Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 33: Verde esmeralda

 



Meu mundo balançou sem parar quando apoiei-me sobre os braços, enquanto um zumbido alto abafou qualquer som. Levantei meu rosto da areia marrom e cuspi uma quantidade considerável de terra, mas aterrissei no chão novamente antes de conseguir observar com mais clareza o lugar. Dores latejantes emergiram nas minhas costas, costelas e nariz. As tosses faziam minha garganta arder a ponto de eu buscar desesperadamente algo para apertar, mas eu falhei e comecei a me contorcer em meio a gritos. Depois de vários minutos, finalmente minha visão veio a se estabilizar. Virei de barriga para cima e respirei lentamente. Lágrimas escorreram dos meus olhos. 

 

Eu estava vivo. 

 

Com um grunhido baixo, eu me pus de pé. Haviam várias pedras mágicas verdes e azuis espalhadas nessa espécie de caverna. Poças de água cristalina, flores cobertas por aura de energia, insetos que eu jamais vira antes e nuvens pequenas de fumaça verde também estavam por todo lado. Era uma parte bem espaçosa, com um lago próximo a outra extremidade do lugar.

 

— Você está vivo! — disse o fogo verde flutuante bem perto do meu rosto.

 

— É, eu creio estar. 

 

Pelo visto, a explosão destruiu qualquer chance que eu tivesse de voltar, pois — de onde eu caí — os destroços cobriram toda a área da subida. Eu esperava que eles ficassem bem. Olhei mais afundo o ambiente e percebi três túneis escuros distantes. Se essa era a alrofy dos monstros, esse lugar era realmente lindo. Próximo onde eu havia caído, estava a katana intacta e os restos da minha despedaçada armadura. Aquele velho ia me matar. Meu bracelete estava inteiro, e, depois de Spectro verificar, vi que a pedra também estava. Tudo que restou da minha roupa foi a calça preta, que ficou com vários rasgos. 

 

Spectro voou até o centro do local, sua aura ficava cada vez mais clara. As pedras verdes ao redor aumentavam o brilho na mesma medida que ele, criando leves fios de energia até o mesmo. A bola de fogo logo cresceu, aumentando o calor e o brilho local. Admirei por um momento e me perguntei o que ele estava fazendo, antes de passar por debaixo do que parecia um pergolado com brises intercalados mágico e me aproximar do lago. Tinha uma pedra no meio da água, por volta de sete metros da costa, e parecia que o fluxo de água ia para baixo. Uma cachoeira. Perigoso, eu diria, apesar de não conseguir ver através das algas roxas e peixes de duas caudas. As pedras nessa área liberavam uma quantidade grande de gás verde, mas ficava apenas no teto. 

 

— Precisamos achar uma saída par-

 

— Eu me sinto revigorado! — Sua aura lentamente tomava a forma de um corpo. — Tem tanta energia aqui… Eu quero absorver tudo.

 

As pedras brilharam tanto que eu precisei me proteger da luz, mas mantive meu olhar fixo ao que formava na minha frente. Os fios de mana verde remodelaram a aura humanóide em um formato muito semelhante ao… Fiquei de queixo caído quando meu amigo se tornou corpóreo e caiu de pé, sua aparência se equivalia ao goblin que atacou minha casa; só que era menor, como um goblin pequeno e magro. Spectro demorou para verificar o novo corpo, o qual tinha chamas fracas e verdes nos braços, costas e pernas. Os olhos deles eram de um amarelo profundo, como se estivessem atentos a qualquer movimento em toda área. 

 

Até que um passo ecoou dos túneis, captando nossa atenção.

 

Um esqueleto de mais de um metro e oitenta surgiu com um pedaço de madeira na mão. Quando abri a boca para me comunicar com o Spectro, ele disparou na direção dos ossos. Sua velocidade era superior a minha, eu podia me arriscar dizer que era ainda mais rápido que os bonecos de madeira que eu enfrentara. O esqueleto atacou a cabeça dele, mas Spectro conseguiu defender colocando o cotovelo na frente, o que repeliu o bastão. Com um único pulo, ele agarrou as costelas do inimigo e mordeu seu pescoço, arrancando sua cabeça fora. O corpo do esqueleto caiu no chão, e Spectro sorriu para mim quando pegou a nova arma dele. 

 

— Você é útil afinal de contas — falei, devolvendo o sorriso.

 

— Eu sempre fui.

 

De repente, dos três túneis, criaturas variadas começaram a sair. Tinha goblins, gags, lobos de dungeon, esqueletos com espadas e escudos, inseto de osso, humanóides nas paredes que giravam o pescoço de um jeito impossível para mim. Me arrepiei no meio de todos aqueles seres se aproximando, era uma batalha que uma pessoa como eu perderia. Mas depois de ter sobrevivido, de ter recebido outra chance para voltar a minha mãe, eu saquei a katana e me posicionei de modo ofensivo. O goblin reluzente com chamas estava na minha diagonal frontal, sua expressão era de ânimo e curiosidade. Ele se virou para mim, uma sobrancelha arqueada. Eu já estava cansado de apanhar, meu time ainda persistia, e Amanda… Eu prometi a mim mesmo que encontraria Sairon por ela. 

 

— Túnel um — falei, meu olhar sério focado no caminho do túnel escolhido.

 

— Certo, chefe — Spectro sorriu e se aproximou. 

 

Iniciei uma corrida. Enfrentar todos era suicídio, então eu precisava manter meu ataque constante nos esqueletos do primeiro túnel. Desviei de corte após corte e, como se estivesse em uma dança, consegui contragolpear em seus pescoços, ouvindo os corpos caírem logo depois da minha passada. Nenhum dos seres que tentaram interromper conseguiram me tocar. 

 

Seus ataques eram lentos.

 

Spectro batia agressivamente nos esqueletos, destruindo suas costelas e pernas. Quando ele quebrou seu bastão em um humanóide negro, ele usou suas garras para esfacelar as criaturas. Meu companheiro cobriu as garras com uma camada leve de magia e impulsionou seus ataques, logo fez o mesmo processo nas pernas, elevando sua velocidade para um nível superior. Criaturas maiores com mãos de lâmina se aproximaram, matando todos os outros. Sangue espirrou para todo lado enquanto os órgãos e corpos partidos caíam no chão. Eles não tinham olhos e a coloração era de um azul ciano. As bocas abriam e rosnavam como as de um lobo, o que me permitiu ver fumaça e um líquido verde. 

 

A lâmina passou rente ao meu rosto quando eu me abaixei para desviar. Sem ter tempo para ficar de pé, a outra lâmina veio na direção da minha perna. Coloquei as mãos no chão e impulsionei meu corpo para cima, cravando a espada no pescoço do ser. O outro pulou para mim, sua mandíbula a dois palmos da minha cabeça, mas foi interceptado pelas garras de um goblin de chamas fincadas em sua orelha. Sua cabeça foi rasgada com o perfurar, Spectro usou as mãos para abri-la em duas. Nos encaramos, e eu percebi que, através da multidão, os monstros estavam sendo arremessados para o teto. Eles fracassaram na tentativa de conter um goblin grande, gordo, cobertos de cicatrizes e olhos vermelhos. Ele tinha mais de três metros de altura e balançava um bastão duas vezes maior do que eu. 

 

Ele ergueu a grande arma e estourou o corpo de vários lobos de mana no chão, logo me percebeu. Seus olhos vermelhos se encheram de raiva e ele começou a correr até mim. Ele era rápido. Me preparei para me esquivar, mas escorreguei no sangue. O goblin enorme já estava com o braço posicionado para trás, como a técnica que eu havia aprendido na academia com Alice. Seu punho se encheu de poder e veio até mim como um meteoro, e eu apenas pude levantar meus braços em defesa. A colisão me arremessou vários metros, me fazendo colidir contra a parede. Uma dor absurda tomou conta dos meus antebraços e das minhas costas. Eu cuspi um bocado de vômito misturado com sangue e caí de joelhos. 

 

A fumaça verde descia lentamente dos tetos. Havia mais. 

 

Spectro, que nem passava dos joelhos do enorme inimigo, bateu ferozmente contra a perna dele. Meu amigo foi chutado para longe, e o grande goblin andou em minha direção. Segurei firme a pedra e cobri meu braço com a camada de aura esverdeada agressiva . Fiquei de pé e encarei o monstro três vezes maior que eu e preparei-me para socar. Ele fez o mesmo, mas eu fui mais rápido. Afundei meu punho na barriga nojenta e gorda, o que fez ele grunhir e cambalear para trás. Ele esbravejou e atacou as cegas com vários socos consecutivos. Passei por baixo de suas pernas e fiz um corte fundo em suas costas. Sangue vermelho escuro, quase preto, espirrou em mim. Quando me preparei para socá-lo de novo, no entanto, ele me chutou. 

 

Rolei sob o rio de sangue e corpos e esbarrei contra uma pilha deles. Um lobo gigante avançou contra mim, forçando-me a segurar seus dentes rentes ao meu pescoço. A dor em meus ombros estava me fazendo ceder, seus caninos afiados penetravam na minha pele. Ele me levantou e me bateu contra o chão, minhas costelas estalaram com o impacto e, antes que eu pudesse tentar me afastar, ele fez de novo e de novo. Até que finalmente me jogou para longe e, ainda no ar, cravou seus dentes na minha perna, me batendo contra o chão novamente. Ele me arrastou e cravou as garras no meu abdômen. Eu gritei, dei o melhor de mim para esquecer a dor, mas ele me arremessou contra o teto, tirando-me outro bocado de sangue. Saquei a katana e mirei em seu crânio. Com um giro no ar, rasguei sua cabeça e caí de pé atrás de seu enorme corpo. Os restos do cérebro dele escorriam pelas orelhas enquanto o corpo ia para o chão.

 

Spectro e outros goblin pulavam e rodeavam o grandão. Um a um, com exceção de Spectro, era esmagado brutalmente pelas mãos do enorme goblin, mas mais sempre chegava. Fechei os olhos e concentrei toda a energia em minha mão. Puxei lentamente o ar e repassei o momento da esfera de fogo em minha mente. Liberei mana pela aura e me irritei pelo desperdício. Se eu usasse cinquenta de poder, quarenta e oito se dispersava no ambiente. Comecei a sentir o calor e formei uma pequena fogueira nos meus pensamentos, logo direcionei isso para a minha mão. 

 

— Corre! — Spectro gritou, o Grandão corria na minha direção. 

 

Mais monstros grandes e com auras perigosas chegaram, Spectro se agarrou na perna do enorme goblin e a fumaça verde se espalhou abundantemente pelo cenário. Apontei meu dedo para o alto, pequenas faíscas de fogos em volta da minha mão. Com um sorriso no rosto, eu exclamei:

 

— Spectro, volte para a pedra! 

 

Seu corpo se esfarelou em chamas verdes e veio a mim. Os monstros se agitaram e começaram a correr até mim, era uma quantidade maior que a do vilarejo. Quando me vi cercado, bem em frente ao enorme punho mágico do goblin gigante e no centro de um aglomerado de criaturas, eu atirei uma bola de fogo para o alto, mas rapidamente ela se reduziu a uma mísera faísca. Quando meu ataque tocou o gás, tudo começou. Uma explosão enorme se estendeu por todo o lugar, queimando todos que estavam presentes.

 

E logo seria eu.

 

Meu artefato se ativou sozinho e me cobriu com uma aura vermelha. A explosão me arremessou para longe, fazendo-me ver minha katana cair dentro das chamas, onde os monstros gritavam de agonia e faziam de tudo para não serem queimados vivos. Meu corpo afundou no lago, mas as pedras caíram rápido o suficiente para me machucarem mesmo embaixo da água. A correnteza me puxou com força para longe da superfície, e eu prendi a respiração com dificuldade. Tentei segurar em uma extremidade, mas meus dedos escorregaram. O mundo escureceu e, antes que eu pudesse perceber, eu perdi minha consciência.



Uma gota de água caiu em minha testa, logo escorreu entre meus olhos e alcançou a minha bochecha. Metade do meu corpo estava submerso. Sentei-me e comecei a tossir, muita água saiu da minha garganta. Havia um som do fluxo de água próximo onde eu estava, o único som no meio desse silêncio. 

 

— O sono estava bom? — O goblin de chamas verdes parecia detonado. Diversos cortes no seu corpo, um olho com um hematoma roxo tão grande que não podia ser aberto e uma parte de suas garras foi quebrada. 

 

Foi então que eu percebi que junto a água que cobria todo o chão tinha sangue. A arena cavernosa mal iluminada tinha uma infinidade de corpos de várias espécies de monstros e corpos de… humanos. Dando mais uma olhada em volta, percebi que a explosão abriu a passagem para esse lugar. Uma parte da parede estava destruída, eu conseguia ver o fluxo do rio dentro dela. 

 

— O que… aconteceu aqui?

 

— Depois que você apagou na correnteza, eu tomei essa forma de goblin de novo e te segurei. Levou um pouco mais de um minuto para que eu conseguisse cravar as garras na parede e para que a explosão nos jogasse para cá — Ele suspirou e apertou a adaga enferrujada em sua mão. — Eu consegui te arrastar para esse canto. Bati em sua barriga e você vomitou bastante água, até que várias criaturas começaram a chegar. 

 

— E esses corpos humanos?

 

— Eles já estavam aqui. Foi deles que peguei essa adaga — Spectro a jogou para mim. — Sua katana também ficou para trás, vai precisar. 

 

— Você matou tudo isso sozinho? — perguntei, meu queixo caído. 

 

— Boa parte. 

 

— Obrigado, Spectro, por me salvar.

 

— Eu basicamente sirvo a você. 

 

Um som de magia próximo tirou minha atenção, eu rapidamente me virei e apontei a adaga em direção. Spectro pegou uma espada e ficou atrás de mim, sua pose de defesa semelhante a de Alice. Os corpos no canto da minha visão trouxeram um pesar para mim, eu reconhecia aquele símbolo. 

 

Era o batalhão de Sairon. 

 

Andamos lentamente até a origem do som. Passando pelos corpos, encontramos um túnel escuro, o único que havia no meio de todo esse lugar. Spectro aumentou as chamas em seu corpo e foi na frente. O lugar era estreito, com diversas armas e garras presas no chão, no teto e nas paredes. A única coisa que me incomodava era o silêncio, nossos passos mal faziam barulho. No final, havia um portão enorme. Ele tinha mais de dez metros e estava todo destruído. Ao passarmos por ele, entramos numa espécie de arena circular gigante. O teto era muito alto e tinha muitas pedras mágicas, que deixaram tornaram o local muito bem iluminado. Peças de ouro estavam espalhadas como grãos de areia, escombros e vestígios de batalhas antigas estavam estampadas nos chãos e nas paredes. Percebi também restos de armaduras que tinham o mesmo símbolo de Tera.

 

Através de todos esses escombros, eu conseguia ver uma aura vermelha. Minhas pernas começaram a tremer. Spectro me lançou um olhar e eu percebi que ele também estava nervoso. Nossos passos ecoavam pela arena, meu coração estava acelerado; estávamos cada vez mais perto da aura. Foi então que, assim como Spectro, uma esfera de energia verde começou a se formar através de laços mágicos que vinham das pedras. O portão, em um instante, foi reconstruído com magia e se fechou com muita força. 

 

— Agora fudeu — Spectro disse, seu olhar fixo no que se formava no centro da arena. 

 

— De novo… — Uma voz desconhecida me fez pular. 

 

Procurei a fonte da voz e encontrei uma cabeça e braços que saíam da parede. Era como se ele estivesse preso. O som do poder se reunindo ficava cada vez mais alto. Sem tempo para pensar, chamei Spectro e me aproximei do homem preso na parede. Seu cabelo preto liso estava colado em suas bochechas, e seus olhos vermelhos ameaçadores fizeram-me recuar um passo para trás. Um rosnar fez todo o ambiente tremer, e, com muita calma e tranquilidade, o homem disse:

 

— Se quiser viver, garoto, sugiro que me tire daqui. 

 



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