Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 37: Fio do destino

Alguns dias se passaram desde que Sairon enviou seu Voin a Tera para solicitar carruagens e carroças. Levantei devagar e apoiei minhas costas na árvore, puxei meu fino coberto de pano e observei as pessoas entrarem nas belas carroças de madeira clara. Nos poucos dias em que ficamos aqui, mantivemos as pessoas unidas nesse espaçamento dentro da floresta, que, aparentemente, era bem longe da alrofy. Alatar e Rona fizeram rondas sozinhos por toda a área, e por mais que Breaky e Elizabeth quisessem quebrar as regras e ajudá-los, eles negaram. Sairon foi a exceção, ele podia, porém estava abalado pelo luto de perder a irmã e o próprio batalhão.

 

Alatar fracionou a pouca comida que arrumamos e Rona trouxe água limpa, por isso conseguimos sobreviver sem dificuldade; com exceção do frio. Aos poucos, minhas feridas saravam, por mais que dormir no frio e no chão duro fosse imensamente desconfortável. O Voin assustador de Lotier ficou em cima da árvore, estático, por quatro dias. Me arrisquei a pensar que ele estava morto, mas ele rapidamente avançou contra um esquilo de seis olhos e o devorou sem dó. Assustado, resolvi esquecer um pouco dele. 

 

Alatar colocou a mão em minha cabeça e me chamou para subir na carroça. Fiquei na última a pedido dele, para caso alguma criatura passasse despercebida e tentasse atacar as pessoas. Minha habilidade de enxergar auras estava prejudicada, eu ainda era incapaz de acessar minha magia. Doía muito, o fluxo falhava no meio do caminho. Era como se minha aura se recusasse a colaborar comigo. A viagem levou quatro dias, mas foram noites de paz; menos com aqueles mosquitos desgraçados que achavam que meus ouvidos eram cavernas. Falei com Ellie sobre ter dificuldade para usar o meu poder, ela resolveu falar sobre a teoria da luta de espadas. Perguntei sobre outras artes de outras armas e, para minha sorte, ela me contou tudo. Eu mal dominava o estilo uma espada, mas já queria comprar um martelo de duzentos quilos para amassar meus inimigos.

 

O povo estava com uma cara melhor, a energia ambiente parecia mais positiva. Foi quando chegamos aos grandes portões de Tera. Haviam enormes fazendas nos dois lados da trilha em que estávamos, infinitas plantações coloridas tomavam conta através das lindas cercas brancas. Uma área imensa foi designada para girassóis, outra para flores carnívoras e gigantes… Tinha variedade aqui. Os raios de sol vinham de trás do enorme castelo que mesmo através das enormes muralhas brancas podíamos ver. Em cima dos muros, havia muitos guardas com armaduras de prata, ouro ou magia. Todos seguravam uma arma que carregava assinatura de mana. À medida em que nos aproximávamos do portão, seus olhos afiados cravaram-se nas carroças. 

 

Nós pegamos a trilha da esquerda e nos afastamos um pouco da muralha, até chegar em uma área aberta perto de um lago. Alatar, Rona e Sairon reuniram os grupos — que ainda estavam bem machucados — e ordenaram que nós protegêssemos eles até que conseguissem falar com o rei de Tera e o general Wade para decidir o que fazer com o povo abandonado; além de levarem Letholdus, que fora acorrentado e se calou desde que foi pego. Concordamos, e eles logo se foram. O céu estava limpo, o que foi um alívio, já que seria impossível chover. As pessoas colocaram panos pelo chão e se espalharam na área que nos foi posta sob proteção. Bruno, Elizabeth e Breaky foram os primeiros a fazer a ronda. Pelo que disseram, Tera era perigo de nível oito, porém acontecia em épocas. Com o resto do meu poder de ver auras, vasculhei a área como pude. Aparentemente estava limpa, mas precisei parar pela dor ocasionada nos meus olhos. 

 

Ellie me ensinou movimentos com a espada, em específico, técnicas que ela mesma considerava crucial para dominar o estilo. Como sempre, ela era incrível. Eu queria estar a altura. O pai dela podia querer me matar se descobrisse? Não seria bem visto pelos nobres. Consegui colocar em prática quase tudo que conversamos nas noites de viagem, mas minha cabeça estava em outro lugar, me focar parecia muito difícil.

 

Eu também estava de luto. Estava com saudade do Spectro.

 

Andei próximo a enorme muralha — que cercava a cidade inteira — com detalhes amarelos e cheio de guardas e cheguei no portão principal, era pelo menos três vezes maior que o de Karin. Havia constante fluxo de comerciantes, animais e carroças, então foi bem fácil me infiltrar; apenas entrei embaixo de uma carruagem e agarrei na madeira, o único problema é que foi na madeira da roda. Mas tudo bem. 

 

O lugar era simplesmente incrível. As casas tinham cores, o chão de paralelepido era repleto de símbolos, o castelo no centro da cidade e a muralha ao seu redor podiam ser vistos mesmo daqui. Segurança dupla. Pessoas andavam apressadamente para todos os lados, aventureiros buscavam membros para sair em expedições. Com meu traje rasgado e sem nenhuma arma, consegui passar bem despercebido, nem mesmo os guardas se deram o trabalho de me olhar. Entrei na primeira loja de roupas que vi. Eu podia dizer que foi um erro. O atendente e duas moças elogiaram meu abdômen e meu peitoral, minhas bochechas arderam em chamas. Peguei uma calça preta e uma camiseta, as mais baratas, e saí da loja. Meus itens agora se resumiam ao bracelete de magia vermelha e misteriosa, ao escudo de metal que eu nem sequer tentei usar e ao livro de tipos variados de magia. Ou seja, eu precisava de armas. 

 

Visitei várias lojas. Eu podia dizer que a variedade aqui era imensa. Havia tipos de armadura que eu jamais vira, armas que na minha cabeça não faziam sentido. A sessão de armas encantadas foi a que mais chamou a minha atenção, mas o preço era absurdo. Machado de chamas: cem moedas de ouro. Lança de água: sessenta moedas de ouro. Armadura de aura por ativação: setenta moedas de ouro. Tinha para mana e para quase todos os elementos, com exceção do raio. Eu nem sabia que as pessoas podiam dominar o raio. Quando perguntei, disseram que talvez um nível Caos conseguisse.

 

Passei pelas ruas chiques, repletas de lojas e barracas, e cheguei na praça da cidade. Aventureiros — que pareciam mais experientes — estavam em frente a enormes estátuas de prata. Me aproximei e pude ver que eram estátuas dos guerreiros de nível Caos do país. Era incrível. Guerreiros grandes e fortes, cada um com uma arma que parecia impossível de segurar, elementos e magias únicas. Tera realmente sabia prestigiar. Fiquei um tempo admirando cada uma, até chegar na estátua feita de ouro. Gilmour, O Grande Primeiro Rei. Meu coração acelerou ao ver a estátua do homem mais forte do país, que cuidava do reino mais perto da Fronteira. Como deveria ser lá para ser tão temida assim? 

 

Voltei minha atenção para a Grande Biblioteca de Tera e resolvi andar até a porta da frente. As janelas de vidro iam do chão ao teto, havia prateleiras de livros, seção de pesquisa e- Uma mulher loira saiu e todos ao redor se curvaram perante à ela. Um vestido azul que ia até os joelhos, um corpete marrom com quatro botões dourados, um casaco amarelo que combinava com os seus cabelos, brincos e uma tiara de ouro reluzente. Ela olhou confusa para mim, mas quando ouvi sussurros dizerem que ela era a princesa eu rapidamente me curvei. Ela andou até mim em passos lentos e cutucou minha nuca.

 

— Quero que você se curve mais. Por que me encarou?

 

Sem paciência, eu me levantei e passei por ela. As pessoas olharam assustadas, boa parte dos queixos foram ao chão. A princesa entrou na minha frente e me encarou, seus olhos azuis bem perto dos meus. 

 

— Você não me ouviu? 

 

Dei meia volta. Talvez eu possa ir à biblioteca outro dia. Já tinha problema com um príncipe, não precisa ter com outro da realeza. Por azar meu ou conspiração do destino, eu ouvi o salto alto dela bater no chão logo atrás de mim.

 

— Você é mesmo o menino dos jornais? O que estava no dia do minotauro? 

 

— Sim, Alteza. 

 

— Sua aparência exibia a de um psicopata nas capas. Preciso que você venha comigo.

 

— Pode me dizer ao menos o seu nome?

 

— Sou Mabelly, a princesa de Tera. Não posso dizer que é um prazer te conhecer, seu líder comentou que você estaria vasculhando a cidade.

 

Alatar imaginou que eu sairia de lá?

 

— O que deseja, Alteza? 

 

— Tem uma pessoa que te aguarda a mais tempo do que você possa imaginar. Agora, cale a boca e me acompanhe, a não ser que você possa usar magia. — Suspirei em derrota e a segui. 

 

Chegamos nos grandes portões de metal que ligavam diretamente ao castelo. O ranger trouxe um desconforto aos meus ouvidos quando foi aberto, e todos os guardas que estavam presentes se curavam instantaneamente para Mabelly. 

 

— Princes-

 

— Senhorita Cateline deseja vê-lo. 

 

— Se me permite, Alteza, o que um sem magia tem a oferecer a tão amada realeza? — disse o guarda que parecia capitão, seu olhar de nojo em mim.

 

— Eu também gostaria de saber — respondeu Mabelly sem o menor interesse.

 

Depois de passarmos pelo primeiro portão, a única entrada das muralhas internas, cruzamos um lindo quintal rico em flores, com pelo menos cinco caminhos de paralelepípedos de tijolos azuis. Era como se dentro da muralha houvesse uma cidade, e dentro da muralha interior houvesse uma cidade menor. Vários empregados, que vestiam roupas bem mais chiques que a minha, passaram por nós, aparentemente evitando lançar seus olhares preocupados diretamente a mim. Pequenas casas estavam espalhadas pela área, e pequenas tropas de guardas circulavam. Na porta para dentro do castelo, havia quatro guardas de lança e armadura dourada. Mabelly sinalizou para abrirem a porta e entramos no corredor de tapete vermelho com inúmeros quadros e artefatos em estantes. A cada dez passos havia um lustre que iluminava o local com um brilho amarelo à base de mana.

 

Um grupo de três homens e quatro mulheres estava vindo em nossa direção. Dei uma rápida olhada para Mabelly. Ela manteve o olhar focado na frente, mas percebi suas bochechas vermelhas. Foi quando o homem de terno vermelho, que tinha o braço em volta da mulher de vestido loiro, parou e nos encarou. Mabelly colocou a mão no meu peito e nos fez parar, tomando a frente. 

 

— Um traje como este traz muita vergonha a nossa querida princesa, espero que você ao menos possa satisfazê-la na cama — disse o homem, fazendo Mabelly franzir as sobrancelhas. — Uma pessoa inferior como você não devia pisar no castelo real, ainda mais com uma veste ultrajante como esta. 

 

— Perdoe-

 

— Eu não lhe dei permissão para falar. 

 

Respira, Lumi. Só respira.

 

— Você ousa me encara-

 

— Bart, creio que deixar o convidado da senhorita Cateline assim, e tratá-lo desta maneira, pode ocasionar em um rebaixamento do seu cargo. Você não gostaria disso, não é?

 

O grupo de Bart engoliu seco, enquanto o nobre arrogante deu seu melhor para esconder sua raiva. Poucas veias ficaram visíveis em sua testa, mas ele disse com um escárnio:

 

— Minha mente estava distraída com o primeiro lugar no torneio, acabei me preocupando com o peixe pequeno ao invés do príncipe Miguel — eles gargalharam e seguiram em frente.

 

— Você devia ter roupas melhores — sussurrou Mabelly.

 

— Eu vim de uma missão, alteza.

 

Subimos escadas que tinham um corrimão de madeira clara, próximo a cor dourada, até chegarmos a um refeitório maior do que a minha casa na fazenda, com uma variedade de mesas e pelo menos três portas que acreditei que levasse a três cozinhas diferentes. Admirado com o lugar, senti um puxão forte no meu braço, que quase me derrubou, e voltei a andar. Depois de andarmos por mais uns dez minutos, entramos na área de quartos. Cada porta aqui era muito bem adornada, mas a que mais me chamou atenção era a que continha cristais verdes. 

 

Mabelly tocou o cristal verde e a porta inteira brilhou, fazendo com que ela abrisse para os dois lados. Fiquei de queixo caído quando vi o interior do quarto. Um lustre completamente mágico, uma mesa de madeira polida, um sofá com um tom de marrom maravilhoso e uma… uma senhora me encarando com um sorriso calmo com o queixo apoiado em cima de um cajado real. 

 

— Sejam bem-vindos — disse ela, seu tom leve e gentil. — E, por favor, sentem-se. 

 

— Obrigado pela gentileza — falei, e logo segui Mabelly, sentando ao lado dela. 

 

O sofá era tão macio que diversos pensamentos de “como seria bom dormir aqui assim” vieram. 

 

— Por que queria que eu trouxesse ele aqui, vó? Foi muito constrangedor. 

 

Cateline me olhou, depois para Mabelly, e logo disse:

 

— Mabelly, querida, deixe nosso convidado falar primeiro — O rosto da princesa se emburrou.

 

— Mabelly diss- — ponderei, formulando a pergunta. — Como me espera há anos se… se o minotauro atacou Karin a sete meses? 

 

— Creio que eu possa satisfazer outras de suas dúvidas, outras que devem receber prioridade. Como, por exemplo, o fato de sua aura não reagir desde a perda dele.

 

Meu coração acelerou e senti meu olhar baixar. Meu olhar, assustado, encontrou o dela, que estava confiante com um leve sorriso gentil estampado no rosto. Ela estava se referindo ao Spectro? Ignorando o pesar no peito, eu deixei ela continuar. 

 

— Tem fatos que, como uma vidente, eu sinto que devo lhe contar, mesmo que haja riscos do futuro se modificar. Já outros, diferentes pela raiz do ser, você precisa de um norte a seguir.

 

— Estou ouvindo — falei, inclinando para frente. A princesa mostrou-se estar confusa.

 

— Mabelly, pode se retirar e entregar um recado ao seu pai para mim? — Mabelly se levantou e me encarou, logo olhou para Cateline. — Diga que estarei um pouquinho ocupada em uma sessão especial.

 

A princesa confirmou com um aceno e saiu da sala, deixando-me sozinho com a vidente. Os olhos de Cateline brilharam um pouco, a aura ao redor do seu corpo era diferente de qualquer uma que eu já tivesse visto antes, como se o seu poder manipulasse e pudesse ser algo maior. Os lustres de mana começaram a piscar, a mana ambiente começou a recuar. Percebendo minha surpresa, ela deu um sorriso, e logo começou a falar.

 

— O caminho que você segue está repleto de incertezas, cujas ações podem trazer o caos e a dor ou o desespero e o glamour. No meio do desespero, deve focar em si, pois sua ajuda virá do interior — A voz? Ela iria voltar? — Você precisa ter atenção quando for usar a sua magia, pois apenas um toque no que não deve ser tocado pode atrair a atenção de quem quer a sua cabeça. 

 

Meu coração batia tão forte que parecia que ia sair pela boca. 

 

— Eu-eu sou realmente relevante nisso tudo? — falei, uma gota de suor frio escorrendo.

 

— Isso não sou eu quem vou decidir, garoto. O último conselho eu não deveria lhe fornecer, porém é uma aposta minha — Engoli seco, eu podia ouvir o sangue latejar no meu ouvido. — Você deve estar atento, com a sua vida, a árvore de pétalas rosas. Ela me mostra tanto, com uma infinidade ardente e suave sem igual, mas quando eu a ligo a você…

 

— O que? Como assim ligar a mim? Isso tem haver com eu não conseguir usar a mana que tanto demorei pra acessar? 

 

— Ouça, Lumi Kai! Esteja atento à árvore — O ar ficou agitado, sua voz veio com mais força, modificada pela magia. Os pelos do meu corpo arrepiaram.

 

— Ela marca algum desses eventos importantes? Eu só estou mais confuso!

 

— Sim, ela marca. De fato ela marca — O ar se acalmou, a aura cessou e seus olhos voltaram ao normal. Ela encarou a mesa, seu olhar confuso. 

 

Um silêncio desconfortável tomou conta do lugar por vários minutos. Eu ouvia com clareza o meu coração agitado, minhas pernas tremiam sem parar. Minhas mãos suaram e eu tomei um susto quando ela finalmente, me encarando, falou:

 

— Ela marca o dia em que você vai morrer. 

 



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