Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 56: Grande oportunidade

 

 

Encher a barriga no café da manhã com eles me trouxe lembranças de quando eu não era quase morto todo mês. Kanro continuava empolgado, seu sorriso caloroso e histórias divertidas. Ele contou que os alunos da Academia dele ficaram ansiosos para conhecer o filho do capitão dos Aurora e que passaram a treinar duas vezes mais para tentar duelar comigo. Era divertido ser fonte de inspiração para certas pessoas, porém preocupante. Eu ainda era fraco o suficiente para ser superado. A comida de Amice era a melhor do mundo. Desde antes até agora, nada superava a forma como minha mãe cozinhava. Emy, no entanto, me surpreendeu. A pequena comia bastante, o desejo de lutar como eu estava explícito no seu olhar e nas suas falas. 

 

Acompanhei minha irmã até a escola. As ruas estavam bem agitadas, e eu ainda atrai uma quantidade imensurável de olhares. Era difícil pensar que eu estive no meio de milhares de pessoas. Acreditei que era mais fácil quando minha vida estava em risco. Perguntei a ela sobre o domínio de magia, e ela respondeu que tinha um “super segredo” que estava proibida de contar. Me despedi, e ela correu para perto dos outros alunos. Me direcionei para minha casa, mas Spectro disse que queria dar uma volta, então eu cedi. 

 

— Vamos ver algumas espadas encantadas e armaduras mágicas — seu corpo tomou forma em minha frente. — Sabe, um dia sem meditar me deixa com energia de sobra.

 

— Spectro — falei, logo suspirei. — No momento nós não fomos fazer nada… relacionado a violência. Eu fiquei meses sem ver eles. Vamos deixar as lutas de lado — O goblin arqueou uma sobrancelha. — Por enquanto, pode ser? Quero ir com calma.

 

— Certo, certo… — Spectro olhou em volta antes de voltar a mim. — O nível de poder aqui é impressionante. Eu posso sentir a magia de cada um presente. 

 

Concordando com Spectro, comecei a andar, e um grupo de aventureiros acenou para mim. Acenei de volta, dando-lhes um sorriso sem graça. Eu precisava avançar para sobreviver, mas dar atenção a minha família… Eu me esforçava ao máximo para ignorar o fato dos Ritualista quererem minha morte, da recompensa pela minha cabeça, mas isso cutucava minha mente com uma foice. De alguma forma, não conseguia me ver ao lado deles sem que lidasse com esses problemas antes. 

 

Sentei próximo a uma fonte de água, e algumas crianças passaram correndo por mim.

 

O problema era que eu não conseguia colocar uma prioridade na minha lista de tarefas. Ficar forte e passar um tempo com a família, era como se eu não pudesse fazer os dois pela preocupação constante que me atingia. O meu maior problema atualmente era a falta de magia e do controle da mesma, fora que eu conhecia cerca de três feitiços que podia usar efetivamente. Então me matricular na escola que meu pai sugeriu era a melhor opção no momento. Se eu tivesse acesso a livros que me ajudassem a elevar meu poder mágico, duraria mais que cinco minutos em uma luta com todo aquele poder.

 

Talvez com oitenta por cento, ao menos.

 

Olhando para minhas vestes caseiras, minhas bochechas coraram. Os outros representantes andavam bem arrumados, independente de onde fossem. Eu saí de casa com uma roupa semelhante ao meu pijama. No caminho de casa, passei em frente a biblioteca dos Auroras. Havia cerca de cinco pessoas lá dentro, minhas mãos formigaram para pegar algum livro. Muito poderosos para o momento.

 

Quando cheguei em casa, novamente me impressionei pelo quão grande ela era comparada a da fazenda. Um aspecto luxuoso que me lembrava os corredores do castelo de Karin na vez em que eu quase fui preso pelo Alud. Uma leve tristeza me socou quando a espada caindo sobre as chamas veio em minha visão. Ele podia até querer, mas agora ela estava em um lugar impossível de alcançar

 

Eu precisava contar isso a Kanro…

 

Durante a tarde, eu arrumei a casa e fiz o lanche e a janta, além de levar alguns móveis para o meu quarto. Meus pais se impressionaram com o sabor da comida quando chegaram, enquanto Emy se fingiu de morta após mordiscar uma batata frita. Depois do jantar, relaxei no sofá e conversei. O vento vinha cada vez mais frio das janelas, o que me levou a acender uma das lareiras. Meu pai disse que a neve logo chegaria e que havia conseguido marcar com a diretora para fazermos minha matrícula amanhã. Segundo ele, só dependia de uma conversa e mostrar determinação, concordei em ir, só precisava me esforçar. Estudar não parecia ser tão difícil. Vesti meu casaco cinza e, enquanto Spectro se banhava, fui até o terraço.

 

E me deparei com a incrível vista do céu estrelado e parte do castelo do reino sete. Várias nuvens se aproximavam com pressa, e a brisa, com cautela, levava meu cabelo para trás.

 

Permaneci em silêncio, assistindo o comércio fechar e a cidade cada vez mais se escurecer. Baixei meu olhar e apoiei meus braços na borda do muro, e uma leve tristeza começou a nascer em mim.

 

Porém passos quase inaudíveis vieram da escada, e Kanro logo surgiu ao meu lado. 

 

— Você parece um pouco abalado — Ele perguntou, seus olhos na vista da cidade. — Quer falar disso? 

 

— Eu… — cogitei em contar tudo o que houve, mas as palavras ficaram presas em minha garganta. — só sinto que devia estar mais preparado. Não sei como prosseguir, não tenho certeza se posso avançar — Olhei para ele. — Eu perdi a katana que você confiou a mim.

 

Uma leve aura, carregando o mínimo de ódio, circundou meu pai. Seus olhos calmos foram consumidos por seriedade quando ele virou para mim, e meus joelhos, de alguma forma, começaram a tremer. 

 

— Onde?

 

— Na alfory de Tera — Um olhar de culpa escapou de mim. — Ninguém pode pegá-la. Ela está embaixo de toneladas de pedras! 

 

— Talvez alguém possa — Raios nas montanhas distante se intensificaram. — Eu também errei em não lhe contar um ocorrido. Se esse alguém encontrar a katana, se ele souber sobre o que a katana pode fazer, o problema pode acabar se tornando um pouco maior do que já foi.

 

— Do que- — pausei, reformulando a frase em minha mente. — Tem alguma coisa a ver com o vovô? Ou com você ser tão forte?

 

— Eu posso contar, Lumi. Você teria que saber alguma hora — O vento ficou mais forte, mas suas palavras nunca estiveram tão audíveis. — Você é representante, afinal — Ele pausou, e meu coração começou a acelerar. — Sanro tentou impedir um grupo cruel e sanguinário de destruir uma cidade. Estavam em poucos, creio que quinze pessoas. Porém eram letais e sempre usavam capuz ou máscaras brancas com um sorriso medonho desenhado. — O vento assobiou e meu queixo, aos poucos, caia. — Ele não estava sozinho, é claro, venceu com sequela ao lado de um Caos e cavaleiros reais. A evacuação… eu não diria que foi um sucesso. Houveram baixas inimigas e o sangue do meu pai passou a ser considerado perigoso. 

 

Ele pausou por um momento.

 

— Enfraquecido e com o risco de outro ataque, ele resolveu me preparar. Eu, claro, queria impedir eles. Então alcancei um nível de poder acima de média para o próximo confronto, mas eu não esperava que os de capuz também tivessem se preparado-

 

— O que estão fazendo aí? — perguntou Amice enrolada no cobertor. — Venham.

 

Eu e meu pai nos encaramos. Ele arregalou de leve os olhos, e eu entendi que essa conversa ficaria para mais tarde.



Joguei-me na cama, deixando que os pensamentos percorressem cada canto da minha mente. Minha família já tinha histórico com esses caras. Eles queriam me matar por ser apenas sucessor de Kanro? A maior ameaça, supus, era o meu pai. Ele também poderia ter uma recompensa? Onde e quem fazia isso? Apesar de ter uma resposta com a conversa, as dúvidas aumentaram exponencialmente. Minhas mãos suavam frio. O descanso não era mais viável. 

 

Saí da cama suspirando e sentei na janela. As árvores balançavam com a força dos ventos que chegavam. 

 

— Você devia contar que já estão atrás de você — comentou Spectro enquanto deitava na cama. — Teria proteção e provavelmente treinamento para confrontar eles. Seu pai é o capitão dos Auroras, Lumi!

 

— Eu sei, eu sei. Estou considerando falar sobre tudo que ocorreu. Até sobre a pedra que trouxe você a mim — Fechei os olhos, deixando o ar sair, e logo os abri. — Talvez a ideia de ter férias seja apenas uma ilusão para nós.



---------------



Seguindo Kanro pelas vastas ruas da cidade, percebi que a Academia era tão grande quanto uma parte do castelo. Ele explicou que a Academia era de horário integral, com aulas de teoria mágica, combate, relações com países externos e uma outra infinidade de conteúdos. Bibliotecas no próprio lugar e áreas de musculação para alunos. Eu nunca havia pensado em pegar peso nos meus treinos desde o treinamento de Gerould e seus bonecos de madeira. Ele também me alertou sobre os cuidados com minhas atitudes e notas por representar um rei. 

 

Ter o capitão dos Auroras e o representante de Lotier nas ruas trouxe, praticamente, os olhares de todos.

 

— … e entrar quase no final do ano pode ser um problema pelo acúmulo de matéria, mas eu acho que você é capaz de vencer isso — disse Kanro enquanto acenava para os guardas, que abriram os portões da escola. — Na verdade, é estritamente proibida qualquer matrícula após a data do início do ano, mas temos certos privilégios.

 

Passando pelo enorme portão da entrada, seguimos por um corredor cheio de salas. Kanro passou pela recepcionista apenas com um aceno e, mesmo com o olhar duvidoso, nós continuamos andando. Até que chegamos a uma porta maior com a maçaneta dourada, a qual Kanro abriu lentamente e me deixou entrar primeiro. Havia uma moça de cabelos brancos cacheados sentada atrás de uma mesa cheia de papéis e livros ao lado de uma mulher de cabelo castanho com um olhar assassino. A senhora sentada logo sorriu e disse:

 

— A que devo a honra de ter tamanhos nomes em minha sala? — Seu olhar confiante acompanhado de um sorriso. Ela era familiar… — Não me diga que o representante-

 

— Sim, eu sei que estamos no meio do ano — interrompeu Kanro. —, mas é muito importante que ele tenha a oportunidade de estudar aqui, Aldara.

 

— Sentem-se, por favor. É melhor conversarmos sobre o que pode ou não ser feito.

 

Nos sentamos em frente a ela. A mulher ao seu lado me encarava com um olhar frio.

 

— Seu filho seria o segundo representante a entrar na escola, Kanro Kai. Quando Bruno chegou foi um alvoroço, por que eu deveria ter mais um? Estou ciente de que ele foi capaz de empatar com o príncipe Miguel, porém tê-lo aqui pode trazer disputas contra outras escolas.

 

— E ele teria que se esforçar, pelo menos, três vezes mais para acompanhar todo o conteúdo que perdeu — disse a mulher de olhar frio. — Não tenho certeza se conseguirá. Não devia tentar.

 

Kanro olhou para mim, seus olhos esperavam uma reação.

 

— Eu vou me esforçar!

 

— Será preciso mais que esforço para se manter aqui — disse a mulher de cabelo castanho. — G-Kliwell é uma das Academias com mais conteúdos do reino sete. E estudar nove meses em três é inviável na minha visão.

 

— É claro que eu consigo! — retruquei, ficando de pé e a encarando nos olhos. — É só estudar e ler livros. Parece simples. E vocês terão um aluno com uma invocação peculiar.

 

A diretora pareceu curiosa, apoiou o queixo nas mãos entrelaçadas e sorriu, enquanto a mulher fria arqueou a sobrancelha.

 

Me levantei.

 

— Se me permitem. — Spectro surgiu.

 

— Uaa!

 

Nenhuma reação. A diretora olhou cautelosamente para o goblin, e meu pai parecia calmo como nunca. Os minutos passaram voando.

 

— De fato, uma invocação única — Os olhos dela continham um leve brilhar. — Eu certamente sei o que pode fazer em luta, e também percebi seu claro desperdício de energia. — Um momento de silêncio. Eu ouvia meu coração bater, os olhos dela, amarelados e esverdeados, pareciam enxergar além da minha alma. — De acordo com as condições de entrada, sua adaptação define se você continuará ou sairá. Gostaria que evitasse atividades práticas no início, o seu físico é consideravelmente forte para um Sombra. 

 

Eu e Kanro sorrimos, e a mulher fria permaneceu sem reação.

 

— Agora — disse a diretora. — vamos falar do seu começo imediato.

 

Nessa hora eu sabia que só precisava me preparar.



Comentários