Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 3

Capítulo 45: Apenas três



O silêncio tomou conta do lugar, meus batimentos cardíacos alcançaram os meus ouvidos. Armas foram desembainhadas na sala principal, mas eu me mantive no quarto. De repente, a mosqueteira na cama balançou, e meus olhos foram sagazes em encontrar uma pequena janela aberta no alto do quarto. Eu podia ver claramente a luz por ela. Com passos lentos e leves, eu me aproximei. O ranger da madeira trouxe um leve tremor às minhas pernas, logo levei minha mão para o pomo da espada. Eu sabia que podia enfrentar diversos monstros, por mais fortes que fossem, mas olhar para fora, para aquela mísera passagem de ar, trazia a mesma sensação que vinha da pedra de onde Spectro veio.

 

A sensação de um goblin que certamente seria um perigo.

 

Na ponta dos pés, eu ergui o meu queixo. O milharal balançava com as leves brisas de ar, os espantalhos medonhos ainda estavam ali parados. Mas a sensação de ser observado me atingiu com força, e eu recuei em passos rápidos com meu olhar fixo na janela. Spectro se preparou para sair, mas o instrui a esperar mais um tempo. Voltei à sala principal e fui recebido com muitos olhares surpresos. Todos estavam com as armas nas mãos. Rhiannon cerrou os olhos ao olhar pela grande janela, enquanto Sairon se aproximava de mim. 

 

— Talvez um de nós- — Rhiannon foi interrompida quando passos externos surgiram.

 

Lentos e sem ritmo, eles se aproximavam da casa. Cecília deu um largo sorriso, sua grande espada curvada em suas mãos. Ela andou para próximo a porta, mas Rhiannon sinalizou para que esperasse. Gina tomou minha traseira, enquanto Faime ficou do meu lado. Porém eu me aproximei da janela e acrescentei o mínimo de mana em meus olhos. Era um corpo irregular, como se fosse feito de palha e restos de monstros. Sua cabeça era inteiramente de palha, seus olhos de vidro agora emitiam vida e um garfo do diabo jazia em suas mãos. Eu sabia, os espantalhos eram a causa do desaparecimento dos aventureiros. Faime e Gina apertaram meus braços e, por um momento, eu me assustei. 

 

Cecília tentou novamente sair, mas Rhiannon segurou seu braço. Trea, inexpressiva até o momento, se aproximou da janela. Logo um outro espantalho surgiu do milharal, e mais um apareceu atrás dele. Os três se reuniram e abriram os braços, formando uma espécie de triângulo. Eles se moviam bem devagar, ou apenas estávamos camuflados o suficiente. Eu queria lutar contra eles. 

 

— Eles têm vida? — sussurrou Trea. — Podem ser invocações — Trea lançou um olhar a todos, mas seus olhos pararam nos meus. — O maior problema é quem os controla.

 

Por um longo tempo, ficamos em silêncio, até Sairon finalmente falar:

 

— Vamos aguardar, haviam espantalhos em excesso por lá — Ele pausou. — E se o invocador estiver próximo, de nada adiantaria matá-los.

 

Foi quando o uivar do vento veio com força, e os espantalhos olharam para cima. Os olhos de vidro brilharam em verde e um tipo de grito fino e monstruoso — na mesma medida desconfortável — ecoou pela sala. Pequenas esferas de energia verde saíram do corpo deles e circulam pelo ar. O que era aquilo? 

 

— É uma ótima oportunidade para praticar — disse Spectro através da minha aura. — Espantalhos, briga. Não é como se pudessem nos vencer, certo?

 

Acenando com a cabeça em concordância, eu me aproximei da janela. Sairon ficou ao meu lado, seu olhar tranquilo na lateral do meu rosto enquanto eu encarava o cenário afora. Era uma boa oportunidade, se eu realmente queria vencer o Grannus. Então…

 

— Pensou em alguma estraté-

 

Me lancei através do vidro e aterrissei de pé na frente dos três seres de palha. Seus olhos medonhos me encontraram e eles caíram em risada. O vento estava muito mais forte do que parecia, e as esferas verdes flutuantes voltaram para os corpos deles. Dei um largo sorriso e estalei meus punhos, era a chance perfeita de me preparar para a luta contra o Miguel. Mesmo que Sairon estivesse me xingando, os gritos de apoio de Cecília se destacaram. O primeiro espantalho apontou o garfo do diabo para mim e abriu sua boca que continha dentes quebrados e moscas. Quem em sã consciência pensaria em alguma invocação assim? Como esses poderes funcionavam?

 

Quem se importava? Eram apenas espantalhos.

 

O primeiro correu em minha direção, seu garfo de diabo vinha no meu peito, mas apenas dei um passo para trás e segurei sua arma. Em seguida, afundei meu punho contra o nariz de palha e levei sua cabeça ao chão, esmagando tudo junto aos olhos de vidro. O segundo veio às pressas pelas minhas costas, porém os passos pesados na terra o entregaram. Spectro gritou, disse que ia sair, eu podia sentir sua vontade de lutar crescer, mas neguei seu pedido. Levantei em um giro, meu calcanhar direito tocou a lateral do espantalho com tanta velocidade que sua cabeça se desfez, e seu corpo impotente caiu no chão. O último deles, de alguma forma, estava hesitante. Ele abriu os braços e pulou para cima de mim, mas foi recebido com um chute frontal que o deixou com as costas no chão, e logo segurei suas pernas e esmaguei a cabeça dele com uma pisada.

 

Sairon pulou pela janela, seus olhos vermelhos colados no meu rosto. Seu lábio estava para baixo, suas sobrancelhas levemente franzidas. 

 

— Você foi um completo imprudente! — gritou ele. — Sete meses de treino, quase morreu envenenado e, ainda assim, conseguiu agir sem a mínima furtividade para uma missão dessas! 

 

— O problema foi resolvido! — exclamei, e ficamos um de frente para o outro. — Eram apenas três espantalhos, Sairon, não eram perigo algum para nenhum de nós!

 

— Para quem pode olhar o Olhar da Aura você certamente é muito desatento! — Estranhamente a sensação de ser observado voltou, e eu desviei meus olhos de Sairon para olhar ao redor. — O problema acabou mesmo, Lumi?

 

Breaky saiu da casa, seus olhos cansados e fixos no milharal ao redor, quase como se estivessem sobre tensão. Foi quando me deparei com dezenas de auras esverdeadas se aproximando, cada uma trazia consigo a risada demoníaca dos espantalhos que eu derrubara.

 

— Vem problema — sussurrou Breaky. — Você não devia ter os visto, Lumi? — Seu olhar me fez engolir seco, porque eu sabia que ele acreditava em mim, no meu poder de nos tirar de situações como essas. 

 

— É disso que eu estava falando! — Cecília deu um largo sorriso e desembainhou sua enorme espada curvada, logo pulou a janela e tomou a frente. — Até que você é interessante, menino de Karin.

 

Não era minha intenção, eu-

 

Rhiannon e Trea vieram atrás de Cecília, enquanto Gina e Faime vinham atrás deles. Muitas auras se aproximavam, eu havia perdido a conta depois da vigésima. Era tanto poder, eu queria sugá-lo. Eu senti como se eu realmente pudesse. Dezenas de espantalhos saíram do milharal, alguns com as mãos nuas, outros com garfos do diabo, e todos com uma carga de aura verde. Gina deu um passo para trás, mas logo pegou seu cajado e se recompôs. Faime tremia sem parar, e Rhiannon e Trea mantinham uma calma sem igual. Sairon e Breaky estavam perto de mim, e a doida da Cecília estava quase partindo para cima deles. Diferente do controle de Gerould com os bonecos de madeira, cada espantalho era sua própria fonte de energia. Quem dera Spectro fosse assim também.

 

— Ei-

 

— Lumi — disse Sairon. — Você consegue ver o núcleo?

 

— Nada, mas sinto uma presença forte aqui — pausei, meu olhar nos espantalhos que se aproximavam. — A chance de ser ele não é ruim. 

 

— A energia é idêntica a da pedra, Lumi! — disse Spectro. — Eu posso sentir.

 

— Será que-

 

Cecília avançou contra o primeiro deles, levou sua espada para o alto e, com um largo sorriso maníaco, partiu o espantalho em dois. No mesmo instante, todos os outros começaram a atacar.

 

— Eu posso fazer isso com todos! 

 

Rhiannon uniu as palmas das mãos e fechou os olhos. Uma energia azul clara, como água cristalina, circulou suas mãos, braços e pernas. Enquanto sua magia estranhamente tomava forma ao seu redor, Trea golpeava os espantalhos que tentavam se aproximar com uma velocidade difícil para os meus olhos acompanharem. Sairon saltou para mais de três metros acima e carregou suas adagas com sua densa aura vermelha, logo usou uma explosão de aura ao tocar o chão, fazendo vários deles voarem. Breaky usou a terra nos ataques de sua espada, cada acerto dele criava estacas de seu elemento que perfuravam um ou dois inimigos a mais. 

 

Por mais que eu tivesse passado meses em treino com esses dois, meu queixo havia caído. 

 

A magia que Rhiannon liberou se transformou em muitas espadas mágicas que flutuaram ao seu redor. Ela direcionou com o braço direito para a direção dos espantalhos, e várias das armas os perfuraram. Gina alternava entre seu cajado com rajadas de energia leve e sua espada, enquanto Faime dava a vida para derrubar um inimigo. 

 

— Me deixe atacar! — Spectro grunhiu na minha aura. — Eu posso achar a fonte de energia e acabar com isso!

 

— Precisamos pensar, Spectro! — falei enquanto sacava uma das espadas, meus olhos desfocados em meio a tantos inimigos se aproximando. — Eu tenho pouca energia, e o duelo apenas começou — Segurei a espada com as duas mãos e posicionei as pernas. — Eu sei o que a pedra era pra você… E eu prometo — Com um corte rápido, eu arranquei os braços do primeiro espantalho. — Nós vamos encontrar essa fonte de poder. 

 

Arte de uma espada. 

 

Enfiei minha lâmina no pescoço do inimigo e rapidamente a tirei e girei ao lado das minhas costelas, acertando o alvo atrás de mim. Antes dos outros chegarem, segurei o espantalho espetado e subi em seus ombros, me lançando para cima. Carreguei um pouco de energia em meus braços e pernas e aterrissei enquanto girava. Um ou dois ataques eram o suficiente para derrubá-los, mas parecia estar longe do fim. Durante a luta, procurei qualquer vestígio de onde a fonte de poder — essa pessoa controladora — pudesse estar, mas toda vez que eu tentava ver mais de dez metros à frente, minha visão era barrada por outra onda de espantalhos.

 

Queria me manter aqui?

 

Foi quando um grito ecoou pelo lugar, levando a força a minha atenção. Faime havia disparado uma fraca rajada de mana, mas suas costas foram perfuradas por um garfo do diabo, e o elfo, em lágrimas, caiu de joelhos. Um sistema nostálgico alcançou meu peito, e toda a mana que eu havia liberado tinha ido para as pernas. Então, eu disparei. Gina jogou seu corpo contra o espantalho que perfurou o amigo, mas ela levou um chute na traseira do joelho e caiu no chão. O inimigo levantou a arma, pronto para perfurar o corpo dela no chão. Parecia que o meu coração ia sair pela boca, ainda restavam dez metros para eu alcançá-los.

 

Que droga, eu deveria ter mais energia para ataque em áreas!

 

Quando o garfo do diabo ficou a um centímetro das costas de Gina, o meu mundo parou. Eu vi lentamente correntes vermelhas se formarem e perfurarem cada inimigo ao redor dela. Todos ficaram pendurados, apesar de vivos. Sairon estava longe, mas seu olhar carregava uma concentração maior do que a minha em meditação. Ele sempre fora bom em criar correntes a partir da mana, mas isso foi demais. Parei de correr um único momento e Rhiannon tomou a traseira de Sairon, protegendo-o com suas variadas armas mágicas e flutuantes. Trea fez o mesmo, sua velocidade era tanta que eu nem podia contar os espantalhos derrubados por ela. Os olhos vermelhos de Sairon, carregados de mana e fúria, fixaram-se em mim.

 

— Lumi! — gritou ele. — Foque-se na sua luta!

 

Corri para perto de Breaky, e, pela rápida brecha que Trea abriu, Faime e Gina correram para perto de mim. Minhas mãos formigaram, lembranças de Cirlan tomavam conta da minha mente. Balancei a cabeça, limpei o suor da testa e olhei para Breaky:

 

— Vamos ficar juntos! — Falei, e ele concordou com a cabeça. 

 

Os minutos foram se passando, e nós fomos cansando. O número de espantalhos era consideravelmente menor, e o meu aprendizado era relativamente maior. Com uma espada eu conseguia dançar entre eles, mas porque eu tinha o suporte de Breaky e as rajadas de Gina. Ficar entre tantos deles me dava uma quantidade imensa de pontos cegos que, para mim, eram impossíveis de se corrigir sozinho. Meu físico treinado me permitiu durar bastante nessa batalha, porém recebi leves cortes no decorrer. Diferente dos outros, que cobriram seus corpos com mana, eu optava por usar apenas em momentos críticos. Eu certamente queria entender o porquê de muita coisa relacionada a minha pouca afinidade, mas esse era um mau momento. 

 

Os corpos agora continham o mínimo de energia verde, seus reflexos estavam muito mais lentos do que antes. Uma pequena e quase invisível linha de vestígios foi pega no meu Olhar da Aura. 

 

Ofegante e suado, finalmente baixei a espada. Rhiannon atravessou o corpo do último espantalho com seu braço. Deixe-me suspirar, a batalha havia sido um pouco exaustiva. Breaky e Cecília estavam procurando por mais deles, cortando o milharal com suas espadas embutidas de magia. Até que uma brisa de vento carregada de magia fez meus cabelos balançarem, e o meu corpo gelou quando o horizonte manteve minha visão nele. 

 

— Vamos voltar e descansar antes que mais deles apareçam — disse Rhiannon, e Sairon concordou.

 

Mas não iria acontecer.

 

Cecília queimou os corpos que estavam aqui, e Faime parecia traumatizado o suficiente para fazer mais alguma coisa. Gina se aproximou de mim, eu podia vê-la no canto da minha visão, mas, por algum motivo, não consegui tirar meus olhos do que estava por vir.

 

— Algum problem-

 

— Ainda não acabou — falei, pude sentir cada olhar se fixar em mim.

 

— O que quer dizer com isso? — questionou Rhiannon. — Sua habilidade no olhar permite que vislumbre energias internas? — Ela me encarou, seu olhar calmo.

 

A aura verde veio de longe como uma tsunami em alto mar. Tamanho poder fez todos se desestabilizarem. Meu coração batia em um ritmo muito acelerado, e um sorriso se formava nos meus lábios. Se era de medo, emoção, ou se eu estava apenas ficando maluco, eu não sabia, mas era um sorriso sádico e genuíno. 

 

— Eu sabia — disse Spectro. — A pedra está aqui, Lumi, a pedra está aqui!

 

A pedra era por si só uma fonte de poder misteriosa, mas ela caiu nos fins mais escuros de uma Alrofy, onde nem mesmo as tropas do Reino Dez conseguiram achar. Então o quão forte alguém precisaria ser para portar tal item?

 

O milharal ardeu em chamas verdes, e o calor chegou rapidamente até mim. Todos ficaram a postos novamente, mas eu me mantive estático. Ele era dos fortes, Lumi, por que você estava sorrindo mesmo com o sangue quente escorrendo da sua testa? 

 

As plantações viraram cinzas em questão de segundos. Parecia que ele gostava de lutar em grandes espaços. Atencioso. Até que finalmente a fumaça se esvaiu, trazendo o cenário de um único ser parado no meio de um ambiente onde havia apenas chamas e cinzas. Ele então abriu os braços, enquanto a curiosidade e ansiedade de Spectro cresciam dentro de mim. Eu não via a pedra nele, mas via algo pior. Até que suas palavras tiraram-me dos meus pensamentos, e eu senti uma gota de suor escorrer lentamente pelo meu rosto.

 

— Eu estive a sua procura, Kai.





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