Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 63: Mar de lembranças



Meu braço estava dormente a ponto de eu ter que segurá-lo com o outro. O fluxo de mana corria devagar pelos meus músculos, minha aura levava o poder puro até a palma da mão aberta. O suor era abundante em meu corpo, meus olhos até ardiam pelo excesso. Minutos se passaram conforme eu criava uma mini bola de fogo, até que ela começou a se afastar de mim. Diferente de apenas lançá-la e esperar, eu a sentia. Pude controlar seu rumo lento e constante conforme se distanciava cerca de dois centímetros da minha mão. A bola, de repente, se desfez, e suspirei como nunca, logo buscando o ar com pressa. 

 

Usar mana a distância era uma barreira que me impedia de evoluir. No primeiro dia com essa prática agonizante, eu simplesmente não compreendia como sentir o poder longe do meu corpo. Passei o dia inteiro buscando a teoria e forçando a prática, e a academia era um ótimo lugar para isso. Passar tanto tempo da posição de meditação com o braço para frente não era o ideal, mas, como sempre, não importava. O segundo dia de prática foi intenso e sem nenhum resultado aparente. Sempre que a bola de fogo se distanciava o mínimo de mim o contato ia embora. Foi um pouco vergonhoso lançar a bola de fogo para longe e torcer para que ela explodisse, sendo que, no mínimo, eu deveria instruí-la antes de lançá-la. 

 

— Quanto tempo demoram a dominar isso? — falei, bebendo toda a água da garrafa em seguida. — Quero explodir coisas a distância. Quero sentir meu poder para expandir minhas técnicas. 

 

— Parabéns pelo avanço, mais rápido que o previsto — disse Alatar, seus braços cruzados. — Manter esse ritmo pode levar você ao objetivo desejado, apesar de não ser uma garantia. E certamente te ajudará a explorar suas habilidades. Um nível Fulgor precisaria praticar por meses para ter um ataque mediano, depende da afinidade com o elemento e com a prática de atacar de longe, alguns até têm um talento natural para isso. 

 

— Como você?

 

— Ser um cavaleiro Real tem certas exigências, mas sim, como eu. 

 

Alatar se virou e caminhou até o tatame onde João treinava. Pude ver o fluxo de mana através das largas costas do cavaleiro Real, incrivelmente fluido, perfeito. Mesmo que esteja longe de qualquer batalha, apenas por ser ele, a magia circula sem o menor desperdício. Como conseguir fazer isso sem se concentrar? Não era atoa que o vigor dele contra Letholdus e as criaturas era surreal, o que me levou a pensar como deve ser estar na presença de um nível Caos. 

 

Aria veio andando devagar com as mãos nas costas e sentou ao meu lado enquanto cantarolava. Seus olhos pareciam felizes quando me encontraram, e logo seus lábios se curvaram em um simples sorriso. Seu cabelo loiro escuro caiu ao lado de seus olhos, e ela disse: 

 

— Como aconteceu entre você e Ellie? — Minha bochecha corou por um momento ao lembrar de certas cenas, mas logo relaxei. Ninguém viu. — Você era baixinho e magro quando salvei você do Zelforne e agora está um gatão. Estou orgulhosa, mas quero saber como aquele menino teve coragem de falar com ela.

 

— Na verdade, ela teve a iniciativa. Eu nunca teria tido coragem antes. Ela simplesmente quis me acompanhar na chuva quando seu guarda-chuva quebrou — comentei, e Aria parecia curiosa quando se inclinou para perto. — Depois disso, ela resolveu me treinar e… — Mordi o lábio inferior, e Aria tampou a boca com as mãos, seus olhos levemente arregalados. — O que você pretende fazer com o grupo?

 

— Nós — ela sussurrou em meu ouvido. — talvez façamos missões para o próprio Alatar. — Aria se afastou, e eu alternei meu olhar entre ela e ele. — Mas só eu e João sabemos disso, então — Ela colocou o indicador nos lábios. — xiu. 

 

Senti o mínimo de uma vontade de rir me alcançar, mas um baque chamou minha atenção. Sander levou um golpe de Alice e voou até os barris com espadas de madeira. Seus cabelos ruivos tamparam seus olhos, ele pareceu desacordado por um momento. Alice trouxe seu olhar afiado ao meu, e eu rapidamente desviei o olhar para Aria, sentindo o suor descer em minha testa. Aria me olhou confusa, mas eu logo falei:

 

— Eu só vim para praticar o controle de mana. Não lembra do que houve a última vez?

 

— Você está mais forte! — sussurrou ela. — Eu adoraria ver alguém vencer ela… Sabe, ela ganha de todo mundo do grupo.  

 

Aria e eu arregalamos os olhos juntos e falamos em uníssono: 

 

— E Ellie?

 

Chamas e mais chamas apareceram nas pernas de João, cada célula de seu corpo demonstrava imensa concentração para manter todo o poder. Manipulando o ar nos braços e o fogo nas pernas, João conseguia sair do chão por alguns segundos. Ele explorava cada combinação possível com sua magia, com suas técnicas. Mesmo quando outras pessoas usavam suas magias ao redor, João se manteve concentrado. Ainda me impressionava ver ele evoluir.

 

Kashi, de repente, sentou ao meu lado. Suas sobrancelhas cerradas, seus braços cruzados. Sua mana estava agitada, criando uma leve camada de calor ao redor de seu corpo. 

 

— O que… houve? — perguntou Aria atrás de mim.

 

— A Áki melhorou muito com as flechas — respondeu ela, feroz. — Como treinar com Cacele, uma coletora, deixou ela tão sagaz nos tiros!? — Seus olhos amarelos se focaram nos meus.

 

Mas meu coração já havia parado, e um mar de lembranças foi solto com força em minha mente. Eu não conseguia respirar, não conseguia me mexer. Elas conversavam bem ao meu lado, mas as vozes eram abafadas. A falta de ar começou a fazer efeito, todos os sentimentos queriam agir ao mesmo tempo. Minha respiração voltou pesada, minhas mãos formigavam.

 

O olhar dela de desgosto.

 

Fiquei em pé, desesperado por mais ar. Um frio imenso na barriga, coração batendo mais rápido do que devia.

 

Cirlan perdendo o braço por mim.

 

Muitos sons, muitas situações.

 

Grannus em minha frente.

 

— … está bem? — Alatar dissera, todos olhavam para mim.

 

O formigamento nas mãos diminuía conforme eu o olhava, e as batidas do meu coração pareciam mais lentas. Ainda era difícil respirar, mas ver os rostos deles, de certo modo, me tirava da pressão sufocante que era pensar. Aos poucos, minha respiração voltava, e meus olhos pareciam tão pesados como nunca. Um cansaço longo e incomum percorreu todo meu corpo quando a crise passou, deixando minhas pernas bambas, meus braços moles.

 

— Sim, só me sinto exausto pelos dias. — Não, não estava, e os olhares duvidosos diziam isso. — Eu estou bem.

 

— Está dispensado, mas procure manter o treino diariamente — Ele puxou o ar. — Sem exagerar. Sei que quer avançar rápido, mas não adianta ter um ótimo físico e um ótimo controle sobre a magia se seu psicológico estiver ruim.

 

— Tudo bem. Obrigado por toda a instrução — falei, meus cabelos quase secos caíram sobre meus olhos. 

 

Com as mãos na porta, forçando-me a imaginar como seria encontrar Hiroki a noite, eu virei para Kashi.

 

— Kashi, Cacele está no reino sete?

 

— Não, isso foi no reino dez, segundo Áki — disse ela, seus olhos preocupados como os de Aria e João.

 

Eu senti um grande alívio ao ver o céu aberto e receber uma brisa de ar no peito. 



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Passei o pente no cabelo, jogando-o para trás. Ajeitei as mangas do terno, apertei os botões e vesti a gravata vermelha. A vestimenta parecia comum o suficiente para adentrar no condomínio de Hiroki, eu desejava que fosse o suficiente. O céu fora coberto de nuvens escuras, e as cidades preenchidas com ventos. Algumas lamparinas se apagaram, as pessoas corriam para suas casas. Eu fechei as janelas, e todo o som havia ido.

 

Só havia silêncio. 

 

Por que eu me sentia incomodado com ele?

 

Spectro meditava no centro do quarto, seus olhos foram fechados há mais de três horas. Talvez fosse melhor deixá-lo em casa, incomodá-lo agora o tiraria do estado de meditação. Antes de ir à porta, no entanto, cruzei com meu próprio olhar no espelho. Uma dor atingiu meu peito com o quão cansado meu rosto parecia. Uma derrota emocional, um cansaço físico. Olhos exaustos, uma mecha de cabelo perto do nariz, ombros baixos… Tristeza e medo. Criei um falso sorriso em meu rosto e ajeitei a postura.

 

Eu não tinha tempo para me remoer com coisas do passado. Droga, eu não podia.

 

A cada degrau que eu descia era como se o silêncio da casa vazia me atingisse no estômago. Sem Emy correndo, sem Kanro e Amice na sala. Eu me sentia sozinho, perdido. Continuei a descer, mas quando errei o degrau, foi como se tudo tivesse mudado.

 

Eu estava em uma floresta, meu corpo pequeno, sem magia. Meu líder estava de frente para uma enorme criatura branca, sangue jorrava de seu braço arrancado pela rajada vermelha do ser. Seu olhar, sua última tarefa para mim. Correr. Meu corpo, sozinho, começou a se mover. Senti-me gritar, senti-me chorar. Mas nada mudava isso. Nada mudava o fato de eu sentir culpa. 

 

Voltei à escada, minha perna tremia pelo esforço para não cair. Apoiei a mão na parede, minha respiração se desregulou, meu coração não parava de acelerar.

 

Novamente me vi em outro lugar. Cacele me olhava com desgosto, com remorso. Cirlan estava deitado no hospital, Kaled me culpava por tudo o que aconteceu. Flashes de lembrança vieram à tona sem parar enquanto Kaled falava. O goblin que matou várias pessoas, Amanda me pedindo para encontrar Sairon, o minotauro em minha frente, os pilotos mortos por Emeru que buscava apenas a mim… 

 

— Por favor — gritei, chorando. — Você está certo, a culpa é minha. Para, por favor.

 

Virei-me para correr de volta ao quarto, minha visão embaçada, mas tropecei. Porém um corpo mágico me segurou.

 

— Respira, calma! Está tudo bem — Ele me segurou, medo habitava em sua voz. — Calma!

 

Alguns minutos se passaram antes que eu pudesse me acalmar. Aos poucos, minha respiração voltou e me sentei na escada. Spectro nos fez respirar juntos, e isso me ajudou muito. Meus olhos pesaram novamente, e ficamos um tempo quietos. Um tempo que eu não conseguiria falar nada. Eu não queria, eu não precisava. 

 

— Obrigado — falei, minha voz exausta. 

 

Ter o Spectro nesse momento foi reconfortante, pois se ele não estivesse…

 

— Você precisa encontrar Hiroki — Spectro disse baixo. — Eu vou continuar treinando aqui...

 

— Certo.

 

Nós tocamos os punhos, e cada um tomou seu rumo.



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O muro do condomínio era extenso, englobava praticamente todo o comércio da praça. Precisei andar uma quadra para chegar na entrada. No portão havia uma guarda grande e robusta, seu olhar esmagador, louco. Ela segurava uma lança de metal simples e usava partes de uma armadura de metal. Me aproximei, e ela ergueu a sobrancelha.

 

— Eu vim ver Hiroki.

 

— Senhor Kai, seja bem-vindo — respondeu ela, sua voz grossa.

 

Todas as casas eram grandes, com cerca de três andares, e tinham um enorme quintal coberto de grama e arbustos frutíferos nas bordas. A rua era completamente limpa, com chão de paralelepípedo acinzentado, e todas as lamparinas eram de uma magia amarela, com mais luxo do que qualquer outro lugar da cidade. A academia de Hiroki era um pouco maior do que as demais casas e estava aberta mesmo com toda a ventania. 

 

Quando entrei, me deparei com uma sala pouco espaçosa, com cerca de três poltronas marrons e uma mesa de vidro com alguns livros. Logo depois dela havia um enorme espaço com tatame azul por todo o chão, sacos de pancada pendurados espalhados pelos cantos, armas de ferro penduradas e organizadas em estruturas de madeira para rápido acesso e várias luzes de mana pelo teto. Três pessoas trocavam golpes simultaneamente, mas pararam quando eu cheguei. O maior deles devia ter mais de dois metros de altura, enquanto os outros dois eram um pouco mais altos do que eu. Com um sorriso malicioso, o grandão deu um passo à frente, aplaudindo. 

 

— O representante que pagou para chegar onde chegou. Tem meus parabéns.

 

— É impossível um sem magia alcançar posto de representante. Quanto você pagou para Lotier te aceitar? Eu soube que ele veio de uma fazenda — disse um dos de trás, ele e os outros começaram a gargalhar, e o grandão chegava cada vez mais perto de mim…

 

Com cada vez mais mana nos braços.

 

— Foi esforço — Minha paciência… — Não paguei a ninguém.

 

— Esforço? — disse o maior. — Chegou onde nem nós fomos capazes de chegar com magia e os melhores treinos? Seja sincero consigo mesmo, seu inútil.

 

Meu punho se cerrou, e ele ficou sério. 

 

— Você sabe dar um soco, sem magia? — Ele aproximou o rosto de mim, dobrando os joelhos e indicando com o indicador para eu bater. — Sabe como fazer?

 

Esse desgraçado. Esse desgraçado.

 

Minha pressão de aura mal saiu do meu corpo quando foi esmagada pela pressão deles três. Suspirei, dando meia volta, meu coração já acelerado.

 

— Isso, vai embora — disse um dos homens atrás dele. — Seu covarde!

 

Parei por um instante, meus olhos concentrados em nada. Cerrei os punhos até as unhas tirarem sangue da minha palma, minha mandíbula doía de tanto apertar. Um soco seria o suficiente para acabar com essa filho da pu-

 

Calma, Lumi. Brigar agora pode acabar com sua relação com Kanro, Ellie e a reputação de Lotier. Porra, fique na sua! 

 

Um leve sorriso escapou de meus lábios, pois sentir ódio, por um curto segundo, me livrou de toda a dor. Um sentimento que podia me livrar dos flashes de lembranças se eu investisse.

 

Virei o corredor para voltar a sala na entrada, mas Hiroki apareceu, e minha raiva foi tomada por um sentimento de ameaça. Meus olhos se arregalaram por um instante, tentando assimilar a mudança de sentimentos. Seus olhos vermelhos eram tranquilos quando me encontraram, e pude sentir uma estranha pressão vinda dele. Não como se ele quisesse me mostrar seu poder, mas apenas por ser ele, por ter tanto poder que mesmo eu não querendo sentir eu podia perceber. Isso explicava como Ellie usava a magia tão bem, o fluxo mágico dele era perfeito. Eu arriscaria dizer ser melhor do que do próprio Alatar. Uma maestria na circulação, uma magia tão bonita de se ver… Mas ao mesmo tempo afiada e feroz como fogo. Uma admiração — e um certo medo — nasceu em mim, e eu rapidamente me curvei. Eu comecei a suar? 

 

Qual era o nível desse cara?

 

— Seja bem-vindo, filho de Kanro — disse ele calmamente, olhando-me de cima. — Gostaria de conhecê-lo um pouco. Me acompanhe em uma volta.

 

— Seria uma honra — respondi, levantando-me devagar.

 

Hiroki Higasa andava em minha frente com as mãos nas costas como um militar, seus passos mal faziam barulho. Nós saímos do corredor próximo a entrada. Ao lado esquerdo, a parede continuou com portas de madeira intervaladas, enquanto no lado direito um lindo jardim pôde ser visto. Algumas árvores em pleno céu aberto, flores vermelhas acompanhando as trilhas de pedra e madeira, um lindo chafariz de dois andares no meio… e tudo que nos separava era um corrimão de uma madeira clara e poucas barras de metal.

 

— Este é o centro da Academia — disse ele calmamente. — Você também aprecia a paisagem?

 

— Sim… desde minha casa na fazenda de Karin — falei, meus olhos no lugar.

 

— Gosto de manter a natureza próxima. Principalmente em uma cidade como esta. Você é um Sombra, certo? No seu registro constava avaliação de Alud Enguerrand. Pela sua luta contra o Príncipe Miguel, atualmente Dilúculo, eu creio que você precise urgentemente realizar outro exame. 

 

Eu realmente nunca pensei no meu nível atual depois daquela avaliação.

 

— Sim, senhor. Certamente farei — ponderei por alguns segundos, mas logo continuei. — Eu encontrei três dos seus alunos na sala... Eu pensei que as suas academias estavam cheias.

 

— Oh, aqueles três foram os que atenderam minhas expectativas. Meus critérios de avaliação de entrar são mais rigorosos que os da concorrência, então o número de alunos é exponencialmente menor. Ellie, minha filha, é uma das minhas melhores alunas. A mais próxima do meu estilo de luta e poder. Até mesmo aqueles três têm dificuldades em vencer ela. 

 

— Ela deve ser incrível — Eu sabia que era. 

 

— Creio que não venceria se a enfrentasse, representante de Lotier.

 

Eu pensava o mesmo.

 

— Quais são os seus planos com o meu pai, senhor Hiroki?

 

— Eu pretendo tornar Kanro Kai um dos meus seguranças pessoais em não tanto tempo, uma função que certamente o deixará mais próximo dos reis — Seus olhos vermelhos encontraram os meus. — Mas para assumir tal posição eu preciso conhecer a família dele antes, e gostaria de ter falado com você há muito tempo atrás. O que me deixou com algumas dúvidas sobre você. — Ele pausou, seu ar tranquilo desaparecia. — Onde você esteve antes de aparecer como representante?

 

— Próximo a fronteira da cidade de Etin. Na Floresta dos Condenados. Eu estava treinando com o intuito de derrotar Miguel em combate.

 

— Então você já estaria lá. E pensar que Lotier deixou o mundo em um estado de ansiedade. Eu me lembro de ter lido sobre você enquanto estive em Karin — respondeu ele, logo parou para apreciar o jardim. — Um Sem Magia que ficou de frente para o minotauro, famoso apenas por não ter fugido como todos os outros. De início, queria minha filha longe dessa pessoa. Pobre, fraco. Um camponês perto dela me traria uma péssima reputação.

 

Meus punhos se fecharam, mas o medo me impedia de olhar diretamente nos olhos dele de novo. A pressão da aura me fazia apertar a mandíbula.

 

— Está nervoso, não o julgo por não saber esconder as emoções. Sempre me questionei o que Cirlan via em você — Meus olhos fixaram-se no nada, minha pupila cada vez menor. — Fiquei surpreso com o tamanho avanço que você teve. Quem pensaria que o Lâmina de Fogo, herói de Etin, fosse o Sem Magia? Questionável, não é mesmo? — Seu tom áspero quando voltou os olhos para mim. — Você não subornou ninguém, não é? Se envolveu com uma espécie de magia diferente do seu mundo?

 

— Não! — falei mais alto do que queria, ainda sem o olhar. — Foi tudo através dos meus esforços — Olhei para ele, sua pressão me fazia tremer. — Cada dia de treino árduo desde antes até aqui foi mérito meu! Você não pode dizer o contrário-

 

— Ninguém avança tão rápido assim! — Sua aura veio como uma onda, e ficou difícil me manter de pé. O mínimo de brilho atingiu seus olhos vermelhos quando ele estufou o peito e se aproximou de mim. 

 

Minha própria pressão de aura nem conseguia se formar perto dele.

 

— Avancei por esforço e não pararei! 

 

De repente, a aura dele começou a diminuir, e eu notei que as árvores de todo o jardim balançavam com força. Várias flores haviam voado, até a água do chafariz havia sumido. Demorou mais de um minuto até que o clima retomasse a tranquilidade de antes, e alguns empregados apareceram para limpar a bagunça. Hiroki colocou as mãos para trás novamente e virou de costas.

 

— Venha treinar em minha academia algum dia, eu mesmo irei verificar sua força — Ele tomou seu rumo. Sua voz estava mais tranquila, mas ao mesmo tempo se tornou tão afiada como antes. — Eu odeio ser desapontado. Preciso sair agora, fique a vontade para explorar o lugar.

 

Não. E se ele…

 

— É o Miguel — Ele parou. — Ele é o usuário de magia corrompida. 

 

— É uma acusação séria, Lumi Kai.

 

Foi tudo que ele disse antes de partir. Meus joelhos foram ao chão, e eu me deixei um fraco sorriso aparecer em meu rosto por ter resistido tanto tempo.

 

 

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O vento açoitava minhas costas, as ruas nesta hora da noite estavam praticamente vazias. Era explícito para mim a semelhança entre o cenário atual e o de quando Grannus quase me matou. As lembranças estavam me destruindo, a missão de Lotier estava próxima. O rei não conseguira recuperar o contato, e eu temia mais do que tudo o motivo de ter sido cortado. Eles podiam estar esperando um resgate, dezenas de pessoas dependiam de mim e de um grupo que eu lideraria. Não me sentia pronto e nem apto para isso, e as emoções viraram um empecilho no meu dia a dia.

 

Talvez eu devesse reprimi-las para me focar. Se estavam atrapalhando, não serviam. 

 

O que aqueles dois pensariam? Desejei que estivessem bem…

 

— Lumi — Uma voz feminina, rapidamente me virei. — Está tudo bem?

 

Ela vinha em minha direção. Seu cabelo balançava com a ventania, seu vestido vermelho e corpete preto davam um destaque à beleza dela. 

 

Nos olhamos por poucos segundos, e Ellie me deu um rápido abraço.

 

— Você não parece muito melhor que a última vez — Seus olhos preocupados. 

 

Encarei-a por um momento, minha garganta quase impediu minhas palavras de saírem.

 

— Não sei se vou melhorar. 

 

Eu só queria deitar na cama e esquecer essa porra toda! 

 

O que eu estava pensando? Eu não podia desistir-

 

É melhor assim, você é um lixo!

 

— Como — falei um pouco mais alto que o desejado. — você mantém seu foco assim? 

 

O queixo de Ellie levemente baixou e ela desviou o olhar, um leve ar de tristeza apareceu em seu rosto quando ela, com a voz fraca, disse:

 

— Eu disse a você que queria ficar forte para ver alguém.

 

O silêncio de alguns segundos pareceram vários minutos ouvindo o uivar dos ventos. O olhar dela me encontrou, e desta vez estavam mais sérios do que eu jamais vira antes. 

 

— Eu também perco o foco. Meu objetivo, por muitas vezes, parece impossível. Inalcançável, como se quanto mais eu avançasse mais distante eu estaria — Um olhar frustrado em seu rosto, um leve lacrimejar que rapidamente desapareceu. — Essa alguém é a minha irmã, Lumi, uma aurora que batalha na Fronteira do Reino Um. 

 

Meus olhos se arregalaram, meu queixo simplesmente caiu, e todo o som ao nosso redor se tornou inútil quando ela continuou a falar.

 

— Eu torço todos os dias para que ela ainda esteja viva. Porque nem isso eu tenho certeza mais… — Ela olhou para baixo, depois para o lado, mas logo olhou para mim. — Então, Lumi Kai, eu também posso me perder. Eu não posso evitar o medo e a angústia, ninguém pode — Meu coração acelerou quando nos encaramos. — Só aprendi cedo demais como lidar com isso. Não sou perfeita como você me vê… — Sinceridade em seus olhos. — E, às vezes, eu só desejo que tudo volte a ser como era antes.  

 

Depois disso, nada mais foi dito. Nós apreciamos a companhia um do outro sob o vento forte e a lua cheia. 




















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