Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 49: Então deixei-me ir

 

 

Cada passo me levava a um nível acima em velocidade. Minhas mãos buscavam desesperadamente se livrar do milharal em meu caminho. Havia muito sol e eu estava no meio de tudo, meus olhos semicerrados ansiavam olhar a mata. Meu coração acelerou, minhas mãos formigaram. Me virei, uma gota de suor escorreu do meu rosto. Como um flash, eu me vi saindo de casa. Disparei para o milharal para buscar algo, mas… o que eu estava procurando?

 

“Lumi” foi o que uma voz disse. Parecia uma pessoa velha e… olhando para as minhas mãos e logo para as minhas pernas eu percebi que nem tinha um metro de altura. A voz familiar surgiu novamente, e meu corpo, sem meu comando, disparou em direção a ela, como se soubesse exatamente para onde ir mesmo sem ver nada além de plantas. Subitamente, uma forte luz ofuscou por inteiro a minha visão, e uma silhueta humana apareceu. Quem apareceu sorrindo foi o meu avô. Antes que eu pulasse em seu abraço, ele disse que sentia muito a minha falta. 

 

— Vô… — sussurrei, porém meu olhar baixou ao ver que minhas mãos formigavam sozinhas. — Ele não está aqui — Minha visão embaçada varria o quarto destruído.

 

A dor irradiante logo alcançou meus olhos e os fechou. Meu pescoço doía muito, como se um osso tivesse saído do lugar. Meus braços negavam fazer qualquer movimento, meu abdômen parecia uma extensão da dor nas costelas possivelmente destruídas. Os músculos da minha perna esquerda pareciam rasgados, enquanto todo meu corpo mantinha um padrão agonizante de dor. Sede e fome tomara conta de mim, trazendo uma dor de cabeça e enxaqueca, deixando-me com ânsia de vômito mesmo sem ter nada no estômago. Até minha aura fora pega pela exaustão. A magia nem ao menos se recarregava. 

 

Com dores nas pálpebras, eu consegui abrir os olhos. Meu corpo fora totalmente enfaixado, e minha perna direita estava coberta por um gesso. A sensação das chamas verdes queimando-a era vívida, o arder ainda se fazia presente.

 

Ficar assim depois de encarar um inimigo sempre fora um problema, então meu reservatório de energia precisava melhorar. Eu precisava encarar vários adversários ao mesmo tempo.

 

Como uma pessoa quase sem presença, Spectro vagava pela minha aura. Suspirei ao perceber o meu amigo vivo, por mais que faltasse mana para mantê-lo acordado. Depois de alguns minutos, consegui abrir os olhos novamente. Eu estava no porão da casa. Havia pedras para todos os lados, destroços, insetos, terra. Uma rachadura bem grande no teto, cuja mesma me impressionou por não ter visto antes. Aos poucos, o embaçamento liberava minha visão. Havia poucas nuvens no céu, e o sol parecia estar fraco hoje. Uma escada — ao meu ver, feita por Breaky — de pedras presas a parede parecia levar para fora da casa destruída. No chão, havia três panelas em um lado e vários frascos com líquidos verdes e pilões do outro. 

 

O silêncio era total. Uma sensação estranha invadiu meus sentimentos, como se eu desejasse algo e esse “algo” me desejasse.

 

Tentei me levantar devagar, mas uma dor estranha na coluna me disse que era melhor continuar deitado. Eu me afundei no colchão meio duro, até que passos vieram de cima. Pés surgiram no último degrau da escada, e um cheiro de batata cozida recém feita pairou pelo ar. Sairon desceu com dificuldade, seus olhos vermelhos demonstraram o mínimo de felicidade ao me encontrarem. Sairon possuía grandes olheiras, mas boa parte dos seus cortes já havia melhorado. Apesar de seu braço direito estar imóvel.

 

— Pensei que você tinha morrido.

 

— Ainda não — respondi, dando-lhe um falso sorriso. Não antes da árvore de pétalas rosas. — Onde estão os outros? 

 

— Pegando algumas frutas, ou tentando caçar — disse ele enquanto se aproximava. — Estávamos tentando permanecer vivos até que a carona chegasse, e esperar cinco dias exigiu um pouco de esforço.

 

Senti meu queixo baixar, e outra dor irritante apareceu em minha mandíbula. Droga, de boca seca e meu estômago barulhento.

 

— Eu preciso ir para o reino 7 — Falar alto trouxe um rasgar em minha garganta. — O rei precisa que eu esteja lá!

 

— E você vai como? Correndo? — Minha coluna me colocou na cama novamente. — No seu estado atual você sequer consegue levantar da cama, quem dirá confrontar o representante do rei dez — Sairon colocou a tigela de batata próxima as panelas.— Além do mais, Spectro está aí? Trea disse que ele se rastejou até você e não apareceu mais.

 

— Sim, mas vai ficar um bom tempo descansando.

 

— Ah, seus Voins voltaram. Estão lá fora há três dias.

 

Oh, ainda bem. Mais tarde.

 

Breaky desceu em seguida e lançou um olhar surpreso quando me viu acordado. Ele carregava uma pequena cesta com alguns peixes, cheiro-verde e pimenta. Breaky tinha marcas no braço esquerdo, parte do seu corpo também estava enfaixada. O grandão me cumprimentou com um fraco sorriso no rosto e colocou sua cesta próxima às panelas e a batata. Ele enfatizou que ficou preocupado ao ver Gina solicitar ingredientes difíceis de achar para tentar me manter vivo. Segundo ele, quando acordou, precisou coletar batatas-de-alegria para um anestésico. Sairon ficou razoavelmente sem jeito quando Breaky disse que ele foi o mais astuto para buscar o que Gina pedia. A destruição da casa tinha levado parte do que ela havia trago, mas, ainda assim, ela trabalhou incansavelmente para nos ajudar. 

 

Sem ela aqui eu, realmente, poderia estar em uma situação bem pior.

 

Gina e Trea foram as próximas a descer. Gina carregava uma garrafa de vidro com um estranho líquido amarelo e pareceu preocupada ao me ver. Ela correu até mim, enquanto Trea a observava. A menina da magia de luz tinha parte do olho coberta pelo seu cabelo, braços com diversos cortes roxos e um corte leve na testa. Ela parecia calma como nunca, seus olhos desprovidos de emoções colados em mim. Gina falou rápido em como não fazia sentido eu estar consciente e que iria demorar muito a ficar, pelo menos, cinquenta por cento. Me preocupei, claro, com a representação próxima, mas resolvi ignorar esse fato por hora.

 

Gina disse que o ferimento feito pela espada de Emeru na minha perna havia recuado no terceiro dia. Os vestígios de magia, conforme Gina, queriam derreter parte da minha coxa. De alguma forma, ela retardou o processo e pediu plantas mais distantes do que podíamos alcançar no momento. Trea se aproximou e disse que Sairon queria viajar cinquenta quilômetros mesmo à beira de desmaiar para conseguir a planta rara, mas a magia, sozinha, parou. Faime correu na escada e tropeçou, batendo o nariz contra o chão. Ele rapidamente se levantou e veio a mim, com lágrimas nos olhos dizendo que estava feliz por eu ter sobrevivido. Dando-lhe uma leve risada, eu disse que já havia apanhado muito em minhas aventuras também.

 

Não que tenha mudado.

 

Depois de parabenizar o menino por ter se esforçado, Rhiannon desceu as escadas com Cecília. Ela parecia a mais ferida de todos nós. Rhiannon acenou com a cabeça e me cumprimentou, enquanto Cecília demonstrava curiosidade com aqueles olhos vermelhos. Cecília tinha uma atadura especial na barriga, mas desviei o olhar assim que percebi a raiva crescer nela.

 

— Você foi surpreendente, Lumi — comentou Rhiannon enquanto puxava o livro do bolso de sua roupa. — Eu infelizmente usei pouco de um livro com tanto conhecimento quanto esse — Sua voz calma me trazia, de alguma forma, conforto. — Tem magias esplêndidas que exigem um controle extraordinário de magia. Creio eu que seriam úteis para ranks-S. 

 

— Esse livro fez Emeru atacar você — Cecília interrompeu. 

 

— Sim, é verdade. Nosso inimigo me acusou de usar magia antiga e me priorizou como alvo, mas usamos isso ao nosso favor na batalha. 

 

— Você… conseguiu ler ele? — perguntei.

 

— Não por completo, certos feitiços estão em uma escrita que vai além de tudo que conheço. Te peço para guardá-lo bem, se um inimigo tão poderoso quanto Emeru sabia, certamente outros também sabem.

 

Acenei em entendimento e Gina me entregou um copo com um líquido verde, o qual eu forçadamente bebi. Breaky se encostou na parede e disse:

 

— Talvez o idioma seja do reino zero. Pelo que sabemos em Elderer, havia um reino antigo capaz de conjurar feitiços inimagináveis. Feitiços que apenas os nível Caos tem poderes para tentar explorar. E, dentre todos que existiram, são os únicos que tentaram passar a magia adiante — Breaky suspirou. — Mas o que derrubaria pessoas que entendiam tudo sobre o uso da magia na aura?

 

— Nós chamamos de Reino da Verdade na Terra de Balnor — comentou Trea. — Para nós, era um lugar onde a paz habitava. Há diversos estudos de como ele acabou, mas os únicos vestígios encontrados foram sobre um único “alguém”.

 

— O rei zero, o qual teria alcançado o maior nível de aura — Sairon falou. — Se Emeru sabia sobre o feitiço que Rhiannon conseguiu usar, os Ritualista em breve preocuparão não só os reinos, mas todas as nações. 

 

Um ar pesado pairou sobre a sala, deixando-nos vários minutos em silêncio. Uma ansiedade forte tentava dominar os meu pensamentos. Se cada ritualista fosse tão forte assim… eles podiam a qualquer momento atacar com um pequeno grupo e levar um reino inteiro. A cada segundo que se passava, eu ouvia as batidas em meu coração. Onde eu estava com a cabeça? Essa gente era perigosa.

 

— Na última página do seu livro — Trea continuou. — há uma fênix. O símbolo é antigo, distante o suficiente para ser da era mística e irreconhecível atualmente. Ela tinha o poder de usar qualquer tipo de chamas como bem entendia e era capaz de reviver, ou trazer alguém de volta à vida, com o poder de suas cinzas. Conhecido como o ser místico mais poderoso que o dragão do criador — Todos ficaram perplexos com as informações, até que ela voltou a falar. — Talvez o criador do livro tenha estudado outros fluxos de energia.

 

— Fluxos além da mana conhecida. — completou Sairon.

 

Que porra de livro eu estava carregando? Será que o escudo e o bracelete também eram importantes assim?

 

O assunto seguiu por quase toda a tarde. E eu, infelizmente, só consegui beber três sucos medicinais. Sentindo-me mais disposto, eu finalmente sentei.

 

— A fronteira do reino um — Rhiannon disse. — Não há um cidadão de Balnor que não tema. Os impiedosos Laikys que comem carne humana… — Rhiannon parecia assustada, um leve tremor surgiu em seu corpo, e Cecília colocou as mãos em seus ombros. — Certamente há algo lá que pode responder algumas perguntas. Ouvimos falar de tantos artefatos, tanta energia incompreendida. Todos desejam, entretanto nem os fortes guerreiros se arriscam a ir. Como é lá? — Ela direcionou o olhar para mim.

 

Eu também gostaria de saber.

 

— Os reinos de Laum recebem poucas informações de lá — Sairon respondeu. — Eu sei que — Ele pausou, meu coração apertou. — todos os dias um mar de sangue pode ser visto. Somente guerreiros auroras tem permissão de, talvez, ir para lá. Pelo que me lembro da categorização de Balnor, é como se o mínimo para entrar no reino Um fosse estar acompanhado de, pelo menos, cinco ranks-A.

 

— Onde você conseguiu esse livro, Lumi? — Cecília perguntou, e todos olharam para mim.

 

Sentindo minhas bochechas queimarem, eu disse:

 

— Eu estou realmente faminto e com uma tremenda sede…

 

Breaky trouxe um prato com peixe e batata cozida para mim, enquanto Sairon pegou uma garrafa bem grande de água. Enfiei tudo que pude na boca, eu devia ter perdido cinco quilos nesses dias.

 

— Como você usou aquela espécie de corte flamejante? — perguntou Cecília.

 

— Pratiquei — respondi, ainda comendo.

 

— Você era o Sem Magia. E o goblin? Ele parecia mais que uma simples invocação. 

 

— É uma história complicada — Flashes de lembrança vieram à tona, trazendo-me o exato momento em que eu desmaiei. — A arma de Eme-

 

— No mesmo lugar em que caiu — respondeu Sairon. — Ninguém conseguiu tocá-la. 

 

— O que faremos com ela? 

 

— Balnor certamente irá adorar ter uma arma como essa em posse. Afinal, o território é dele — respondeu Cecília, um olhar de deboche caía sobre mim.

 

Após Sairon dizer que era justo, eu disse que queria olhar. Gina gritou comigo, dizendo que eu precisava descansar e tomar mais dezoito copos de líquido verde, mas eu disse que só queria ver a arma. Faime começou a fazer a fogueira, e eu me retirei com uma muleta e a ajuda de Breaky. A brisa bateu em meu peito e puxei todo o ar que pude, o lindo céu estrelado novamente roubava minha atenção. A arena tinha diversos cortes e cinzas, troncos queimados e buracos no chão. Ao longe, árvores haviam sido cortadas e vários animais pareciam me observar através de arbustos cobertos por vaga-lumes.

 

O Olhar da Aura estava inoperante. A espada ardia em chamas no meio de todo esse cenário, as chamas verdes continuavam a me trazer uma sensação familiar. Ou talvez não fosse para mim. Acelerei o passo com a muleta, mas meu mundo começou a girar- Forcei o chão para me manter de pé. Eu sentia a espada me querer… eu precisava alcançar ela. Um som na moita chamou minha atenção, e um macaco veio balançando uma faca. Dei um tapa em sua cabeça. Ele caiu e começou a correr, e eu coloquei a faca na ponta da muleta. Me aproximei do fogo da espada enorme e curvada que permanecera intacta. Era incrível. Um núcleo como a pedra, uma magia densa e poderosa. 

 

Minha mão involuntariamente quase a tocou.

 

Era doidera. Não.

 

Spectro ia adorar.

 

Eu iria tocar sim.

 

Aproximei minha mão aberta do fogo. Simplesmente o dano era nulo. Atravessei minha mão pelas chamas e finalmente toquei no metal quente. O chão se tornou líquido, e eu comecei a afundar. Larguei a muleta no chão e puxei o máximo de ar que pude enquanto, desesperadamente, buscava segurar em alguma coisa. O ar tomava conta do meu corpo e uma fumaça verde apareceu. Por um momento, eu ouvi a espada rir. Eu gritei, mas minha voz nunca saiu da minha garganta. Quando o chão finalmente alcançou o meu pescoço, eu ouvi ela me chamar de baixo. Então deixei-me ir…

 

E o meu corpo afundou em uma espécie de fumaça.

 

 

 

 



Comentários