Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 4

Prólogo

 

 

A pedra de tamanho regular era como um feitiço prestes a ser ativado. Um que fosse capaz de trazer uma grande explosão, onde nem mesmo eu poderia defender. Depois de dias de estudos contínuos tentando entender a complexidade desse item, finalmente pensei com um pouco de sinceridade. Uma pedra esverdeada que pode, de certo modo, se comunicar com sua outra parte se quebrada. Era um item árduo de se conseguir. Afinal, não era fabricado, e sim encontrado e manipulado. 

Era o terceiro dia de missão de Lumi. Enviar ele e o grupo parecia ter sido a escolha perfeita. Eles eram mais do que capazes para lidar com os monstros nos arredores, mesmo se os relatos de evolução fossem reais, nenhum ser faria isso tão rápido a ponto de ganhar do meu representante de fogo. Mesmo ao dar um leve sorriso ao lembrar da luta dele contra Miguel, um mau pressentimento ainda me assombrava. 

Seria aquele poder de novo?

— Rei Lotier — chamou Fent, seu olhar imparcial recaiu sobre mim. — Rei Alud nos aguarda em seu trono.

Dando um breve aceno para Fent, iniciei minha caminhada pelos corredores do décimo castelo. Eram um tanto mais luxuosos do que deveriam ser, do que os recursos de um rei poderiam pagar. Lustres exagerados, quadros a cada dois passos, colunas com símbolos desconhecidos e… 

Ah, o que estava pensando? Já devia ter me acostumado com o quanto os reis eram vaidosos. Porém as armaduras eram um detalhe especial. Grandes, de metal acinzentado, um vazio profundo no lugar onde os olhos do portador estariam. Eu me sentia observado perto delas, não ficaria surpreso se, de repente, esses corpos sem vida tentassem me atacar. O único lado bom daqui era o bom e tradicional tapete vermelho. 

Você estava desconfortável com a energia daqui, Lot?

De frente para a grande porta para a sala de Alud, soltei bem devagar o ar. 

— Fent — falei, meu tom sério. — Pronto para lutar…

— Mantenha a mente no lugar.

Um único passo para frente e toquei minha mão na superfície áspera da porta, cercada com oito runas diferentes por sua extensão. Um leve brilho amarelo circulou meu antebraço, tomando todo o caminho até a minha coroa. Com ambos brilhando, duas runas se acenderam, e a porta começou a se abrir. 

De imediato, meus olhos cruzaram com o olhar esnobe do rei dez em seu trono. Bofo e Aluque, seus guardas fiéis, não conseguiam exatamente esconder sua sede de matar nesse momento. Miguel, no entanto, demonstrava um semblante imparcial, e pequenos cortes tomavam espaço no seu pescoço. 

O menino outrora cruel parecia tão… calmo?

Quando me abaixei para cumprimentar Alud, o rei rosnou:

— Se veio tentar ligar qualquer ação Ritualista a mim, estará perdendo tempo — Sua voz trazia um certo tom de deboche e risada.

Em passos lentos e com Fent na minha retaguarda, eu me aproximei. Bofo e Aluque tocaram em suas armas, sua confiança inabalável sumira como um estalar de dedos. Talvez ainda se lembrem da última vez. Mas com o poder deles atual, eu e Fent não venceríamos os quatro juntos. 

Podia ser doentio e antiético, mas o que quer que fosse o potencializador de poder do inimigo era incrível. Uma ciência avançada. Tornar a aura de alguém mais forte. Ao menos fugir era viável. Despencar por quinze andares não era exatamente uma forma ruim de lidar com isso. 

— Sabe, defendendo a última relíquia que pegamos, descobri que seus guardas tinham acesso a um… — ponderei por vários segundos. — item, essa era a palavra, que podia potencializar os poderes dos mesmos. Acredita nisso, Rei Alud? Até capturei alguns deles na batalha. Também vi esse item circular por aqui.

— Certamente deviam ser esses traidores. Não vejo porque ficar atrás de mim com assuntos tão insignificantes. Controlo todos os meus soldados, nunca cometi um erro sequer. Você sabe que sua presença aqui pode atrair a presença de um deles… — Alud sorriu de modo que me lembrou um monstro. — Ou você quer guerra entre reinos? Há tempos não ocorre uma. 

Sua aura estava se agitando, era pelo menos três vezes maior que a última vez. Meu coração acelerou, mas meu rosto permaneceu o mesmo após um sutil respirar. 

— Oh, o que mais eu faria se não fosse importuná-lo? — falei pegando lentamente um resto de papel no bolso. — Tenho provas suficientes para incriminá-lo. Para provar que você enviou essa ordem, para eles, de recuperar a tal relíquia até a morte. — Alud fez uma carranca. — Vamos, Alud, tire essa máscara descarada. Eu sempre soube disso. Tenho certeza que — Olhei para os guardas. — Bofo e Aluque também estão cientes — apontei para trás. —, assim como Fent. Quero resolver isso de uma forma pacífica, então se puder ao menos deixar de testar o item em Miguel-

— Você não entenderia — O rei ficou de pé, sua aura começando a me esmagar. Miguel cerrou os dentes ao olhar para o pai, e precisei impedir Fent de tomar a minha frente. — Ele não quer apenas desenvolver um item capaz de elevar a aura de qualquer humano ou monstro, menino Erofim, é muito mais nobre do que isso — Alud descia os degraus, seu poder cada vez mais perto de mim. Era um monstro, meus olhos foram a janela uma única vez. — Com o componente perfeito, entenderíamos melhor o universo!

— Você está sendo feito de cobaia, Alud! Você tem ideia do que é trair o rei um? Do que é trair Gilmour

— Eu mesmo sou fruto disso! — Mais aura foi liberada, mas seu tom diminuiu. — Eu sempre desejei ser mais poderoso. Ter cavaleiros reais me irritava, Lotier. Por isso não solicitei nenhum aos Sangue de Luz. Eles eram mais poderosos do que eu. Todo ser vivo tem um limite, um lugar onde é preciso aceitar a incapacidade de ficar mais poderoso, de se aproximar mais do plano mágico. Você nunca quis entender as escrituras antigas? Alcançar a magia de cura passiva ou até mesmo curar alguém próximo a morte? — Esse filho da puta, pensei, rangendo os dentes. — Tudo depende do quanto nos aproximamos da mana, Lotier Erofim. Eu o superei em poder, assim como Miguel venceu o Kai. 

Desviei o olhar, irritado, mas ele continuou. 

— O Kai — Alud perdeu seu sorriso e a loucura. — Preciso admitir que fez uma escolha excepcional. Quem diria que um Nulo se tornaria Fulgor em pouco mais de um ano. Meu maior arrependimento foi não ter conseguido a espada que o próprio menino perdeu. Soube que era uma arma peculiar. Por que querem ele morto? Nunca precisei saber. — Olhei para cima, eu e Alud estávamos cara a cara, nossas auras se enfrentando. — Gilmour não aparece a mais de um ano, pode ter morrido para um Laiky qualquer.

Alud cancelou seu poder, virando as costas para mim. Um ato para mostrar que não tem medo da força do inimigo. 

— Pode ir agora — disse ele, e logo se sentou em seu trono. — Um rei vir aqui sem aviso, sabe que um Sangue de Luz pode estar no castelo nesse momento. Você é novo para um rei, Lotier, não entende como as coisas funcionam ainda. 

 

Cada passo meu pelos largos corredores era mais veloz que o anterior. O país podia parecer mais tranquilo do que jamais estivera, mas os problemas se acumulavam em uma pequena bola de fogo capaz de virar uma imensa explosão. 

Era fato que Gilmour não aparecia há quase dois anos. Independente do que existisse na Fronteira que o mantivesse lá, ele deixou os nove reinos a mercê de nossa própria hierarquia. Nossa relação com os demais países se resumia a duas formas: comércio e rancor. Kaloar podia ser um apoio em conflitos futuros, mas Balnor não permitia nem a circulação de um Elderiano por lá. 

Além dos aventureiros relatarem dungeons perigosas e monstros estranhos circularem sem rumo por trilhas afastadas, tinham os Ritualistas. O pior, no entanto, foi descobrir que Grannus pertencia a um grupo de “encapuzados” e não aos de máscara. Se havia dois, então…

Não, nenhum Obscuro dá as caras há cinco anos. Eu podia não ser rei, mas lembro claramente do poder do chamado “Sangue”.

— Lot, levar essa questão aos Sangue de Luz-

Quando chegamos nas escadas prontas para disparar, uma voz feminina doce e árdua surgiu atrás de nós. Uma voz que eu conhecia. Não pude evitar que meus joelhos tremessem. Qualquer chance que eu tivesse de escapar, caso as coisas ficassem hostis, havia desaparecido. Fosse por poder ou autoridade, eu não podia vencer ela.

Lotier Erofim — Seu tom calmo, hostil. 

Rapidamente me virei, curvando até minha cabeça tocar o chão. Fent havia feito o mesmo que eu. Minhas mãos, por um instante, suaram. Se um Sangue de Luz estava aqui, eles sabiam da minha vinda para cá. 

Seu olhar feroz pisoteava minhas costas como um humano acabava com um formigueiro. Era a mulher que me fez rei, a pessoa que não me deixou morrer. Por mais que eu ainda me lembrasse de tais atos de “bondade”, era um erro estar na presença dela. Sempre fora. A força deles sempre foi a mais desconhecida. Talvez fosse necessário para governar o país.

— Sim, minha senhora — Uma gota de suor.

— Levante-se — Eu rapidamente me pus de pé, e o cintilar vermelho em seus olhos brancos cravaram-se em mim. — O encontro entre dois reis devia ser solicitado a um de nós. Se a lei não for seguida, há perigo, desordem. 

— Senhora Ae-

— Ensinei a você todos os princípios, costume, quão agir. Uma regra quebrada nunca nos escaparia. Escolheu um representante fraco, longe de todos os padrões que lhe ordenei. Um garoto cujo o passado o impediria de brilhar, um humano onde a magia optou ausentar-se. — Uma pausa, um tremor em mim. — Você expôs aptidão para a função. Tornou-se superior a qualquer concorrente. Entretanto, esqueceu o quão exíguo e substituível és perante nós. Ordeno que desfaça-se desta objeção por Alud e o proíbo de se aproximar do décimo reino de Elderer. 

— Minha senhora, Alud tem ligaçõe-

— Cale-se, rei. Não lhe dei permissão para contestar. Esta é a última vez que você ultrapassa a linha que impusemos — Aerin passou por mim. — Caso haja uma ação posterior a essa, Lotier Erofim, eu hei de puni-lo.

Fent se pôs de pé, mas meus olhos permaneciam no chão. O mais alto escalão de Elderer inibiu o mínimo de esperança e chance que eu poderia ter. Um reino inteiro à mercê da corrupção, um grande terreno em potencial perda em uma provável guerra. Poder, político ou mágico, já não fazia diferença. Aerin impôs uma barreira na qual nem eu enxergava o fim. Fortes ventos vieram da escada espiral em que ela se foi, agitando meus cabelos, derrubando minha coroa.

Um baque, o metal tinindo, vibrando. 

Um olhar vago foi tudo o que pude entregar a Fent Slora, o foco não estava mais em questão. Aliados? Reuniões? Ser um rei novo me impedira de certos avanços, ainda me viam como um guerreiro. Ou como um simples menino talentoso

Um joelho no chão, minha mão sob a coroa. Muitos desejavam algo que agora, para mim, parecia sem valor; sem propósito. Até que um calor radiante surgiu próximo as minhas costelas.

E a Petrom não parava de brilhar.



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