Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 38: Nos vemos lá

Os portões do castelo se fecharam atrás de mim. Desde que ela deu a notícia, a visão que teve, eu me mantive quieto. Não porque eu queria, mas, pra mim, era impossível processar o que acabei de ouvir. Meus passos eram lentos, quase arrastados, meu rosto queria parar e se encolher em algum canto, fingir que nada disso era real. Uma gota, duas. As nuvens escura bloquearam a linda visão do céu. Quando elas chegaram aí? Meus braços e pernas estavam rígidos, minha visão focou em nada. 

 

As pessoas correram para as casas, pros comércios. Os restaurantes abriram agilmente as lonas, mas a chuva apertava cada vez mais. De repente, minha visão embaçou. Seria poeira? Nessa chuva tão bonita… Eu estava chorando? 

 

Eu vou morrer?

 

Minhas pernas começaram a tremer quando lembranças da minha família vieram à tona. Kanro sorria abertamente, como de costume, enquanto erguia Emy em seus braços. Amice lançou seu olhar sempre amável para eles. Emy gargalhava de rir. Eu queria ficar com eles, eu não queria ir embora. Minha visão embaçou de modo que eu enxergasse bem pouco, até que, com o tremor das pernas, eu caí de joelhos, e trovões tomaram conta dos céus. Eu deveria tentar sorrir, eu tinha tantos motivos para isso. Um fraco sorriso escapou, mas mesmo com a chuva eu senti o salgado das lágrimas alcançarem os meus lábios. O vento frio trouxe um arrepio por todo o meu corpo, eu ainda estava paralisado no chão. A chuva parecia sem fim, como a escuridão que me corrompia.

 

Amanda e Airo se sentiram assim antes de partir? Cacele e Kaled se sentiram assim ao perder Cirlan? Eu devia tudo a eles…

 

Não queria perder tudo. Um desconforto alcançou o meu peito e eu arrastei minhas mãos no chão. Meu corpo inteiro começou a tremer. Eu não aguento mais isso, eu só queria desistir! Deixei um grito ecoar, ninguém iria ouvi-lo mesmo. Coloquei as mãos em meu peito, enquanto só deixava tudo sair. Eu só queria viver em paz, droga

 

Se Spectro estivesse aqui…

 

Foi quando passos próximos surgiram, mas pela chuva era difícil identificar quem era. Isso importava? A pessoa se aproximou lentamente, até que seu guarda-chuva me protegeu da chuva e eu finalmente pude ver. Limpei meus olhos para ter certeza e vi aqueles lindos olhos verdes, que estavam perdidos na chuva ao redor. Sua mão segurava o guarda chuva para mim, ela aos poucos se encharcou.

 

— Está frio aqui. 

 

— Eu não queria que ninguém me visse assim. 

 

Por alguns minutos, só o barulho da chuva prevaleceu. 

 

— Eu admiro você.

 

Meus olhos se arregalaram e eu encarei Ellie, minha garganta já seca. 

 

— O que você poderia admirar em fraco como eu? Você sempre foi tão incrível…

 

— A sua persistência, Lumi. Eu vejo isso em você, uma qualidade que é difícil de se ter, de se adquirir. Não sei o que enfrenta, mas — Ela parou por um breve momento. — já pensou em tudo que você já conquistou?

 

Foi quando eu ouvi Kaled me pedir para mover uma simples caixa, logo meu pai me incentivou a entrar no time de Coleta. O incentivo de Emy, o urso de chamas, o minotauro. Lembranças vieram aleatoriamente, todas indo e vindo ao mesmo tempo. Até que o goblin veio a minha mente como um enorme monstro de chamas verdes, mas logo virou fumaça e meu amigo… Spectro apareceu com seu sorriso, que sempre esperava por uma ordem. A Voz que me salvou. Se não fosse por ela, eu já estaria morto. Ela provavelmente mudou o meu destino. Será que eu podia fazer isso de novo? Ir contra algo decidido, ser o oposto do que todos pensam? Ela estendeu a mão pra mim, sua expressão, por algum motivo, me causou arrepios.

 

— Sei que não vai desistir agora. Você quer ir tomar um café? 

 

— Vamos — falei, logo segurei a mão da linda dama. 

 

De volta ao acampamento eu pude me acalmar. Breaky e Bruno haviam preparado sopa em várias panelas de ferro que compraram, deixando-as em fogueiras espalhadas e cercadas por pessoas. A noite estava fria, até mesmo eu fui obrigado a comprar um casaco. Então, a ideia de cozinhar de modo espalhado me surpreendeu. Haviam guardas de Tera nas proximidades das floresta, pelo que soube foi a pedido de um tal de Wade, outro cavaleiro Real. Olhando um pouco mais afundo no espaço, percebi bases de casas sendo construídas. Eles estavam mesmo dispostos a se adaptarem aqui. Ver as pessoas rirem nesse clima tranquilo me trouxe um sentimento de paz.

 

Esse foi o resultado de ter lutado para proteger.

 

Meu corpo ainda tinha algumas bandagens e ataduras, mas eu sentia que devia. Me aproximei de uma árvore, um tanto distante do aglomerado de fogueiras, e fechei os olhos, permitindo-me puxar todo o ar possível. Com a leve brisa de ar balançando minha roupa, preparei-me em pose de ataque. Controlei a respiração lenta e vislumbrei minhas energias. O motivo de minha aura se recusar a me obedecer ainda era desconhecido, mas agora eu a via com mais clareza; com mais qualidade. Minha pequena chama de poder branco, o que eu diria ser meu de fato, estava exaurída, queimando em mínimas brasas enquanto se recarragava. Era uma aura que interagiu com o fogo durante o ataque de Letholdus, com o bracelete e comigo. A chama escura e agitada, que eu mal podia sentir, sempre esteve constante e em seu próprio canto. João desbloqueou o fogo depois de muito tempo usando o ar, eu teria a possibilidade de aprender dois elementos? 

 

Se eu tivesse, com certeza levaria anos, porque eu mal sabia como usar a minha aura direito. A chama verde parecia quieta, era um fogo mais fraco que os outros. A energia era idêntica a da pedra, mas parecia que seu núcleo fora arrancado, como se agora ela fosse incapaz de ser usada. Mas se ela foi separada da fonte, como poderia ainda estar viva? Ainda queimando, lutando, para viver? Repassei diversas vezes as dicas da vidente, ela disse que uma ajuda poderia vir do interior. Mas, toda vez que eu tentava analisar, repassar suas palavras, eu só conseguia ver a árvore de pétalas rosas. 

 

Um soco, dois. Ataquei a árvore com movimentos que eu aprendera com Ellie, cada golpe direcionado e mais rápido que o anterior. Com a experiência que obtive na missão, eu sabia que precisava com urgência corrigir as minhas falhas. O ataque com a katana a distância poderia ter mudado o jogo se eu tivesse acertado, mas eu falhei. Meu fôlego foi mínimo, se eu quisesse superar o nível Sombra, eu precisava me esforçar mais. Todos meus amigos evoluíram e eu fiquei muito feliz por eles, mas eu queria acomṕanhar. Ainda havia uma recompensa pela minha cabeça, então mais caçadores viriam até mim. Eu precisava me defender, estar perto da minha família poderia deixá-los em perigo. Eu ainda estava tão longe de conseguir entender alguma coisa nesse mundo… Mas eu queria. Eu queria o minotauro sobre os meus pés, acabar com pessoas, como Letholdus, e me defender da realeza abusiva, como o Miguel. 

 

Um chiado veio de cima da árvore, e eu parei meu punho a um palmo do meu alvo. Era o Voin de Lotier. Seus olhos azuis brilhavam e os símbolos do seu corpo tremeluziam. Ele realmente me assustava. O grande rei nove, por algum motivo que eu não compreendia, escolheu me representar. Investir na minha relação com ele era benéfico para mim, mas se eu treinasse, seria de ambos os lados.

 

— Eu tomei minha decisão — falei, meus olhos grudados no azul do pássaro. Então ele brilhou mais, e eu continuei. — Lotier, eu aceito a sua proposta. Quero ser seu representante. 

 

O pássaro sorriu e disparou para cima, levando fortes rajadas de ar para todo lado. As fogueiras quase apagaram e todas as árvores rangeram. Os guardas ficaram agitados, Elizabeth e Alice já ficaram a postos, enquanto Ellie e Gina verificavam as pessoas. Um lindo rastro de magia azul se formou no céu, e eu deixei um leve sorriso escapar. 

 

Foi quando percebi que a árvore que ataquei estava repleta de buracos. 



Alguns dias passaram desde a nossa chegada nas redondezas das muralhas de Tera. Alatar, por ordem do líder de Karin, sugeriu ao rei de Tera que protegesse o povo do vilarejo que salvamos. Por sorte ele era gente boa e aceitou. A pequena vila foi lentamente construída, já haviam guardas suficientes para cercar a cidade toda e o comércio começou a movimentar o lugar com viajantes e aventureiros. Alatar reuniu o grupo e comentou sobre a recompensa que cada um receberia, o que, no meu caso, resultou em cinquenta moedas de prata. Isso era muita coisa, simplesmente a maior quantia que já recebi na minha vida. Quando todos saíram da barraca, Alatar me chamou, e eu logo me sentei novamente na mesa de reunião. 

 

— Eu fui requisitado no reino três para uma reunião de cavaleiros reais — disse ele, seu olhar calmo no pergaminho em suas mãos. — Quando voltar a Karin, preciso que entregue o relatório a Alud. É uma missão de extrema importância entregar isso ao rei dez.

 

— Certo, pode contar comigo. 

 

Saí da tenda e percebi o local um tanto agitado, todos estavam olhando os jornais como se algo inédito acabasse de ser anunciado. Me aproximei da estante de jornais e peguei um, meu queixo logo caiu. Informações sobre o grande torneio foram vazadas. O torneio ia ser no reino sete, haveria a presença de muitas famílias nobres, reis e grandes damas. Cada pelo do meu corpo arrepiava mais e mais conforme eu lia a notícia. Pelo que entendi, o nível máximo permitido era Fulgor. Até que eu cheguei em um parágrafo especial, que dizia que os representantes do rei iriam se enfrentar para demonstrarem sua força. Engoli seco ao imaginar-me de frente para o Miguel em um estádio tão grande quanto a minha cidade. Ele com certeza ia tentar me humilhar, e haveria tanta gente olhando e…

 

Respirei fundo e virei a página, mas essa notícia fez minhas mãos tremerem. Li com calma, tentando imaginar profundamente como aconteceu. 

 

“Kanro Kai e seu grupo de Auroras conseguiram finalmente caçar a organização que se denominava “Novos Ritualistas”. Foi descoberto que eles faziam experimentos voltados a trazer minotauros de volta à vida. Essa vitória será marcada com uma grande comemoração em todo o reino sete, onde a rainha Alyssa Lewis apresentará seu filho, nosso príncipe, Bruno Lewis…”.

 

Isso foi incrível. Com exceção do final dizer que alguns minotauros escaparam, eu adorei cada estrofe dessa notícia. Eu sabia que meu pai faria algo incrível. Quando me virei para Bruno, no entanto, Breaky e Sairon me chamaram, e eu andei até eles.

 

— Você me disse naquela noite que precisava se fortalecer por motivos que não compreendia — disse Breaky, seu tom calmo. — Eu também quero melhorar. Quero me fortalecer o suficiente para superar Rona. 

 

— Letholdus era um Ritualista inferior e mesmo assim foi capaz de invocar criatura de nível perto do real — Sairon desviou o olhar. — Eu quero que ele pague. Quero o lider dos Ritualistas sobre os meus pés. 

 

— O que- — falei, confuso. — Espera, aonde querem chegar? 

 

— Eu sei que você também tem algo contra os Ritualistas, então deve saber que não vai conseguir fazer nada no nível atual. Eu quero propor um treino em grupo na Floresta dos Condenados — concluiu Sairon. — Tem monstros fortes e o ambiente por si só é difícil de se adaptar. Podemos subir nosso poder lá. 

 

— Eu aceito, mas preciso voltar para Karin antes. 

 

— Nos encontraremos na cidade de Etin em três semanas — disse Breaky. 

 

Peguei o bracelete e o livro e saí do pequeno acampamento. Era minha hora de ir embora. Mas na porta, com um vestido preto, estava Ellie.

 

— Parece animado.

 

— Sim, coisas boas aconteceram — falei, deixando um leve sorriso escapar.

 

— Suponho que iremos nos encontrar no reino sete. 

 

— Então você- — Ela confirmou com a cabeça antes que eu pudesse responder. — Imaginei. 

 

— Minha casa fica lá, e você será bem-vindo — Minhas bochechas queimaram. — Como você está para o grande torneio?

 

— Um pouco nervoso, eu ainda sou Sombra — desviei o olhar. — Mas estou animado para lutar.

 

Ellie me abraçou e colocou a mão em meu peito, nossos olhos logo se encontraram e nossos lábios também. Antes de ir embora, resolvi aproveitar um pouco, esquecendo toda a tensão que um momento antes eu carregara. 

 

Eu merecia, e isso era muito bom. 



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