Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 58: Sob a chuva

 



O dia seguinte foi mais exaustivo. Estudei até meia noite do dia anterior e acordei cinco horas da manhã para estudar antes das aulas. O dia inteiro tentei manter o foco, meu corpo físico se recusava a me acompanhar, nem mesmo meus olhos queriam olhar para o quadro recheados de frases que iam além da minha compreensão. No almoço, pedi para Bruno abrir minha mente nas partes mais difíceis do conteúdo; que, no caso, foram todas. Spectro manteve o suspense quando perguntei sobre o treino que estava tendo com o meu pai e resolveu estudar comigo. Nós dois quebramos a cabeça. Nas noites — entre duas e três horas da manhã —, eu e o goblin meditamos para melhorar o fluxo de aura em nós mesmos e em nosso laço. 

 

Dormir de duas a três horas por dia não era o ideal, mas me ajudou a compreender como entrar no ritmo da Academia. Em quatro dias, uma olheira bem grande havia nascido debaixo de meus olhos, e eu estava parcialmente mais magro. Um pouco decepcionante, eu curtia ver meus músculos se desenvolverem. Como absorver a matéria do trimestre — e a dos outros — era impossível, eu separei as anotações entre o que eu mais usaria nas provas e as mais prováveis de eu praticar em combate. Meu conhecimento sobre como a aura interagia com a magia, a mana, era raso. Eu movia o poder pelo meu corpo e o fazia queimar, a compreensão do que eu realmente fazia ia além disso. Por isso, manter a espada queimando consumia mais do que eu aguentava.

 

Eu precisava reforçar o básico para ficar mais forte.

 

O Olhar da Aura era uma cartada na manga que eu tinha. Pouco gasto, ver além do físico. Pelas vezes que vi alunos no pátio usarem vestígios de suas magias, percebi que havia uma movimentação de suas auras, mas era incapaz de ver com exata precisão como esse processo funcionava. O Olhar servia mais para localizar do que mostrar o que os outros pretendiam fazer. 

 

Mas e se eu melhorasse ele?

 

A lista de habilidades que eu queria melhorar crescia cada vez mais. Cobrir o corpo com mais eficácia, não me queimar quando usasse o fogo. A luta com Miguel deixou claro que se eu continuasse iria perder. Causei danos neles, sim, porém também causei em mim e nos meus músculos. Uma ideia, um pensamento rápido. Eu e ele éramos ligados. 

 

Spectro recebia minha magia diretamente, então…

 

Ele também podia acessar o fogo? Com conhecimento eu poderia criar feitiços novos em batalha? E manipular outros elementos? Eu posso ver todos com o Olhar.

 

Respirando fundo e deixando um bocejar escapar, eu admiti para mim mesmo que estudar era difícil. Os livros me deixaram reflexivo demais.



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Resmunguei ao ter que levantar da cama mais uma manhã. Minha mochila pesava mais que na semana passada. Isso era exaustão mental? Usar um dos dormitórios da Academia se tornava uma opção mais forte a cada dia, trinta minutos de sono a mais… Deixei Emy na escola dela e fui em direção a minha, meus pés se arrastavam no chão e meus braços mal se mexiam conforme eu andava. Os alunos entravam conversando, animados, pelo grande portão principal. Infelizmente eu dormi parte da primeira aula de escrita e perdi a oportunidade de ganhar um décimo a mais na prova. Na teoria da política dos reinos e relação com o exterior eu bebi cerca de meio litro de café. Era uma matéria que, como representante, me ajudaria muito. 

 

Diplomacia era muito complicado. Os países afora odiavam a aliança dos dez reinos, fosse por não poderem participar ou terem perdido em conflitos anteriores. Eu achei que estava acompanhando o ritmo, mas depois do almoço eu sentei na cadeira da sala e fui derrotado pelo sono de novo; além de ter ficado com dúvidas em todas as matérias da tarde.

 

Dúvida seria quando eu entendi o conteúdo e precisava que o professor esclarecesse algo, mas eu sequer sabia do que ele estava falando.

 

Novamente fiquei na sala depois do horário copiando o conteúdo e — após implorar — tirando dúvidas com o professor. Depois de pouco mais de duas horas, eu fiquei sozinho na sala, e o silêncio do período noturno rapidamente me alcançou. A maioria dos alunos que ficavam até tarde faziam atividades nos outros prédios, enquanto o daqui parecia ser habitado por fantasmas. Basicamente me arrastando sobre o chão, eu saí da sala e virei à esquerda do corredor, onde não havia janelas; apenas um corrimão inteiramente de pedra com espaços intervalados. A lua minguante estava ótima na fissura entre as nuvens escuras. Até que eu virei outro corredor e esbarrei em alguém.

 

Nossos livros foram ao chão.

 

Nos abaixamos para pegar juntos, e os olhos esverdeados fixaram-se em mim.

 

— Novato e já entretido após o horário? — A voz de Ellie nunca fora tão suave. — Você parece cansado.

 

— Um pouco — falei enquanto nos levantávamos. — Digo, um pouco cansado. Eu não tinha entendido direito a matéria e — pausei. — O que estou dizendo. Está muito difícil me adaptar a tudo.

 

— Você está com olheiras — Ela levou suas mãos ao meu rosto e passou o polegar debaixo dos meus olhos. — Parece que se esforçar além do limite não está só na sua forma de lutar.

 

Dando-lhe uma risada boba, eu respondi:

 

— Eu sei que vou colher os frutos disso futuramente. Agora sobre você. Estuda aqui?

 

— Algumas aulas, meu pai conseguiu que eu ficasse em apenas conteúdos específicos — Grande Hiroki. — Imaginei que fosse te ver nos duelos da academia, ou levantando peso. 

 

— Não vou treinar meu físico tão cedo — pensei em meu estado magro e pele mais clara que o comum. — Mestra, — respirei fundo, e ela arqueou a sobrancelha. — preciso ter mais mana. Como posso expandir os limites da minha aura?

 

Ela pareceu pensativa por uns instantes, mas logo respondeu:

 

— Normalmente depende do seu estado natural, do que herdou de seus pais e ancestrais — Ela deu um passo para trás. — Se lembra quando me encontrou no castelo e o fiz cair de joelhos? — Ela deu uma risadinha e eu mordi de leve o lábio inferior enquanto cerrava as sobrancelhas. — Aquilo se chama Pressão de Aura. Já deve ter visto outras pessoas usarem. — A da menina dos cinco era imensa! — Você pode imaginar sua magia se expandindo enquanto tenta usar ela.

 

— Você vai me mostra- 

 

Fui interrompido, no entanto, pela forte aura da Ellie. Meus joelhos balançaram e ela parou.

 

— Pode ser… complicado, mas você consegue. Tente não ficar muito atrás de mim.

 

— Estarei na sua frente antes que perceba.

 

Um momento de silêncio, onde nós apenas nos olhamos.

 

— No próximo mês, haverá o evento do Reino Sete. 

 

— Evento?

 

— Imaginei. É sobre a cultura do Reino Sete, haverá festa e danças por toda a cidade, além de infinitas barraquinhas com diferentes tipos de pratos. Você pode passear comigo… — Ela olhou para o lado. — se quiser. Um pouquinho depois das demais festividades.

 

— Eu aceito — falei. 

 

Nós demos um abraço antes de eu seguir meu caminho, mas ela disse uma última coisa:

 

— Tem pequenos duelos restritos. O que pensariam ao ver o representante interagindo com a cidade?



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No meio da rua deserta — e, ainda bem, iluminada —, havia uma lanchonete aberta, a qual parei para comer um sanduíche de queijo e presunto acompanhado de uvas e um suco de laranja. O moço que me atendeu comentou o quanto me achou magro para um representante e me ofereceu mais um salgado para comer. Dei um valor maior a ele por não aceitar comer de graça, mas ele se negou a receber qualquer moeda, enquanto eu recusei a recusa dele. No fim, ele disse para que eu pagasse quando ficasse tão forte quanto antes.

 

De volta à rua, em pouco tempo de corrida a minha frente estava o chafariz.

 

Grannus me espancara. Com um chute, destruiu meu escudo e o meu braço. Eu ia morrer, até ser protegido por um escudo circular de água que se formou.

 

Um bater de asas tirou-me das profundas lembranças. Quando olhei para cima, soltei um berro. O Voin grande, sombrio e de olhos azuis me atingiu, e nós dois caímos no chão. Resmungando sobre a dor na coluna, o Voin passou a mensagem que eu devia comparecer aos aposentos de Lotier no castelo da tia Alyssa. Já era hora. Eu desejava minha cama, mas fui animado para a entrada do castelo.

 

Os guardas me reconheceram e abriram os portões sem problema, apesar de terem me perguntado se eu passava fome. O enorme jardim, recheados de flores de várias cores e árvores de troncos cinzas e amarelos, estava vazio e com apenas algumas lanternas de mana para iluminar. Com exceção dos ventos que traziam com pressa às nuvens, aqui estava quieto, quieto o suficiente para dor-

 

— Lumi Kai — disse uma voz atrás de mim. — Você está com uma cara péssima — Fent. — Por acaso são os treinos? 

 

— É… é a escola — virei-me para ele. 

 

— É melhor que traga notas decentes. As melhores — Fent vestia um blazer azul marinho com uma blusa branca. Sob seu pescoço, havia um colar simples, semelhante a um amuleto, com o símbolo de uma partitura. — Você carrega o nome de um rei, sabe? Mesmo que não seja necessariamente o mais inteligente. Agora, vamos.  

 

Preocupado com minhas notas terem talvez o poder de me derrotar e me humilhar, eu segui Fent. Depois que entramos no corredor principal, contornamos o pátio interno do castelo e alcançamos uma escada que levava direto para o topo. Parei diversas vezes, enjoado, e minhas pernas tremiam como se fosse um treino. O quarto era quase no topo do castelo, onde o da tia Alyssa ficava. Fent abriu a porta e me deixou entrar primeiro, e fui recebido pela incrível visão do reino inteiro. A janela era a própria parede, dando vista para muito além de todas as casas e praças da cidade, mas também das extensas e frias montanhas distantes e os raios sobre elas. Passei alguns minutos ali, apenas admirando a vista e desejando ter uma em casa.

 

Me lembrou a fazenda, por algum motivo.

 

Quando eu peguei um gole de café na mesa de vidro sob a luz amarela do lustre, Lotier surgiu com roupas casuais; uma calça escura e uma blusa que ficou apertada em seu bíceps. 

 

— Saudações, Kai! — Ele se sentou na mesa e suspirou, seus ombros relaxaram. — Vamos papear.

 

Me sentei com certa tranquilidade, e Fent sentou na cabeceira da mesa com algumas anotações. Eu e o rei nos entreolhamos.

 

— Fent está um pouco ocupado, e eu já sei a escola que você frequenta. Isso é bom, já é um adianto do que precisa aprender comigo — Lotier pegou uma folha que parecia ter sido rasgada. — Sobre o treino de representante, ele se inicia com modos em uma mesa de jantar, como se comportar em reuniões, algumas leis importantes sobre certos reinos do exterior e dos nossos próprios reinos. 

 

— Se inicia? É só o começo? — falei, meu queixo caído.

 

— Sim, é muito chato — Lotier trocou olhar com Fent. — A melhor parte é que você vai ganhar vestimentas que deixarão qualquer nobre para trás e ganhará um uniforme específico para sua escola. Falando nisso, você não teve contato com os cinco, teve?

 

— Não exatamente, mas quase me envolvi em briga com eles. Eles são marrentos e confiantes demais.

 

Lotier e Fent pareciam assustados quando se entreolharam.

 

— Olha, por hora, não arrume confusão com nenhum deles. Nem eu poderia te ajudar nessa situação. 

 

— O que eles são, afinal?

 

— Pense em Elderer. Nosso país é dividido entre Laum, do reino dez ao seis, e Camelot, do cinco ao um. Apesar dos reis serem as maiores figuras conhecidas, existe um grupo capaz de questionar e mudar decisões deles. Esses cinco — Ele enfatizou. — são frutos desse grupo. Não tem muito que eu possa fazer sobre eles, mas creio que eles não implicarão com você sem um motivo específico. Mas se estiver pensando em-

 

— Não — gritou Fent, batendo na mesa.



No tempo restante, realizei algumas lições de como me comportar em um jantar. Em específico, quais talheres escolher. Foi árduo, como o talher importava para comer? Lotier deixou comigo três livros grossos — mais pesados que os da escola — para que eu lesse e praticasse. Comentei sobre minha falta de tempo para treinar o físico e que apenas meditava, mas ele pareceu entender. Disse que nossos encontros aconteceriam apenas uma vez por semana. 

 

Levantando-me para ir embora, parei ao colocar as mãos na porta. 

 

— Lotier.

 

— Sim?

 

— Qual é nossa relação com o Reino de Balnor? — falei sem me virar.

 

Silêncio por vários segundos que pareceu uma eternidade.

 

— Fomos traídos. E eu perdi um… item importante lá. Quando concluir os livros, falaremos mais das relações externas.



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Dormir três horas por dia pareceu mais simples após vestir o lindo uniforme preto de representante que Lotier enviou para a minha casa. Os dias passaram com pressa, e ao mesmo tempo demoravam muito a acabar. Eu sentia a exaustão no corpo, minha mãe estava preocupada com meu estado, mas eu precisava me esforçar. Eu conseguia, enfim, entender ao menos um de três conteúdos. Spectro começou a partir seu uso de magia, eu soube — por Kanro — que ele conseguira cobrir o corpo com uma camada leve de mana. 

 

Bom que ele tivesse o controle, apesar de ser melhor que o meu.

 

As meditações à noite deixaram-me mais apto a usar a mana, ela respondia melhor aos meus comandos. Era como se estivesse mais fácil, como se eu precisasse de menos esforços, usar magia. A dica de Ellie me fora boa, mas minha Pressão de Aura não assustava mais que um pássaro, ou um grupo de formigas. Quando usei pela primeira vez, todos os pequenos animais e insetos ao redor tentaram, com todas as forças, me matar.

 

A aura da Ellie era assustadora, porém perfeita. Um fluxo de mana bonito de se olhar.

 

E a de Grannus era esmagadora. Eu não me via de pé perante ele. 

 

Depois de estudar depois do horário, eu estudava os livros de Lotier. Um leve sentimento de inveja dos alunos que almoçavam sem um livro nas mãos. 

 

Voltando para casa, já perto de dez horas da noite, pingos da água, aos poucos, encharcaram minhas roupas. Parei de frente para o poderoso e imponente castelo do Reino Sete. Luzes por todas suas janelas, guardas e arqueiros de prontidão para o perigo. Uma leve risada escapou de mim conforme eu encarava a construção, e a chuva ficava cada vez mais forte junto aos ventos capazes de derrubar árvores.

 

Sem pestanejar, deixei que minhas pernas se colocassem uma à frente da outra. Minha velocidade era cada vez maior, e a mana compensava minha falta de força física. Um sentimento de euforia atingiu meu peito quando, em meio a chuva, eu abri os braços e gritei. Se eu quisesse realmente estar a frente…

 

Era hora de voltar a treinar. 





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