Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 62: Lágrimas de orvalho

 



Uma mão ao lado da cintura ao punho cerrado, e a outra esticada para frente com a palma aberta. Os olhos azuis pareciam os de uma águia, seu foco na ponta da flecha apontada para a minha barriga. Uma brisa fraca nos atingiu, e a terra entre nós circulou como um mini tornado. Um peso sob minhas pálpebras surgiu quando direcionei mana para o meu rosto. Meus olhos brilharam, e eu passei a ver cada ponto onde Áki concentrava sua mana. Havia uma quantidade excepcional nos cotovelos e o mínimo nos dedos. Ela me deu uma piscadela junto a um sorriso de canto, e Gerould se distanciou devagar com passos para trás.

 

— Eu soube que ela quase nunca erra. É melhor você se cuidar.

 

— Não entendi o “quase” em sua frase — Ela dobrou de leve as pernas, a mana correu para seus braços, para o arco e para a flecha de madeira. 

 

Lentamente ela puxou a corda enquanto respirava. Quando ela soltou, no entanto, a flecha desapareceu da minha vista por quase um segundo. Rápida a ponto de criar um mar de poeira. Ela chegou em minha frente antes de eu cogitar desviar. Dobrei minha coluna para a direita, o que trouxe uma leve dor para minha lombar. 

 

Veloz demais para eu acompanhar. Áki era forte, um descuido meu e fim de combate. Foque-se, Lumi!

 

Antes de eu me recompor, outra flecha fora carregada de energia e lançada contra mim. Como movia a mana tão veloz? E para um objeto a distância? Se eu pudesse fazer isso com o fogo sem ser daquela maneira mal-amanhado…

 

A flecha com a ponta quadrada tentou adentrar em meu estômago, fazendo-me vomitar um bocado de saliva enquanto meus pés deslizavam para trás. Rangendo os dentes, olhei para o próximo disparo. Desviei com uma rápida cambalhota para a esquerda enquanto me cobria inteiramente com mana. Mas o desperdício era surreal, porra! Como você luta assim, seu merda? 

 

Áki sorriu maliciosamente e mirou para cima cinco flechas carregadas de poder. Como ela carregou mana tão rápido em cinco objetos!? Quando as flechas atingiram uma certa altura, todas elas brilharam em azul, multiplicando-se em dois. As cincos flechas mágicas se tornaram dez e vieram — em uma rota aleatória — para a minha direção. Cerrei os punhos a ponto de minhas unhas perfurarem um pouco das minhas palmas, até que, quando me preparei para desviar, senti outro ataque se aproximar. 

 

Meu coração já ardia em raiva por estar tendo dificuldades nesta luta.

 

As flechas vinham lentamente, meu mundo estava mais devagar. Eu via claramente o brilho azul de cada flecha, eu podia vislumbrar o mínimo a frente de para onde elas estavam indo. Quando me inclinei automaticamente para trás, um braço de madeira passou rente ao meu rosto, seu punho cerrado coberto de magia. 

 

Segurei o braço do maldito e coloquei o invasor em minha frente, e duas flechas mágicas destruíram a barriga dele. Consegui girar no ar, e quatro delas passaram por mim. Meus pés mal tocavam o chão e fui recebido pelas últimas quatro. A dor foi imensa, fui ao chão como um saco de batata, e lágrimas alcançaram os meus olhos. Se era por ódio ou tristeza, eu não sabia dizer. Ataz aplaudiu, enquanto Gerould se mostrou confuso. Ao me levantar, vi mais oito dos de madeira vindo lentamente. 

 

Então a espada era para isso… Com minha concentração cada vez maior no duelo, o medo e a raiva se tornavam mais distante dos meus pensamentos. Sinceramente, eu deixei a vontade de lutar correr pelo meu corpo. Nem que fosse por alguns minutos, nem que fosse por alguns segundos longe de toda aquela dor…

 

Todos correram como condenados, e eu logo fui recebido por uma enxurrada de ataques. A cada soco e chute dado, eu grunhia. Desejava que todos eles caíssem e sofressem com poucos golpes, mas eram tão resistentes. Minhas mãos ficaram vermelhas conforme eu batia, minhas canelas estavam tomando um tom diferente de roxo. Como pude me esquecer? Gerould os cobrira com mana. Cercado por mais de dez deles, e apanhando mais do que queria, carreguei meus punhos com a mana e soquei o chão. Duas explosões de mana foram o suficiente para enviar todos para longe. 

 

Uma flecha passara rente aos meus olhos. 

 

— Seus reflexos são mais impressionantes quando vistos, sabia?

 

— Como funciona sua habilidade? — perguntei, admirado com os buracos no muro. 

 

— Te conto se vencer.

 

Mais de vinte bonecos de madeira chegaram, cada um com uma arma de madeira diferente do outro. Gerould, na frente de todos eles, exclamou para até as pessoas além dos muros ouvirem:

 

— Agora você cai! 

 

Oito passos lentos e cheguei em minha espada. Uma lâmina que eu acabara de pegar, meio curvada, útil. A katana tinha um certo poder que eu jamais saberia qual, mas e se eu pudesse tornar qualquer arma um problema para o meu adversário? Áki fez flechas de madeira se tornarem fortes. 

 

No meio da ventania, encarei com desgosto a lâmina cravada na terra. Foi como se o mundo estivesse em silêncio. Por um segundo, cenas do passado quase voltaram a minha cabeça. Onde eu vi pessoas morre-

 

Antes de perder o controle da respiração, eu voltei à luta.

 

Eles vieram ao mesmo tempo, cercando-me até uma roda ser criada. Desviei do primeiro com um mortal e o ataque na nuca, seu corpo frágil e agora sem mana caiu sobre o chão. Três vieram ao mesmo tempo, dois com lanças e um com duas espadas. Deixei uma risada escapar quando desviei dos três e, girando no ar, cortei suas cabeças. Gerould não protegera bem tantos. Girei-me para um corte giratório, para o alvo em minhas costas, e todo o mundo se tornou lento de novo. Uma gota de água vinha com calma, que de alguma forma me passava naturalidade, tocou o ponto entre meu bíceps e o meu tríceps. Logo voltei a velocidade normal e minha lâmina adentrara na cabeça no boneco. 

 

O fogo percorreu a espada, e a chuva logo começou. Para as chamas continuarem acesas, a mana drenada em mim se elevou para mais de vinte vezes o consumo. Mas quem se importava? Eu ia ficar puto se perdesse para eles de novo. Alguns minutos se passaram conforme eu atacava e bloqueava diversos ataques e lutava para desviar das flechas de poder de Áki. Cravei a espada no chão e a girei, criando um mini círculo de fogo. Os bonecos que tentaram entrar pararam de funcionar, o fogo os corroía. Muitos pontos a melhorar neste feitiço, eu devia acrescentar mais mana. O círculo se desfez em dez segundos. 

 

Abri mão da mana que protegia meu corpo para manter por mais tempo o fogo em minha espada. Trovões ecoaram no céu quando eu os massacrei, mas meu poder acabou. Largando a espada para longe, compensei com golpes físicos. Corri para próximo do muro e freei bruscamente. O primeiro que me alcançou tentou parar, mas meu braço atravessou seu corpo, explodindo-o para longe e derrubando os outros na fileira. Mana nos músculos. Fui recebido por uma dor agonizante e corri até minha espada novamente. Meus olhos não se atreviam nem a piscar.

 

Corri para o primeiro que veio, desviando da lança e pisando em seu peito, lançando-me para cima. Mirei meu indicador para os três restantes, e uma bola de chamas surgiu em meio a chuva. Enquanto eu caía, vi meu feitiço desaparecer antes de tocar o chão. Porém eu caí com duas explosões carregadas em meus braços. Dois bonecos tentaram se erguer, mas, de repente, pararam.

 

— Tudo bem… Você venceu — disse Gerould, seu olhar surpreso. 

 

— Ele está surpreso por ter esgotado todos os bonecos do castelo — disse Ataz, um tom zombeteiro. — E vai ter que pagar. 

 

— Vocês me ajudaram a extravasar… O suficiente.  

 

Áki se aproximou em uma corridinha.

 

— Obrigado pelo treino, Kai. Eu lembro de quando você era iniciante. 

 

— Eu agradeço e, bem… não queria ficar para trás. Eu preciso ir.

 

Dei um breve aceno para Gerould e Ataz, que acenaram de volta, e segui meu rumo. 

 

Quando busquei me focar em meus passos, ouvi Áki falar:

 

— Está tudo bem? — Senti minha garganta secar.

 

— Está. Só preciso ir — falei sem me virar para ela.

 

— Sabe que não está sozinho, certo?

 

— Sim — Minha voz falhara. — Eu sei.

 

Sem conseguir dizer mais nada, eu apenas andei, torcendo para o líquido em meus olhos ser apenas a chuva. 



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Enchi meu prato com camarões, dois caranguejos, três peixes, dois pedaços de carne, uva, melancia… A janta estava maior que o habitual, com mais variedades de proteína e uma porção de doce separada para a sobremesa. Os sabores, como sempre, me deixaram com mais apetite. Eu sabia que comer assim enquanto acompanhava Lotier era inapropriado, mas em casa eu não precisava parecer tão formal. Emy me olhava de vez em quando e, estranhamente, comia mais do que sua aparência poderia lhe entregar. Ela comentou diversas vezes sobre suas aventuras na escola, como era boa usando o seu elemento contra suas colegas, mas nunca disse qual era seu poder secreto. Durante o jantar, ela falou, animada, em como havia derrotado uma menina que ela não gostava com um soco próximo ao pescoço. Minha mãe e meu pai ficaram um tanto sem reação, mas a instruíram com calma para não fazer novamente.

 

— Filho, como está na escola? — perguntou Kanro, seus olhos na carne que cortava. — Soube que apareceu no ranking.

 

— Fiquei um pouco depois do tricentésimo. Melhor que a posição anterior.

 

— Eu tirei boas notas. He he.

 

— Muito bom, Emy — disse Amice com um sorriso no rosto. — Está na hora de escovar os dentes e ir dormir, certo? 

 

— Certo.

 

Emy levou seu prato até a pia e logo foi ao segundo andar. Quando a porta do banheiro foi fechada, Amice lançou seus olhos esverdeados em mim, e por algum motivo senti minhas mãos formigarem.

 

— Seu semblante estava tão abatido nos últimos dias. Eu sei que a escola, os treinos e os encontros com Lotier te desgastam, mas tem alguma coisa a mais te incomodando? Você parece muito pior hoje. Sou sua mãe, me dói te ver assim.

 

O silêncio se estendeu por pouco mais que trinta segundos, mas o ritmo que meu coração alcançou fez parecer uma eternidade. As palavras se enroscaram em minha garganta, nunca senti tamanha dificuldade a falar. Amice e Kanro me olhavam com uma certa calma, mas infelizmente eu não conseguia encará-los nos olhos.

 

Por que, Lumi? Era só mais uma missão.

 

— Eu vou ter a primeira missão como representante do rei. 

 

O rosto de minha mãe foi preenchido com uma preocupação abundante quando ela se virou para o meu pai.

 

— Como será essa sua missão?

 

— Eu… não posso dar detalhes. Me desculpa — respondi, ainda olhando para baixo. — Pode haver ataque de monstros, e eu vou com um grupo. Vai ficar tudo bem.

 

Para quem eu estava falando?

 

— Eu sempre senti orgulho de você. Você está confiante? Preparado? 

 

— Não me sinto apto para ir — baixei o olhar. — Mas sei que posso concluir se evitar conflitos.

 

— Você não precisa ir — disse Amice. 

 

— Pelo contrário, mãe. Eu escolhi representar o rei, ele depositou a confiança dele em mim. 

 

— Você está sempre correndo perigo — disse ela em um tom mais alto. — Desde que aquele minotauro se levantou, você tem me matado de preocupação com essa ideia de ficar mais forte. Como você acha que eu fico quando você fica meses longe só enviando cartas? — Ela colocou as mãos na mesa ao se levantar. — Você não precisa se esforçar tanto. 

 

— Eu preciso ficar mais forte, mãe! — exclamei, olhando diretamente nos olhos dela, que lentamente se enchiam de lágrimas.

 

— Mas não precisava ser assim! Toda vez voltando machucado, com cicatrizes. Você podia só treinar dentro do castelo… — Ela sentou após gritar e virou o rosto de braços cruzados. 

 

Como ela não me entendia!? Eu odiava os preocupar, mas… mas… Eu queria ficar mais forte para sobreviver, para nunca mais ter que preocupar ela! Eu também queria que fosse diferente, droga. Queria nunca ter visto aquele minotauro se levantar, queria só acordar e passar o dia com vocês sem me preocupar com mais nada…

 

Rangi os dentes e virei o rosto, meus lábios curvados para baixo enquanto as palavras secavam minha garganta.

 

— Lumi — disse Kanro em um tom calmo. — Eu gostaria que você tirasse um pouco do seu tempo para conhecer Hiroki Higasa — Minha boca levemente se abriu. — Ele pode ser um aliado importante para mim, mas o desejo dele é de conhecer toda minha família antes. Ele pode trazer benefícios para você, para a Emy… 

 

— Pessoas importantes quererem falar com o meu filho — disse Amice, antes de se levantar e ir em direção às escadas. — Com isso eu já me acostumei.

 

— Eu irei — Olhei para Kanro. — Apenas me diga quando.



A mana percorria o corpo do Spectro com mais fluidez do que eu podia, o desperdício, se comparado a antes, era nulo. Próximo ao goblin meditando havia um machado e duas adagas com vestígios de magia, a qual pude afirmar, com o Olhar da Aura, ser de fogo. Me joguei sobre a cama, meu corpo parecia duas vezes mais pesado. Eu nunca imaginei que conheceria o pai da Ellie em tais circunstâncias. Havia uma chance dele tenta me matar se descobrisse algo? 

 

Meu indicador cutucava a beira da cama conforme eu pensava. Os pensamentos mantinham o sono longe, eu me movia a cada três segundos para achar uma posição confortável para dormir. Me levantei com o corpo protestando sair da cama e sentei na janela, e o vento frio lançou meu cabelo para trás e afastou o calor do meu peito. 

 

— Lumi — Spectro disse, seu tom afiado. — Precisamos meditar.

 

— Você tem demonstrado um interesse surreal nisso. Por que de repente? Faça sozinho — retruquei, e os olhos de Spectro pareciam furiosos como… como o goblin que eu matara.

 

— Nós quase morremos toda vez que encaramos alguém forte. Não podemos sequer cogitar a possibilidade de continuar lutando, ou não ficar dias em coma e levar semanas para se recuperar totalmente — Spectro se aproximou, e nos encaramos. 

 

— E o que você espera da meditação? Que vamos simplesmente ficar fortes por estar explorando a mana!? — falei, meu tom cada vez mais alto. — Não vamos! Não vamos ser fortes como Alatar, não temos talento como Bruno e Ellie. Eu não acredito que vamos ser mais que soldados se uma guerra acontecer! 

 

— Você quase morreu para Emeru! — gritou Spectro. — Letholdus acabaria com a gente sem dificuldade. Talvez nem precisasse lutar, só uma das criaturas nos derrotaria. E esse tal de Grannus espancou você como se não fosse nada. O que espera fazer se esbarrarmos com eles de novo? — Rangi os dentes, meus olhos arregalados. — Me diga o que você pretende fazer!? — Desviei o olhar em busca de uma resposta. — Me responda, droga. Toda noite você sonha com esse “Laiky”, que ele está matando sua família. Acha que eu não ouço!? — Spectro suspirou, e eu nunca senti meu peito tão pesado.  

 

Minha respiração se tornara irregular, até que ele continuou:

 

— Eu quero descobrir de onde eu vim — Um sussurro. — Eu sentia minhas memórias naquela pedra, sentia que podia ter uma família… — O olhar dele baixou, mas logo veio a mim. — Mas eu dependo de você para isso. Dependo do quão mais forte você- nós podemos ficar. 

 

O encarei por um momento, mas eu não tinha forças para dizer mais nada. Deixando a tristeza correr pelo meu corpo, sentei no meio do quarto, e Spectro se sentou de costas para mim. Levei mana aos meus olhos e vislumbrei nosso laço mágico. 

 

— Eu posso sentir quando você o ativa. Eu enxergo essa mana verde agora… É tão caótica.

 

— É com isso que iremos lidar hoje.

 

Senti-me como no epicentro de uma tempestade, onde raios, trovões e ventos tentavam me derrubar. Cada passo mais próximo da energia verde era como ter meu peso do corpo multiplicado. Tentei me aproximar, mas os ventos se tornaram mais fortes do que minha aura e meus pés começaram a deslizar. A mana passava uma vibe calma, tranquila, completamente o oposto de seu exterior.

 

Até que eu voei para cima da mesa e Spectro quebrou o guarda-roupa. 

 

— Não consegui me aproximar.

 

— Tentei acompanhar, mas não consegui chegar tão perto como você.

 

Depois de responder a Kanro na porta que estava tudo bem, voltamos a praticar.

 

Falha atrás de falha. Era impossível alcançar tamanho poder em minha aura, mas toda maldita vez que éramos arremessados longe eu tinha uma maior clareza da situação. Spectro vinha comigo, ele conseguia avançar para a aura esverdeada. O interior era calmo, então talvez o obstáculo não fosse a incompatibilidade. Um teste. Para acessar o poder da pedra verde precisei tentar diversas vezes perfurá-la com a katana de meu pai. Talvez fosse algo parecido agora. De frente para a tempestade que protegia aquele poder, eu senti que podia alcançá-lo. Podia, de alguma forma, tocá-lo. Um estranho sentimento de euforia me atingiu quando fiquei de pé…

 

Fazendo-me ver que a ideia de chegar lá era cada vez mais real. 






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