Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 34: Um elo destruído

 

Todo o poder se acumulou em um único ponto, os cristais verdes pareciam sem vida agora, sua tonalidade próxima a de um cinza. A aura densa no centro da caverna tomou a forma de um humano enorme, com quatro braços, pele verde, quatros olhos amarelos e vermelhos e uma boca coberta de dentes afiados. Quando o fluxo de energia cessou, o ser caiu de oito metros de altura, trazendo um estrondo para todo o lugar ao tocar o chão. O silêncio predominou. Todos os pêlos do meu corpo estavam arrepiados, Spectro havia paralisado do meu lado, chegando até a diminuir a aura que liberava. O homem preso à parede também tentou camuflar sua aura, até que eu finalmente, quase que sussurrando, falei:

 

 — Que-quem é você? — Meus olhos grudados na criatura ainda estática. — E o que é aquilo? Como a gente sai daqui? 

 

Spectro olhou assustado para o homem, mas se manteve quieto.

 

— Aquele é o Líder desta Alrofy — Os olhos vermelhos dele encontraram as costas da criatura. — Aqui é o pior lugar para se estar. O único meio de escapar do salão dele é o derrotando. Fico realmente curioso para saber o que uma criança sem magia e um goblin… mágico?

 

O Líder da alrofy se moveu, trazendo uma tensão a nós. Ele ergueu os braços para cima e liberou mana pura até formar uma esfera de poder, logo a remodelou e criou uma espécie de arma-bastão do tamanho de um tronco. Eu engoli seco, o medo cada vez mais visível nos meus olhos. 

 

— Sairon Watanabe, e é um prazer.

 

— É ele. Solta!

 

Peguei a pedra mágica do meu bolso e puxei parte da energia para o meu braço. A aura verde cobriu meu antebraço, logo o bíceps e o ombro. O fogo reluzente de Spectro tremeluziu, e ele me lançou um olhar preocupado. Ele dependia dessa pedra para viver, então quando eu usava energia, eu o prejudicava. Talvez fosse melhor ele segurar o item. Afundei a parede em um soco e diversas rachaduras apareceram, enquanto a dor latejante tomava conta do meu ombro. Repeti o movimento, mas desta vez eu abri espaço suficiente para Sairon se esgueirar.

 

Seus braços tinham cortes fundos, o sangue já seco, de sua armadura dourada só havia restado parte das botas, seu corpo estava coberto de cortes moderados e hematomas roxos grandes e sua calça preta possuía metade do símbolo de Tera. Sairon era magro, porém completamente definido. Seu cabelo preto, melado pelo sangue, caía sobre suas orelhas e perto de seus olhos vermelhos escarlate, e ele era mais alto do que eu. Sairon estufou o peito e puxou lentamente o ar, logo seus olhos brilharam e focaram em algo atrás de mim. 

 

Me virei com temor. A criatura humanóide, o Líder, estava nos encarando fixamente. Seus olhos de serpentes, os dentes afiados, a respiração quase imperceptível e… Uma armadura de prata espalhada pelo seu corpo. Quando isso se formou? Ele já parecia agressivo e imponente o bastante. Sua arma do tamanho de um tronco estava apoiada no chão, parecia que ele nos esperava.

 

— Sabe, Spectro, você podia tomar aquela forma também. 

 

— Na segunda barreira da pedra, quem sabe. 

 

Sairon iniciou uma caminhada lenta na direção do Líder da alrofy, permitindo-me ver suas costas com símbolos feitos a partir de uma lâmina. A criatura ergueu o grande bastão e pôs em cima do ombro, repetindo os movimentos calmos do Sairon. Spectro olhou confuso para o homem e disse:

 

— Ele é maluco? Encarar aquilo é suicídio.

 

— Temos que derrotá-lo para sair, goblin. Os portões estão fechados, e eu… — O Líder monstro começou a correr, mas instantaneamente correntes vermelhas mágicas brotaram do chão à medida em que Sairon caminhava. Uma aura de um vermelho bem claro tomou conta do corpo de Sairon, enquanto seu cabelo escuro tinha mechas convertidas a tonalidade prata. — não tenho a menor intenção de ficar mais tempo aqui. 

 

Cobri meu braço com a energia da pedra novamente e corri, e Spectro segurou firme a adaga e me acompanhou. A criatura pegou a arma do tamanho de um tranco e a brandiu como uma espada, posicionando-a para um corte horizontal. Nós três abaixamos, e a lâmina cortou o ar onde nossas cabeças estavam. Parte das correntes do Sairon atravessaram o braço do grande monstro, enquanto algumas foram repelidas pela armadura de prata dele. Spectro cravou as garras na perna do inimigo e começou a escalar, enquanto eu, sem perder tempo, me posicionei na frente dele e carreguei meu braço com a energia sem fim da pedra. O impacto do meu punho afundando o estômago dele foi audível por toda a arena. Ele vomitou sangue no meu ombro e grunhiu bem alto, até que uma aura branca cobriu todo seu corpo e ele socou os próprios punhos.

 

Explosão de aura. 

 

O corpo esverdeado de Spectro voou para longe, havia um corte fundo em seu peito e suas chamas rodopiantes diminuíram rapidamente. Eu fui arremessado contra a parede da caverna, a quase vinte metros de distância do monstro, enquanto Sairon apenas foi arrastado para longe, mas manteve-se sempre de pé. O Líder rachou o chão rochoso quando disparou e apontou o bastão para Sairon, mas foi barrado por correntes vermelhas que adentraram em suas pernas pelas brechas da armadura. Sairon conseguiu acertar diversos golpes do rosto e pescoço antes que a criatura conseguisse se soltar, foi quando eles entraram em um combate onde cada soco ou chute colidido emanava uma onda de choque capaz de me desequilibrar. 

 

A mana de Sairon fluía no corpo dele com extrema velocidade, como se soubesse exatamente onde e quando deveriam estar. Ele dividia a energia entre as correntes, a aura protetora e nos olhos. O monstro falhou todas as vezes em que tentou atacar Sairon. Corri na direção das costas da criatura e pulei, carregando a energia novamente em meu braço. Meu corpo já sentia os efeitos, eu podia sentir meus ossos estalarem e racharem, mas não era hora de parar. Sairon descolou o queixo da criatura com um soco e atravessou uma das correntes pelo corpo dela, dando-me a brecha perfeita para atacar. 

 

Mas a criatura caiu em gargalhada. 

 

Sairon arregalou os olhos quando olhou para o meu lado, mas quando tentei reagir, já era tarde demais. O bastão, coberto de magia, vinha em minha direção. Eu fui acertado em cheio no ar e colidi com a parede como um raio. A arma tronco amassou o meu corpo, afundando-me nas rachaduras agora destruídas, e, em seguida, se desfez. Meu mundo escuro quando um zumbido alto surgiu em meus ouvidos e eu caí de joelhos. A dor intensa estava espalhada por todo o meu corpo, e uma chama esverdeada apareceu no fio da minha visão. Spectro gritava alguma coisa, mas estava tão abafado que eu mal podia ouvir. Ele passou meu braço por cima do próprio ombro e me levantou. Andar era difícil, meus joelhos pareciam estarem quebrados. 

 

— Acorda, chefe — Sua voz fraca e rouca finalmente superou o zumbido. — Precisamos fazer alguma coisa. 

 

A parede onde eu fora arremessado havia sido estraçalhada, um buraco jazia onde meu corpo estava. Sairon prendeu o monstro com várias correntes, mas outra explosão de aura foi lançada e o lugar inteiro começou a desabar. 

 

— É agora ou nunca — Spectro disse.

 

Recobrando os meus sentidos e deixando a mana circular pelas minhas pernas, eu gritei:

 

— Vamos!

 

Corremos em direção ao monstro que tentava desesperadamente se soltar. Mesmo com todas as pedras que caíam atrapalhando nosso caminho, conseguimos desviar e rebater, cobrindo a guarda um do outro. Foi quando meu coração bateu forte. O bastão vinha em minha direção novamente. Ele tinha sido desfeito, merda. Posicionei minhas pernas e pulei, e a arma tronco passou rente a uma parte do meu corpo que nunca deveria ser acertada. Apoiando-me no bastão ainda em movimento, eu o usei para me impulsionar no ar. Várias pedras rasgaram a minha pele no tempo que eu voava, mas eu cheguei perto o suficiente e carreguei energia na minha mão. 

 

Ele ia levar.

 

Meu punho coberto de verde quebrou todos aqueles dentes medonhos daquela cara feia, e não muito depois o Spectro enfiou suas garras no pescoço da criatura. Ele se debateu e as correntes se desfizeram em mana. As garras afiadas tentaram me cortar no ar, mas Spectro me empurrou. Seus olhos carregavam medo e alívio ao mesmo tempo, e um pesar alcançou o meu coração quando meu corpo se arrastou na terra. Mesmo com as pedras interrompendo a minha visão, eu senti vontade de chorar. 

 

Eu vi meu amigo ser esfolado e cair no chão.

 

O corpo dele começou a sumir, e bem ao lado a criatura havia começado a carregar outra explosão de mana. Desta vez, era vermelha e maior. Sangue jorrava de seu pescoço e barriga, mas ele continuou acumulando energia explosiva. Um baque do outro lado da sala. Os portões foram abertos. Os olhos de Spectro me encontraram, estavam repletos de tristeza, trazendo-me um ar de despedida. Sairon segurou o meu braço e me puxou, mas eu forcei-me a ficar ali.

 

— Ele vai destruir tudo, precisamos fugir! — Sangue escorria de sua boca, Sairon lutava para se manter de pé. 

 

— Eu não posso sair sem ele!

 

O som agudo de algo prestes a explodir já irradiava os meus ouvidos. Sairon olhou para o portão e logo para mim e Spectro. 

 

— Seja rápido.

 

Ele disparou na frente, criando duas adagas de mana vermelha. Os olhos do monstro o encontraram e rajadas em formas de lâminas foram jogadas contra o Sairon, mas ele defendeu e desviou. Com um passo rápido, eu alcancei Spectro, mas os músculos das minhas pernas cederam. Outra explosão. Pedras maiores começaram a cair, e eu rolei para próximo do portão. 

 

— Você é maluco, porra? — falei para os restos mágicos do meu amigo.

 

— Eu preciso te manter vivo… 

 

Senti um puxão no braço e comecei a ser arrastado. A enorme explosão cresceu e começou a engolir tudo. As rajadas de ar fizeram com que chegássemos mais rápido ao portão, porém eu não pude comemorar isso. Nos separamos e ficamos no ar, eu não tinha apoio para me aproximar do Spectro. Sairon caiu do lado de fora, o fogo quase alcançou ele. O corpo do meu amigo estava caindo em um precipício escuro. Meu coração bateu forte quando estiquei o braço para segurá-lo. A pedra mágica que eu carregava também estava longe de mim, porém tão baixo que eu jamais conseguiria pegá-la. Foi então que eu comecei a cair, me distanciando do portão. O mundo parecia estar lento. 

 

Uma segunda vez não seria tão ruim. Não se eu estivesse com ele.

 

Lágrimas escorreram dos olhos dele quando nossas mãos ficaram prestes a se tocar. Dei meu melhor, ignorei toda a dor, todos os ossos que poderiam estar quebrados e me estiquei mais. Nossos dedos se tocaram, e eu senti a textura mágica dele se enfraquecendo. Correntes vermelhas cercaram o meu corpo, mas foram incapazes de alcançar o Spectro. Senti o peso de ser puxado para cima enquanto olhava a pedra e o goblin caírem em meio a tantas pedras na escuridão sem fim. As finas pedras rasgaram as minhas costas quando Sairon me puxou para fora dos portões, e, antes que todo o fogo e a explosão me alcançassem, eles se fecharam.

 

Os tremores e as explosões continuaram do lado de dentro, mais pedras começaram a cair e fumaça saiu do teto. Eu estava sem reação, simplesmente me recusava a fazer qualquer movimento. A cena dele indo embora ainda martelava a minha cabeça. Sairon me puxou pelo braço e colocou as mãos nos meus ombros. Seus olhos vermelhos não brilhavam mais, e seu cabelo perdeu o aspecto prateado. 

 

— Eu não sei qual é a relação que você tinha com aquele goblin, mas eu preciso que você foque! Nós ainda iremos sair daqui. 

 

Ainda quieto, olhei para ele e logo para o portão.

 

— Me dê só um minuto — sussurrei, tão baixo que mesmo eu mal pude ouvir.

 

Sairon sinalizou positivamente com a cabeça e eu andei até o portão. Me ajoelhei, ignorei todos os sons das explosões e o chão tremer e fechei os olhos, colocando a mão no peito em seguida. 

 

— Desculpa, amigo. Me perdoa… — As lágrimas caíam e minha voz vacilava. — por não explorarmos a pedra juntos. 



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