Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 51: Um simples jantar

 




O som agudo veio do pequeno relógio em cima da cômoda. Bocejei, esfreguei os olhos. O banho da manhã simplesmente me dera energia. Peguei meu vestido azul, penteei o cabelo e saí do quarto. O quarto de Emy ainda era distante, comparado a casa na fazenda. O corredor era grande o suficiente para ter um quarto achatado aqui, fora os outros cômodos muito maiores que os modelos de Karin. A economia neste reino era maior do que eu me lembrava. Luxos, ranks, nobres, utensílios desnecessários. Aparência valia ouro aqui. 

 

Talvez viver em Karin tenha me acostumado a ter uma vida mais simples.

 

Com cautela, eu abri a porta do quarto da minha filha. Um feixe de luz da cortina, um ar fresco. Ela dormia com dois cobertores, uma mania que roubou do irmão. 

 

Ele realmente iria vir? Por que o mistério em como me encontrar? Eu queria tanto ver ele.

 

Ocultei minha presença e silenciei meus passos com um feitiço básico. Passei meus dedos sobre seu cabelo, sua respiração calma enquanto afundava o rosto no travesseiro. Ainda era minha bebê, assim como o Lumi. Ela me preocuparia muito também? Eu só podia desejar que não, apesar de ela já querer treinar seu potencial com a mana. 

 

— Acorda, meu amor — sussurrei, e ela abriu os olhos devagarinho. — Você precisa se arrumar.

 

— Eu quero dormir mais um pouquinho… — Ela bocejou e se cobriu por inteira. — Eu me arrumo mais tarde.

 

Abafei uma risada e me afastei.

 

— Tudo bem — Fiz um bico. — Quem sabe seu irmão não chega um pouco mais cedo hoje — Virei de costas. — Mas pode dormir.

 

Ela ficou de pé na cama, seu cabelo bagunçado caiu sobre seu rosto.

 

— Eu vou! — Deixei a risada fugir. — Ele vem mesmo hoje? Não sabia que o irmão gostava de ver luta de filho de rei.

 

— São os representantes dos reis, filha — Que mudança de energia. — E eu não sei, ele só pediu para a gente ir lá. Agora vai se arrumar!

 

Separei tapioca, ovos, queijo, presunto e requeijão. Colhi algumas laranjas recentemente e fiz uma jarra de suco, a qual com apenas uma pitada de mel se tornava a melhor bebida feita em casa. Enquanto arrumava a mesa do café, ouvi Emy banhar. Falar de Lumi era um incentivo grande, tanto para ela quanto para Kanro. Inclusive, esperava que ele tivesse ao menos dormido esta noite. Desde que ele — de alguma forma misteriosa — descobriu que Lumi estava vindo, passou tempos acordado treinando o grupo de soldados no castelo e treinando a si mesmo. Eu sabia que eles levavam os duelos a sério, mas isso… Emy arregalou os olhos quando viu a mesa cheia e sentou-se. Ela disse ser comida demais, porém eu havia esquecido que meu marido passou outra noite fora.

 

Ele estava muito animado e… quem poderia não estar? Ele finalmente vai vir para cá. Desde que ele entrou nessa sequência de treinamentos doidos, ficou praticamente desaparecido para mim. Eu jamais o impediria de se aventurar, mas meu coração aperta só de pensar que aquele bebê pode passar sufoco em missões. Me perguntei o que o time de coleta vai achar quando o ver novamente.

 

Me perguntei o que eu acharia.

 

Emy perguntou, com a boca cheia, quando Lumi viria. Eu disse que seria apenas no torneio, e ela levantou, afastando a cadeira para trás, e foi em direção a porta. Mandei-a voltar, afinal, o grande dia era apenas amanhã. 

 

— Você ainda tem treino hoje, mocinha. Não queria aprender aquele truque secreto para impressionar o seu irmão? — Emy resmungou, mas voltou a comer. — E nós vamos jantar com o papai hoje a noite — pausei, suspirando de olhos fechados. — Eu só queria saber aonde.



Emy veio com um vestido xadrez marrom e azul, sua pequena bolsa laçada em seu ombro. Guardei as moedas que separei ontem, a casa precisava de mais verduras. Eu sempre achei que sobrariam. As ruas estavam cheias, pessoas andavam apressadamente para todo lado possível debaixo do imenso céu azul. O calor solar era confortável com o ambiente semi gélido. Comerciantes, anões e elfos, homens e mulheres com mais de três metros de altura, grupo de aventureiros. Famílias nobres se negavam a andar pelas ruas, então, dez vez em outra, carruagens grandes e cercadas por soldados reais empurravam todos para os cantos. Desafiar um sangue nobre era como desafiar o próprio reino, mas era diferente quando o assunto era os proclamados “sangue de luz”. Estar na presença de um deles era hostil, mesmo para os cavaleiros reais.

 

— Tem muita gente hoje — disse Emy ao apertar firmemente a minha mão. — Todo mundo vai levar o filho pra escola?

 

— É para o torneio, filha. O mesmo que nós vamos — nos desviei de um grupo de gigantes.

 

— É tão importante assim? Achei que a gente só ia ver o irmão e pessoas fazendo pum, pum — ela gesticulou com socos. 

 

— Também — deixei uma risada fluir, e logo senti Emy quase ser levada. — Não esbarre em todo mundo, caramba!  

 

Emy descobriu que pode usar a energia através da aura e cismou que queria começar a treinar como o irmão. Mais nova do que a maioria dos jovens para iniciar, porém a energia vinha um pouco mais refinada do que a das outras crianças. Emy alcançou o segundo lugar no ranking da escola no domínio de magia, perdendo apenas para aquela nobre birrenta… O que pessoas do alto escalão têm para agir de maneira tão arrogante?

 

Na grande feira havia quase todo tipo de verdura e fruta de Laum, separadas por uma infinidade de barracas, todas cercadas por um grupo de pessoas buscando as melhores frutas. Enchemos as sacolas de maçãs, abacates, limões, alface, cheiro verde… A cada ingrediente pego o cheiro da sopa de camarão ficava mais vívido em minhas narinas. Barracas distantes mostravam outros tipos de especiarias, as quais certamente aproveitamos. Um pastel feito de vegetais com recheio de carne de peixe e queijo, um suco diferenciado feito a partir de cana. Emy comeu em cerca de quatro barracas, sua barriga já parecia estar lotada.

 

Após a feira, seguimos a rua da escola. Em frente ao grande lugar, estava a diretora e vários pais com suas crianças. Dado o excesso de som, eu precisei chegar bem perto para tentar entender, enquanto Emy tentava fingir que começou a passar mal porque era “alérgica a andar depois de comer muito”. 

 

— … torneio. A cidade precisa se preparar para o evento de amanhã e, por isso, os alunos foram dispensados hoje e amanhã — Algumas crianças ergueram os braços e gritaram. — É o evento mais importante do ano, pais. Os grandes reis, que nos mantém seguros, finalmente apresentarão seus representantes! — Desta vez, os pais comemoraram.

 

— Ufa… — sussurrou Emy, e eu arqueei uma sobrancelha para ela. — Eu queria tanto estudar hoje — Ela colocou a mão na testa e fechou os olhos. — Eu estou tão triste.

 

— Eu te ajudo a estudar em casa!

 

— Não! — ela gritou em desespero, medo jazia em seu olhar. — Vamos no papai!

 

As academias de treino ficavam próximas ao castelo de Alyssa. Os treinos por aqui normalmente eram tão intensos que precisaram contratar uma equipe médica inteira apenas para essa área. Apostas e desafios voltados aos representantes eram comuns com o reino cinco, apesar de ser ilegal atualmente, então alguns dos treinantes usufruem das academias apenas para, algum dia, servir diretamente a um rei após derrotar seu maior guerreiro. A academia de Kanro era a mais temida, pois ele foi indicado pelo antigo capitão Aurora do reino. Meu marido tinha poucos alunos, mas cada um podia derrubar um nobre exibido. Dois dos alunos dele estavam na porta de guarda e, ao me reconheceram, baixaram as armas e deixaram eu e Emy passar. 

 

Kanro estava com uma pilha de papéis na mão ao andar pelos corredores abertos nos lindos jardins recheados de flores. Sua olheira era grande, mas seu olhar baixo e desanimado desapareceu quando Emy pulou em seus braços e toda a papelada foi ao chão. Abracei com força ambos e os tirei do chão por um momento.

 

— Eu mandei você dormir — falei.

 

— Ele vai vir amanhã! Como eu poderia? 

 

— Vamos ver o irmão! 

 

— Ainda me pergunto como você descobriu.

 

— Como ele vai achar a gente?

 

— Ele só disse que viria.

 

Kanro liberou parte de seu poder, fazendo com que as flores balançarem com as brisas de ar que se espalharam pelo ambiente. 

 

— Que ele venha preparado!

 

— Papai é muito forte.

 

— Com quem jantaremos?

 

— Você vai gostar — O homem alto segurou meus ombros e olhou nos meus olhos, fazendo-me corar por um momento. — Vocês duas — Ele direcionou o olhar para Emy.

 

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As estrelas logo alcançaram o céu. Apertei meu espartilho de frente para a janela, era difícil evitar olhar para as luzes à vela das casas sob o imenso céu repleto de seres mágicos voadores. Passei um leve batom avermelhado e joguei meu cabelo para trás, deixei algumas mechas ao lado do rosto e senti mãos apalparem os meus seios. Kanro estava gatinho com o terno preto de capitão, e sexy. Emy veio correndo na porta e deu um pulinho, nos mostrando seu vestido beje e sua gargantilha nova. 

 

— Vocês estão magníficas — Kanro sorriu. — Nossa carroça chegará em breve.

 

A carruagem tinha rodas douradas e um piloto parcialmente armadurado. Um tanto incomum, mas apenas entrei. A viagem foi rápida, o que me impressionou foi estarmos no restaurante mais caro da cidade. O Forte do Ouro tinha um enorme tapete azul na entrada, acompanhado de bonsais nas laterais, lamparinas com duas tonalidades de luz flutuantes, dois guardas de terno branco na grande porta de ametista polida e pequenas auras de pássaros sobrevoando a pequena fonte que jazia próxima ao outro lado de bonsais.

 

— Capitão dos Auroras? — comentei, arqueando uma sobrancelha para ele. 

 

— Benefícios de ser um Aurora — Ele sorriu ao responder.

 

O garçom anão nos guiou. Passamos por vários lustres que brilhavam a base de mana, garçonetes que levavam os pratos com levitação, aperitivos sendo servidos que deixaram Emy com água na boca. Com uma rápida olhada ao redor, pude notar o nível de nobreza. Pessoas mais que formalmente arrumadas, pessoas renomadas. Perigosas. Alguns olhares atingiram Kanro. Alguns com ódio, outros com admiração. Ele apenas ignorou e seguiu tranquilamente o garçom até chegarmos à nossa mesa.

 

Era a menina que o Lumi- Era a filha de Hiroki! Meu filho só se mete com pessoas importantes?

 

Ellie parecia gentil nas palavras de Lumi, mas aqui ela era uma menina quase inexpressiva. 

 

— Sentem-se, por favor — disse o senhor Hiroki. — Não fiquem tensos.

 

Meu coração batia forte, mas depois de trocar olhares com Kanro eu simplesmente sentei ao lado de Emy. Hiroki, Hanila e Ellie Higasa. Uma família acima das outras. Mantive meu respirar quase imperceptível enquanto recobrava a calma. Eu poderia ter me arrumado mais se soubesse que iria encontrar pessoas assim. Cruzei os dedos por um momento, e ele continuou a falar.

 

— É gratificante ter a família do capitão Aurora aqui. Permitam me apresentar — Ele levou a mão direita ao peito esquerdo, e seus olhos vermelhos analisaram friamente nós três. — Eu sou Hiroki Higasa, conselheiro da rainha sete e do rei seis. 

 

— Eu sou Hanila Higasa — disse a mulher ao lado dele.

 

— Ellie Higasa — comentou fria.

 

— Apresentem-se, por favor.

 

— Eu — Kanro parou por um momento. — sou Kanro Kai, líder dos Auroras. Essa é a família a qual eu tanto prezo. — Seus olhos vieram a mim, minha garganta secou.

 

Como viemos sem ao menos planejar?

 

— Eu sou Amice Ken — Mantive meu tom gentil e leve. Eu sabia ser uma nobre. — Esposa de Kanro Kai, é uma honra estar com vocês hoje.  

 

— Eu sou Emy! — Cutuquei as costelas dela. — Emy Ken. Obrigado por nos receber hoje. — Ela curvou levemente o corpo.

 

— Você não tem mais um filho? — perguntou Hiroki. — Minha academia aceita dilúculos como discípulos, ele seria bem-vindo.

 

— Ele está em viagem, senhor — respondeu Kanro. — Da última vez que o vi ele era um Sombra experiente. 

 

— Compreendo. Bem, iniciemos o jantar.

 

Os momentos seguintes me deixaram apreensiva. Demorei um pouco a lembrar quais talheres usar em quais tipos de refeições. Manter uma conversa formal com Hiroki foi o grande ponto. Ele comentava do treino, sobre nossos trabalhos e estudos, sobre a própria rotina de Emy. Ele nos testava em cada palavra. Kanro foi o primeiro a comentar como vivia e as experiências que teve, em seguida eu e Emy. A família Higasa fazia um comentário ou outro e, às vezes, entrávamos em assuntos sobre o reino sete e o futuro de nossas vidas. Ellie permaneceu quieta a maior parte da conversa, parecia entretida com outra coisa. 

 

A parte mais desesperante foi quando Emy aniquilou o prato de camarão.

 

Passamos a falar sobre cargos e oportunidades nas academias dele e em possível chance de agir em reinos superiores. Hanila argumentou sobre treinar soldados para, de alguma forma, impressionar até mesmo o segundo rei de todo o país. Esse objetivo era inimaginável até mesmo a todos os Auroras. O reino três possuía um acesso limitado de pessoas, e o dois se tornou preparamento para o um, pois a fronteira se transformara em um ambiente misterioso e hostil. Eu tinha pena dos guerreiros que precisavam ir para lá, ao mesmo tempo em que os admirava por proteger a nação. 

 

Mas por que tantos segredos sobre a fronteira?

 

— Para agir sobre meu nome eu preciso que você seja o destaque entre os grandes Auroras. Tenho um imenso número de academias e o padrão de alunos é tão árduo e seletivo quanto o de professores.

 

— Certamente precisará provar sua força comparada aos outros — disse Hanila, e tomou calmamente o vinho na taça. — O nível de contratação é elevado.

 

— O mesmo vale para seus filhos — Kanro olhou para Emy e voltou ao olhar a Kanro. — Aos dois. Como Ellie, que foi um destaque em Karin e continuou a impressionar aqui. Ou mesmo como o príncipe Miguel, que tomou o posto de melhor representante. — Ellie ainda não demonstrou emoção alguma. — Se seu filho for a metade do que Miguel é, certamente se dará bem nos meus negócios.

 

Um silêncio pairou por alguns instantes, e Hiroki ficou mais sério.

 

— A proposta para você, no entanto, é peculiar. Eu quero que se torne meu guarda pessoal — Por um breve momento, meu queixo caiu. — Sei dos seus feitos e dos feitos de seu pai. — Ele olhou para mim. — O mesmo vale para você, Amice Ken. Você como a estrategista do meu grupo me traria ótimos resultados. Os filhos teriam acesso a qualquer academia para treinamento. Peço que pensem a respeito, meu Voin exclusivo ficará com vocês.

 

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— O que foi isso? — perguntou ao sair do restaurante, meu cabelo molhado de suor no rosto. 

 

— Me disseram que ia ser só um agente! Mas foram eles em pessoa!

 

— Eu comi muito — disse Emy, e nós rimos.

 

Passos próximos captaram minha atenção e vi que Ellie Higasa havia vindo até nós.

 

— Senhorita Ellie? — falei.

 

— Eu gostaria… — Ela ajeitou o vestido e olhou para trás. — Se Lumi Kai virá amanhã.








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