Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 53: Eu estou de pé

Tum, tum, tum.

 

Tantas vozes, aplausos, assobios. O que mais se destacou foi que meu peito estava latejando. Manter a posição, a postura da realeza, como disse Lotier, era a principal prioridade do meu pensar. Minhas vestes chiques, armas adornadas, o manto semelhante ao do rei. Tudo parecia real agora. Ao encontrar o olhar do homem que me escolhera, pude sentir a empolgação de seus olhos, gestos e o leve sorriso se formando. Fent disse em inúmeras ocasiões como Lotier desejava esse momento. Agora eu entendi. Eu finalmente pude enxergar. Um leve formigar alcançou minhas mãos enquanto meu olhar varria a multidão, o peso de estar na arena se tornou concreto sobre meus ombros.

 

— Nós vamos ficar famosos! — disse Spectro, sua forma física se tornava presente em minha mente. — Eu quero aparecer também. Aquele cara emburrado é o príncipe Miguel? Ele parece um pouco… estressado.

 

— Você certamente irá aparecer — Meu semblante calmo. — Ele ainda está confiante de que pode nos vencer — Direcionei meu olhar para Alud. — Não sei se o rei pensa o mesmo. Depois de esboçar raiva, ele só ficou neutro.

 

Em passos lentos e rítmicos, cumprimentei com um leve curvar o príncipe e o rei desafiantes. Ao chegar perto de Lotier, ele acenou para o público e, novamente, aplausos irradiavam o lugar. O rei nove acenou para os demais reis e representantes, que estavam em seus assentos, com um acenar animado. Quase que sussurrando e sem olhar para mim ele disse: 

 

— Esta batalha cruzará a linha entre o senso de superioridade de batalha e o desejo de ferir — O rei virou para mim. — Seja cuidadoso e pare quando o duelo terminar.

 

— Você esperou bastante tempo por esse dia, deixe-me mostrar a que eu vim, que sua espera valeu a pena. 

 

Cumprimentei o rei e andei rumo ao centro da arena. Lotier ordenou que saíssem da arena, com exceção do apresentador, e o bater de asas do dragão balançou meu manto e cabelo desengonçado. Eu queria ter cortado antes deste momento, mas Fent me deu a única opção de corte que ele sabia e eu neguei. Cada rei tomou seu lugar no recanto real, enquanto os representantes ficavam de pé ao lado de seus assentos. Um silêncio incongruente para uma arena tão grande levou cada pelo meu para cima, e os passos do príncipe nunca estiveram tão audíveis. Seu olhar carregado de ódio, sua armadura reforçada com magia e com pouco pontos de pano. Quando chegamos a seis passos um do outro, um sorriso malicioso nasceu em seu rosto. Miguel colocou a mão no cabo de sua espada reta, uma quantidade incomum de energia corria no pomo dela. 

 

— Ele parece forte para caralho — disse Spectro, seu queixo imaginário caído.

 

— Você vai desejar ter desistido naquele dia. Tem pessoas o suficiente aqui — Miguel abriu os braços e deu dois passos para trás. — para ver o quão desfigurado o seu rosto ficará. Você acha mesmo que tem alguma chance contra mim?

 

— Eu espero que você tenha treinado, príncipe — Abri um sorriso. — Caso contrário, você não poderá me acompanhar.

 

— Vocês estão preparados!? — gritou o apresentador. 

 

Miguel empunhou sua grande espada reta, seu olhar afinco em mim. Ergui duas adagas e me posicionei para o ataque. 

 

Tum, tum, tum.

 

Era real, eu estava representando um rei. Acalma-se, Lumi. Você sabia o porquê de estar aqui. Treinou por meses com Sairon e Breaky, absorveu os ensinamentos de Kanro e as lições de Ellie. Olhei brevemente para o público, que esperava silenciosamente pelo início do duelo. Minha família estava em algum lugar torcendo por mim. Lotier acreditava na minha força. 

 

Não era agora que eu iria vacilar.  

 

O apresentador ergueu o braço e com um gesto rápido para baixo gritou:

 

— Comecem!

 

De imediato, o baque de nossas lâminas soou do centro da arena. Uma forte dor acompanhou minha panturrilha e coxa direita, o queimar das chamas esverdeadas fez-me ceder por um único segundo. Miguel impulsionou seus bíceps com mana e pressionou minha defesa de adagas, deixando-me cada vez mais próximo de tocar os joelhos no chão. Alto, veloz, poderoso. Ele podia ser mais forte, mas eu tinha uma carta que ninguém possuía. Movi minimamente minhas adagas para a direita. Toda a força dele, todo seu peso na espada, foi direcionada para o chão. Uma ampla rachadura surgiu, seus olhos ficaram arregalados. Antes que pudesse se posicionar, ataquei seu braço. Porém a mana dele se moveu insanamente rápido para o local do ataque, e apenas uma gota de sangue escorreu. 

 

O príncipe girou sua espada para minhas pernas com um grito gutural, tornando impossível de desviar a tempo.

 

Era o que eu diria antes.

 

Saltei, levando meu calcanhar para o queixo do meu desafiante, passando por cima de seu ataque. Eu e o príncipe nos afastamos, e infinitos aplausos vieram. Ele alisou o queixo, seu semblante confuso, e logo estalou o próprio punho, cobrindo-se inteiramente de magia em seguida.

 

— Não sei que truque você usou, mas tem que ser um covarde para fazê-lo — rosnou o príncipe.

 

Miguel se aproximou em um instante, lançando-me abundantes cortes errantes. Era simplesmente uma enxurrada de ataques, os quais ele controlava com fôlego e realizava um movimento diferente da sequência após uma certa quantidade de golpes. A lâmina dele passava rente ao meu rosto, braço, perna, peito, mas nunca me tocava. Miguel tentou a todo custo, usou impulsos mágicos, mana concentrada nos braços, socar, chutar, atirar rajadas de vento da espada. Ele podia ser forte e saber usar a mana em seus membros, mas eu! apanhei a minha vida inteira. O próprio apresentador parecia perplexo com o que via, foi quando eu vi uma brecha.

 

Inclinei meu corpo para trás, sua espada rente ao meu nariz, e girei em um chute no estômago do príncipe. Mas a risada de Emeru se tornou presente em minha mente, e uma fadiga miserável surgiu na minha perna. Gina havia dito que eu levaria tempo para me recuperar por inteiro, eu devia ter dado mais atenção a este fato. Miguel desviou com facilidade e afundou seu punho coberto com uma grande quantidade de mana nas minhas costelas, danificando minha armadura e desestabilizando minha respiração. Meu corpo foi arrastado para o outro canto da arena, e eu precisei me esforçar para não deixar o sangue sair. Minhas costelas latejavam, era uma dor desconfortável. O público parecia entristecido, enquanto outra parte comemorou o acerto do príncipe. 

 

Droga. Ele ainda era superior a mim, como eu pude dar essa vantagem?

 

Miguel se aproximou em passos lentos, um sorriso satisfeito em seu rosto. Ainda ofegante, eu fiquei de pé. Era diferente de lutar contra monstros. Miguel era inteligente e sabia usar sua força. Eu devia ter planejado melhor o uso da minha força física, fiquei confiante demais com o desviar. Era útil, sim, mas do que adiantaria sem um ataque decente? Usar a mana agora podia me deixar em maus lençóis no decorrer da luta, a quantidade que eu possuía ainda era pequena. Misturando isso ao meu péssimo manuseio, pude supor que tinha apenas um ou dois ataques úteis com o fogo se quisesse continuar de pé.  

 

— Estou impressionado que suas costelas estejam inteiras — O príncipe carregou o dobro de energia em sua mão. — Sorte sua ter uma armadura. 

 

Miguel avançou e largou um soco. Ergui meu braço na esperança de me defender, mas o impacto no meu tríceps quase deslocou o meu ombro.

 

Grannuns estava de pé na minha frente. Tentei bloquear com meu escudo, mas seu golpe destruiu-o junto de meu braço.

 

Miguel continuou a me atacar, seus socos quase destruindo minhas adagas. Sendo arrastado pela pressão de seus ataques contínuos, deixei um soco afundar o meu estômago. Desta vez, eu não impedi o sangue de sair. De joelhos e impotente, observei meu rei morder o dedo indicador. Seu olhar trazia um conforto, como se parar não fosse um problema. Talvez eu deva-

 

— Ele é mais rápido, mais forte e tem muito mais magia que você. Mas e aí? — disse Spectro, irritado. — Vamos parar só por causa disso? Você é a porra do lâmina de fogo e ainda conseguiu ter uma vantagem machucado nessa porra — A aura se agitava. — Você disse que Lotier não ia se arrepender de esperar, aja de acordo com essas palavras.

 

Deixando uma risada escapar, eu lentamente fiquei de pé, e o estádio foi a mil. O mundo físico se tornou pura mana, seu aspecto claro mais escuro e sem vida. Muita energia correu no corpo do príncipe quando meus olhos começaram a brilhar. Deixei minhas adagas tocarem o chão, enquanto eu empunhava minha lâmina única. Miguel cobriu a espada com ar, estimulando sua velocidade. Bloqueando seu ataque, direcionei sua arma para a esquerda. Perto o suficiente para ouvir o respirar do príncipe, afundei meu punho em seu esôfago…

 

Ocasionando uma explosão.

 

Ele se afastou, confuso, enquanto todo o estádio duvidava do que viu. Nem mesmo o apresentador soube falar. 

 

— Isso foi-

 

— Sim, foi. 

 

Minha mão ardia pelo calor, mas ver o príncipe com medo… Acrescentando mana em minhas panturrilhas, disparei. Uma enxurrada de ataques caiu sobre Miguel, que recebeu uma leve explosão ao tentar se afastar. Meu fôlego ia embora com pressa, mas eu colocava minha vida em cada golpe. Os ataques deixaram-no próximo ao canto da arena, porém uma explosão de aura levou-me para longe. Inúmeros tentáculos sombrios surgiram de sua sombra, as veias do rosto dele se tornaram escuras.

 

— Pode usar o que for — disse ele, sua voz grossa e estranha. — Você não vencerá! 

 

— Ele está louco. — disse Spectro.

 

Os tentáculos vieram para cima de mim. Desviei e fatiei cada um enquanto me aproximava do príncipe desesperado pela chance da derrota. Dancei no meio de ataques que vinham de todas as direções, desviando diretamente com um contra ataque fatal nesta estranha forma de magia. Miguel os uniu e lançou a nova forma em uma única direção. Lancei-me para cima, desviando do enorme tronco escuro, e bati com um urro em sua espada. A lâmina de Miguel quicou no chão para longe, e o nariz do príncipe foi recebido pelo meu punho. Miguel quicou igual a sua espada. 

 

— Sabe, príncipe — Levantei minha lâmina, que aos poucos era coberta por fogo. — nós precisamos levar este duelo a sério — Uma aura esverdeada se formava ao meu lado. — Por que não se esforça um pouco mais? 

 

— Eu concordo — Miguel, puto, criou uma espécie de luvas de mana. Uma quantidade imensa de poder se canalizava ali.

 

— Spectro, não seja acertado.

 

— Meu parceiro — Spectro alternou o olhar entre mim e Miguel. — Se você ia usar toda sua mana em cinco minutos, podia ter feito no começo. 

 

— Incrível! A arena está rachando! — berrou o apresentador.

 

O impacto da minha espada com as estranhas luvas de Miguel destruíram partes dos blocos da arena. Comecei a liberar mana para sustentar o fogo e para o Ataque do Spectro simultaneamente. Nossas energias se repeliam no meio da enxurrada de ataques, cada vez mais as pedras destruídas agiam como se a gravidade não tivesse mais efeito sobre elas. Usando o que aprendi nas artes marciais, consegui desviar dos socos carregados e me afastar, dando espaço para meu goblin agir. 

 

Spectro acertou o queixo do príncipe, fazendo-o virar o rosto por um breve momento. Ele tentou socar, mas Spectro se afastou e eu acertei um chute em seu estômago. Miguel tentou agarrar minha perna, mas Spectro acertou outro chute em seu nariz. Logo eu lancei dois socos no rosto e o chutei, depois Spectro usou as garras para arranhar sua armadura no peitoral. Mantivemos o ritmo de ataque por quase trinta segundos perfeitos. Por incrível que pareça, por mais que até para mim fosse difícil de acreditar, o príncipe estava surrado. Tentando nos afastar, ele usou outra explosão de aura. Mas liberando meu fogo de qualquer jeito, consegui me manter próximo. Spectro saiu voando para longe, e eu finalmente vi o estrago que a arena estava. Nem o apresentador estava mais aqui. 

 

Miguel carregou esferas de poder nas mãos. Ainda havia muita mana em sua aura. Lotier estava animado, quase saltando da cadeira. Eu, por um momento, me deixei sorrir. Eu não tinha muita mana e certamente cederia em breve, mas havia batido de frente com ele por alguns minutos. Suas bolas de magia condensadas colidiram com minha lâmina flamejante, criando fios longos de raios. 

 

A de Letholdus era mais forte.

 

Meus pés deslizavam no chão, porém eu treinei uma coisa exatamente por causa de Letholdus. Pequenas explosões surgiram na lâmina, impedindo-me de ser arrastado para fora da arena. A esfera mágica estava sendo fatiada, e a exaustão física e mágica vinham com pressa para levar minha consciência embora. O ataque dele se dividiu, estourando os restos atrás de mim. Miguel, incrédulo, resmungou:

 

— Eu tenho mais- — Foi impedido por um soco no queixo de Spectro.

 

Miguel afundou Spectro no chão com um soco e direcionou a esfera mágica para o goblin, porém mirei um chute giratório no pescoço dele. A esfera estourou em outra parte do chão enquanto o príncipe se afastava e tossia. Sorrindo, carreguei toda a mana restante na minha espada, intensificando o fogo. 

 

Quase cinco minutos lutando assim, certamente meu recorde. 

 

O príncipe uniu as mãos e atirou uma rajada de mana condensada em minha direção, criando um rastro no chão onde passava. Lancei a espada coberta com toda energia que me restava nele, torcendo para que este fosse o último golpe.

 

A espada e a rajada de poder colidiram, levando o centro da arena embora e levantando fumaça para todos lados. As excessivas pedras que voaram acertaram várias partes do meu corpo, ocasionando-me cortes e hematomas. Eu comecei a tossir e fiquei prestes a cair de joelhos, mas Spectro me segurou. 

 

Com o baixar da fumaça, vi Miguel ferido no estômago. Alud encerrou a luta e o público foi aos berros. Para mim, o som estava cada vez mais distante e minha visão, mais escura. Minha aura começou a sofrer os efeitos da exaustão mágica, enquanto meu corpo pedia por misericórdia. Pronto para me deixar cair, a voz de Fent surgiu em minha cabeça:

 

— Mantenha-se de pé — Olhei para ele, calmo ao lado do animado rei. — Mostre postura aos outros, mostre que você deve ser respeitado.

 

Ordenei ao Spectro que voltasse e fiquei de pé, ignorando meu estado semi acordado. A voz distante do apresentador elogiava sobre como a luta tinha sido incrível. Mesmo com uma possível derrota se a luta fosse mais longa, eu não conseguia parar de sorrir. A equipe médica entrou às pressas, desviando dos buracos. Eu queria pensar no quanto teria que melhorar para ter chance contra Grannus, mas minha mente se negava a isso.

 

Então, eu a esvaziei, sentindo apenas o Spectro vagar enquanto os curandeiros me analisavam. 

 



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