento de segurança, armadilhas. 

Soldados Dilúculo treinados na própria floresta que contornava a muralha e ainda uma névoa capaz de escondê-la de vista. Os Penumbras ficavam de vigia, um único aurora comandava. Eles teriam suprimentos para sobreviver por um mês e itens médicos para…

Eles iam ficar bem. Eles iam ficar bem.

O amanhecer chegou antes que eu pudesse perceber. Infelizmente uma parada foi necessária para que os cavalos pudessem descansar e receber outra camada de mana feita por mim. 

Disparamos depois de poucos minutos que também usamos para comer e apenas no pôr do sol do segundo dia fomos capazes de entrar realmente no aglomerado de montanhas. Ainda nenhum problema com os monstros, longe de serem hostis perto de nós. Eles ao menos não atacaram um grupo mais poderoso.

No entanto, meu coração apertava cada vez mais.

Os Voins eram capazes de entregar mensagens entre os reinos, entre as montanhas. Fugir de monstros era uma tarefa simples para eles. Dois soldados de Balnor tentaram interceptá-los, mas foram incapazes. Então o que caralhos poderia ser? Ganhar de quatro Dilúculos que beiravam a aura Aurora e um representante Fulgor com mana além da capacidade do próprio nível?

Apenas mordi o lábio enquanto avançávamos. Brigitte agarrou-se em Fent após uma brisa de ar mais gelada que o comum, e ele perguntou se estava tudo bem. A aurora disse que não era a melhor com o frio e eu os aqueci com uma camada de mana mais grossa. Por mais que Fent mantivesse os olhos à frente e não percebera as mãos de Brigitte em seu abdômen, pensei se eles se dariam bem juntos. 

Uh, eu podia dar uma forcinha.

Quatro dias passaram, mas para mim pareceram meses. O tempo era inimigo da vida deles, eu precisava ir mais rápido. Cinco dias podia ser tarde demais. Eu queria ver aquele cara crescer na vida. Sem magia? O potencial dele era semelhante ao de Ellie Higasa! Todos deviam saber disso. Ele virou assunto por meses quando empatou com Miguel, apesar de ainda não ter chance contra nenhum filho de Sangue de Luz.

Era curioso, eu sentia que Lumi não era só um usuário Fulgor com um goblin inexplicável. De certa forma, parecia mais seguro ser aliado dele.

Descemos das montanhas, e um caminho de árvores destruídas foi o que nos recebeu. Um Zolar’Hou. Que droga, um ser desse tamanho não tinha o que comer aqui. Aumentamos o ritmo e eu finalmente senti meus olhos pesados. Mas não tínhamos mais como parar, era o quinto dia, e a Fortaleza ficava no final dessa trilha. Após duas horas na maior velocidade que conseguimos chegar, vimos várias árvores destruídas no meio da trilha e pela floresta. 

Com uma enorme poça de sangue no chão. 

Não, por favor.

Pulei do cavalo. Vários Zolares pequenos foram mortos, seu sangue azul em todo o chão já estava seco. E meu coração quase parou quando me deparei com a poça de sangue vermelho. Apenas uma pequena mancha comparado ao azul, mas foi o suficiente para eu me ajoelhar. Havia um Zolar’Hou bem grande morto, sem cabeça, próximo a um projeto de esfera de gelo que cercava a poça de sangue vermelho. O poder de Katsuo.

Algumas pernas e braços congelados, corpos destruídos como pedra. 

Anny. 

Flechas de metal na pele dura do gigante e espinho que saíam do chão. 

Elliot. 

Ataques de impacto mágico puro. 

Winnie.

Vocês não ousariam morrer aqui.

Até que eu vi uma trilha, como se alguém tivesse sido arrastado para o meio da floresta. Mandei Fent verificar e ele disparou, deixando um muro de poeira para trás. Ordenei que Brigitte caçasse qualquer sinal de vida humana e ela simplesmente desapareceu. 

Chutei cada maldito pedaço de madeira aqui, buscava atentamente com mana nos olhos. Meu coração bateu forte quando a primeira lágrima desceu ao ver uma perna humana dilacerada

Um flash de lembrança de minha mãe sendo levada pelos homens de Balnor me pôs de joelhos novamente.

Grunhindo, enfiei minha espada no chão e ativei a Detecção por Terra. Uma habilidade rara que eu devia ter treinado mais enquanto servia a Aerin. Nenhuma pegada a mais, nenhum rastro relevante. 

Tudo que me trouxe foi a localização de insetos caçando outros insetos. De repente, uma intenção assassina fez os pelos do meu braço se eriçarem. No meio das árvores, o monstro de gelo do meu tamanho me encarava.

— Por que eu não senti você? — Minha voz vazia. 

Diferente. Dúvida em seu olhar, como um certo monstro do reino dois. Ele sorriu e exibiu suas garras, as cobrindo com mana e avançando contra mim em seguida. Meu cabelo suado cobria parte do meu rosto, mas esse inútil era lento como uma lesma.

— Sabe, eu estava precisando extravasar — sussurrei, desviando do seu ataque. — Mas você é fraco. 

Meu punho atingiu o nariz da criatura em pleno ar. Seu corpo caiu de pé atrás de mim, mas sua cabeça explodiu cerca de três segundos depois. Sangue espirrou, seu cérebro nojento escorria pelo meu rosto. 

Ignorando memórias ruins que voltaram a mim, a capacidade de camuflagem dele foi além do que havia lido. Não sabia que era possível estar cem por cento imune à detecção e nem se existia um poder assim. Soltei um longo suspiro ao olhar a mata. Fent e Brigitte sabiam se cuidar. 

Lumi e o grupo batalharam aqui. No pior dos casos, um deles teve a perna arrancada e outro fora levado para sabe-se lá aonde. Com toda teoria que reuni, eles podiam pensar, se camuflar com cem por cento de eficácia e andavam em grupo. 

Esses desgraçados estavam evoluindo? 

Isso era contra tudo que aprendemos sobre dungeons, alrofys e monstros. O minotauro anormal que atacou Lumi e o ataque de goblins mutantes furiosos em Karin… 

Os Ritualistas fizeram alguns experimentos isolados e depois os soltaram, mas aqui era uma floresta inteira! Seria como manipular parte da merda de um bioma, além de dar capacidade a eles de constante evolução. 

Não, talvez não os Ritualistas. Um goblin diferente atacou Lumi na casa dele e lutou contra os experimentos menores. Eles não cometeriam um erro desse.

Talvez houvesse outra mente nesse jogo doentio. O que essa pessoa poderia querer? E o que Lumi tinha a ver para que sua morte fosse almejada?

Seja como fosse, as montanhas seriam bloqueadas. Lancei uma pequena explosão de mana pelos céus. Fent e Brigitte surgiram como o vento. 

— Um Zolar capaz de se camuflar totalmente — disse Fent, seu corpo coberto de sangue. — Lutava como uma pessoa. Arrisco dizer que era uma arte marcial não usada mais nos dias de hoje. — Bom ponto. — Duas paredes paralelas no meio da floresta feita a partir do elemento pedra. Entre elas, havia sangue azul no chão e um corpo fresco, enquanto as paredes estavam manchadas de vermelho.

Torturaram? Pensei, rangendo os dentes.

— Apenas árvores destruídas e alguns desses… Zolares com armas de gelo formadas a partir da magia de apenas um deles — A armadura da Aurora estava danificada, além do sangue em seu cabelo e cortes em seu rosto. — Eles temiam algo na direção da Fortaleza, nenhum deles tentou se aproximar. Quando arrastei um comigo, ele se matou ao aceitar vir. 

— O Zolar que conjurava… Fez como nós? Transformou mana em armas sólidas?

— Sim, meu rei.

E ainda temiam um perigo na Fortaleza?

Avançando finalmente para a Fortaleza, encontramos mais Zolares mortos. Cabeças estouradas, membros arrancados, línguas queimadas, estômagos abertos e sangue para todo lado. Um desconforto veio ao meu estômago. 

Quem seria tão brutal para matar assim? Ou apenas uma situação de vida ou morte? Não, quem fez isso se divertiu. Isso não era coisa de alguém com a mente limpa.

No entanto, a situação ia muito além. Um buraco na muralha, humanos e monstros mordidos, trucidados, desmembrados. Nenhum jovem deveria ver isso. Nenhum humano deveria passar por isso. Daqui até a muralha eram mais de quarenta passos, e haviam corpos preenchendo o lugar até lá. Um mar de sangue, uma visão assombrosa… 

Era um massacre que podia desequilibrar a paz.

E em meus ombros… a morte de todos que enviei para cá.



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