Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 32: Foi assim que você se sentiu?

Algumas pessoas correram para todo lado, outras se jogaram de joelhos no chão e desistiram. Percebi que meu grupo ainda encarava o corpo de Martin pendurado, as gotas de sangue caíram até formarem uma pequena poça sob a base das raízes. Eu ainda estava boquiaberto, era difícil processar que as coisas só iriam piorar; fora que eu era incapaz de ativar o escudo de novo. Alatar cobriu o corpo com uma armadura branca reluzente, sua aura estava tão ofuscante que me fez desviar o olhar. Era muito poderoso. Quando me virei para a multidão, no entanto, percebi que o elfo medroso me encarava fixamente. Lágrimas em seus olhos, seus lábios mordidos e acuados, suas pernas bambas, mas seu cajado em suas mãos trêmulas. 

 

— Ele acredita em você… Faz alguma coisa — Spectro disse, sua forma esverdeada dentro do meu bolso. 

 

Eu precisava tentar. Engoli seco e cerrei meus punhos, puxando o grito mais alto que eu pudera dar:

 

— Ei! Parem, agora! — A atenção de todos veio a mim, inclusive a da criatura bizarra, e um silêncio desconfortável tomou conta do lugar. — Vocês ainda vão fugir daqui, eu preciso que fiquem quietos e ouçam nosso líder falar! 

 

Alatar deu um sorriso de canto e, como um vulto, disparou para o inimigo. Seus punhos cobertos de magia atingiram o maxilar dele, fazendo com que voasse para dentro da floresta. O chão tremeu e fortes rajadas de vento quase me tiraram do lugar com o impacto de seu golpe. As costas do ser colidiram em árvore após árvore, até que o som de estrondos parou. Alatar deu um aceno rápido a Rona e adentrou no caminho destruído. Rona sinalizou para nos aproximarmos e assim fizemos. Adelai estava apoiada nos ombros de Elizabeth, suas costelas visíveis e ela mal acordada, e Amara estava de pé, seu corpo coberto de cortes. Cerca de cinco guerreiros que sobreviveram também estavam em condições extremas, mas os olhares desesperançosos eram o que me causava um frio na barriga.

 

— Alatar não vai segurar ele sozinho por muito tempo, vamos nos dividir em escoltar e atacar — disse Rona, seu olho lutava para permanecer aberto e sua mão cobria a ferida em sua barriga. Ele olhou para as pessoas que voltaram a se agitar. — Amanda, pode acalmá-los?

 

Com um aceno simples, ela pegou sua flauta com dificuldades por causa do braço roxo e dissipou sua energia em correntes sonoras confusas para minha visão, o que trouxe uma sensação de conforto e calma em meu corpo que nem mesmo eu julgava capaz de alcançar. Apesar do sangue escorrer de sua boca, ela manteve o fluxo de magia por tempo suficiente para o feitiço se completar. Esse poder era incrível. Alice passou entre Breaky e Bruno e levantou a mão, logo disse:

 

— Eu posso guiá-los — Seu cabelo preto fora coberto de sangue, mas pelos rasos cortes em seu corpo eu sabia que não era dela. A armadura dela ainda estava em bom estado, mas sua lâmina parecia cega e tinha rachaduras. — Tenho energia para limpar o caminho até a montanha da trilha de Tera. 

 

— Eu posso dar suporte, são muitas pessoas para proteger sozinha — falou Áki, sua mão já em seu arco. — Podemos levar Adelai, Amara e os soldados feridos conosco, assim vocês podem lutar sem preocupações contra aquela coisa. — Eles se entreolharam e concordaram com a ideia. 

 

Explosões claramente audíveis vieram da floresta e trouxeram um tremor que desequilibrou Amara, Adelai e Rona. Elizabeth quase caiu quando segurou Adelai com mais firmeza, e Ellie agiu rápido ao pegar Amara rente ao chão.

 

— Rona! — exclamou Breaky, seus olhos em Rona ajoelhado. — Você também deveria ir, é impossível lutar com esse ferimento. 

 

— Não esqueça quem eu sou, Breaky. Seu mestre ainda pode lutar — Rona sorriu e reuniu pequenas faíscas de mana ao redor de seus punhos em seu levantar.

 

— Eu também vou — disse Elizabeth, seu cajado brilhando em roxo em uma das mãos. — Uma maga a mais é sempre bem-vinda, e Adelai precisa de mim. 

 

— Eu vou ficar no caminho, para caso algum monstro tente segui-los — disse Alfi-rar. — Nenhum passará por mim. 

 

— Nós ainda falaremos sobre seus comportamentos de hoje, Alfi-rar Eugun — Rona foi sereno nas palavras. — Agora, com todos pron-

 

De repente, um círculo de energia verde se formou ao redor de todos nós e nossos ferimentos diminuíram de maneira considerável, trazendo um pouco de vigor de volta. A surpresa atingiu o olhar de todos quando percebemos Gina liberando energia de cura em área, um feito que deixou até mesmo Rona de queixo caído. Antes que ele pudesse falar, ela sorriu e seu corpo começou a cair, mas com um passo rápido eu a segurei. No mesmo instante, Amanda usou sua flauta e fomos cobertos por uma aura alaranjada. Senti minha força e meu fluxo de energia subirem, como se minhas capacidades máximas tivessem sido aumentadas. Amanda também pareceu exausta depois de usar o seu poder, mas antes que pudesse relaxar, Airo e Amyon apontaram horrorizados para o portão — ou pelo menos o que restou dele.

 

Engoli seco. Imagens de Alatar morto passaram pela minha cabeça. Rona rangeu os dentes e andou em direção ao que quer que estivesse lá.

 

— Letholdus, eu estive um bom tempo caçando você — Pude sentir o ódio na voz de Rona. — Espero que você não esteja envolvido com o sumiço do Sairon. 

 

Não pode ser… Por favor… O medo caçou minhas lembranças e arrancou a força o que eu queria esquecer.

 

— Quem sabe? — Sua aura sombria me atingiu com força e eu tombei para frente, ainda me recusando a olhar. Notei Airo, Amyon e Alfi-rar caírem também. — No momento, eu preciso apagar todos aqueles ali, sabe? Esse lugar vai sumir do mapa — No canto da minha visão, ele estendeu a mão para o corpo de Martin e uma esfera escura voou na direção dele. — E pensar que ele realmente queria manter isso com ele.

 

Uma gota de suor escorreu quando tomei coragem para me virar. Havia um homem de capuz verde que se aproximava de nós, seu sorriso malicioso visível me causou arrepios. Eu realmente queria caçar ele? Caçar eles? Se ele for o cara que me espancou…

 

— É uma pena que eu tenha que te levar preso — Rona liberou mais energia de sua aura. — Corram e se salvem, quero que levem os cidadãos daqui. 

 

Meus joelhos estavam à beira de vacilar.

 

Áki, Elizabeth, Amara e Adelai correram para guiar os outros. Eram muitos, qualquer ataque podia matar mais deles. Precisávamos manter ele aqui, evacuar eles em segurança e ajudar Alatar em sua luta. Mas do que eu seria útil contra um ser capaz de enfrentar um cavaleiro Real? 

 

Tremores me tiraram do meu transe quando os punhos de Rona e do encapuzado se encontraram. A luta estava frenética, mais veloz do que meus olhos podiam acompanhar. Mas Rona cuspiu um bocado de sangue e se ajoelhou com a mão em sua ferida, e o inimigo se preparou para socá-lo na nuca. Foi quando Breaky entrou na luta afundando a espada no braço do homem de capuz. O encapuzado deu um passo em recuo e cobriu o braço com aura negra, enquanto Breaky rosnava e apontava a enorme espada amassada para ele.

 

— Fugir, Rona? Não foi para isso que me treinou. Eu também quero saber o que esse merda fez com o Sairon.

 

— Breaky… — Rona disse em um tom zombeteiro e ficou de pé. — Se ele realmente fez algo ao meu amigo, não é para prisão que ele vai. — Rona olhou para mim, Ellie e Bruno. — Vão ajudar Alatar, nós resolvemos as coisas aqui! 

 

Nós corremos para a trilha destruída da floresta, mas não pude deixar de me preocupar com Amanda e Gina perto da luta deles. O encapuzado criou manoplas de energia sombria capazes de rivalizar com as de Rona e, ao mesmo tempo, defender os cortes de Breaky de uma maneira que sua espada saísse destruída a cada ataque. Quando meu olhar encontrou o do inimigo, aqueles olhos vermelhos de serpente, ele sorriu e disse com malícia: 

 

— Acha que eu não notei a sua presença?

 

A vontade de chorar quase me venceu. Meu coração apertou, andar pareceu difícil. Eu era fraco, por isso perdi o Cirlan. Com uma carranca se formando em meu rosto, eu afastei esses pensamentos e corri para acompanhar meu grupo. Eu podia desabar em algum momento, mas com certeza não ia ser agora. Aquilo realmente me traumatizou, mas um deslize podia fazer meus amigos se ferirem. Cerrei os punhos e deslizei sobre a terra em uma freada brusca. Bruno e Ellie pararam do meu lado, seus rostos exibiam preocupação e aflição. Até mesmo Ellie, normalmente inexpressiva, estava perplexa com a cena diante de nós. Spectro voou para o meu ombro e, pela primeira vez, se manteve quieto e sem reação.  

 

Haviam duas daquela criatura, ambas possuíam quatro braços e atacavam Alatar incessantemente. Ele estava na defensiva. As árvores ao redor pegavam fogo, parte fora dilacerada brutalmente, estacas de pedra afiadas percorriam boa parte da arena e pedras que brilhavam em um verde fluorescente criavam uma trilha para uma pequena ladeira que subia. Alatar estava cansado, as criaturas corrigiam a falha uma da outra e mantinha meu líder preso em um tornado de ataques imparáveis. A velocidade dos golpes aumentou. Elas giravam tão fluidamente que eu mal podia ver seus vultos, era como se Alatar estivesse cercado por um pequeno tornado negro. Alatar liberou três lâminas mágicas de seu corpo, mas as criaturas se afastaram e, no mesmo instante, voltaram a atacar. As lâminas brancas seguiram seu caminho devastando os troncos azarados que ainda ardiam em chamas. Eu conseguia enxergar a energia delas ser corroída por uma espécie de parasita em suas auras. Mas, ao invés da aura perder o seu brilho, ele só queimava mais energia. De onde vinha esse poder? Um som de armadura me tirou dos meus pensamentos, foi quando vi Bruno se cobrir com uma armadura completa feita de água. A mana em sua aura era consumida muito rápido. 

 

— O que está fazendo? — falei, trovões ecoaram pelos céus. — Que chance nós temos? 

 

— Se ele perder, nós também perdemos — O olhar determinado de Bruno alcançou a luta. — Ele nos chamou para ajudar e é isso que faremos.

 

Bruno se aproximou e criou uma espada longa e irregular de água, logo a direcionou para o tornado negro. Uma das criaturas parou e virou para ele, enquanto a outra tentou segurar Alatar. A arma de Bruno foi segurada, mas ele sorriu quando a espada se desmanchou e explodiu em lâminas afiadas de gelo. O monstro gritou, sua pele fora perfurada completamente no braço e na metade do rosto. Alatar se desvencilhou do segurar do outro e enfiou o braço no estômago da criatura. Arrancando tudo o que estava lá dentro, ele cobriu as mãos com energia e atacou nas laterais da cabeça. Repentinamente, a criatura que fora acertada por Bruno lançou uma rajada de fogo amarelo no meu amigo e foi salvar seu próprio aliado das garras de Alatar. Os punhos do meu líder colidiram e balançaram o ar quando a cabeça do inimigo foi puxada para longe, enquanto Bruno tentava reunir água para se defender da enorme chama que o seguia.

 

Bruno grunhiu quando levou em cheio e voou para perto de uma árvore, sua armadura aos poucos se desfazia, e seu rosto fora parcialmente queimado. Meu amigo cuspiu sangue e cambaleou quando ficou de pé. Alatar gritou por Bruno, mas a criatura acertou suas costas. O braço dela havia perfurado o meu líder, que agora estava ajoelhado. Ele tentou se contorcer e gritar, mas o ser o mantinha preso. A esperança ia embora enquanto eu via a outra criatura se aproximar do meu líder. Bruno me lançou um olhar culpado, e Alatar nos ordenou correr.

 

Até que uma linha vermelha surgiu, e o braço da criatura voou. 

 

Antes do inimigo tocar o chão, Ellie enfiou a espada no centro de seu rosto. A criatura Dois tentou atacar ela, mas Alatar agarrou a cabeça da criatura e deu um sorriso malicioso e ao mesmo tempo satisfatório. O ser gritou enquanto sua cabeça era esmagada, o som de ossos sendo espremidos ecoou por todo o ambiente. Ellie não conseguiu tirar a espada da criatura Um e recuou para desviar de suas garras, deixando sua espada atravessada na cabeça dele. Alatar afundou o crânio do monstro no chão e se aproximou de Ellie e Bruno.

 

— É muito difícil de esmagar — Ele sorriu, o ferimento brutal em suas costas coberto por uma camada grossa de mana. — Que bom que eu trouxe vocês. Depois quero que me contem sobre suas magias de agora. 

 

Bruno assentiu com um fraco sorriso, mas Ellie disse:

 

— Magias? 

 

— Sua espada atravessou a cabeça de um ser que eu não pude esmagar, isso é no mínimo interessante — As criaturas rosnaram. — Vamos finalizar este duelo.

 

Os três começaram a lutar, e eu comecei a presenciar um dos duelos mais incríveis que eu já vi. Alatar usou as lâminas mágicas flutuantes de modo que evitasse as energias de Bruno e Ellie. Bruno usava escudos de água para compensar a fadiga dos outros em certos ataques inimigos enquanto Ellie investia em golpes críticos após brechas abertas por Alatar. Me perdi por um momento ao ver os olhos de Ellie focados em cada mínimo detalhe da batalha, mesmo com os cortes fundos sofridos e a mana se esvaindo, ela se manteve firme. Eles mantiveram esse ritmo insano por vários minutos, nos quais minhas pernas negaram a se mover. Quando Ellie esquivou de um chute e um soco de ambos os monstros, ela pulou e puxou sua espada e no movimento de descida rasgou as costas do ser. 

 

— Você vai ficar aí parado? Faz alguma coisa — Spectro disse. 

 

— Eles são muito rápidos, eu vou acabar morrendo. 

 

— Você realmente quer só olhar a batalha que vai definir se você vai sair vivo ou não? 

 

Gravetos se quebrando trouxeram arrepios nos meus braços. Apontei a katana na direção dos passos, mas a abaixei logo em seguida. Amanda tinha sangramentos no abdômen, nas pernas, no olho direito e na perna. Meu queixo caiu e logo me movi para perto dela. Ela estava ofegante, a flauta em sua mão carregada de magia. Antes que eu conseguisse falar, seus olhos encontraram a luta. Com um grunhido e um estalar no braço, ela tocou a melodia novamente. De repente, mais árvores próximas foram derrubadas e Breaky e Rona surgiram com o mascarado. 

 

Rona deu um rolamento para frente, mas uma rajada de energia espiral ficou a um palmo de o atingir seu único olho aberto, até Breaky bloquear com sua espada coberta de rachaduras. Eles estavam ofegantes e olhando para o encapuzado, que vinha na direção deles com passos lentos. Letholdus também estava machucado. Havia um buraco em seu braço de magia negra, suas vestes tinham diversos furos e sua aura estava menor que antes. Seus olhos vermelhos finalmente me encontraram, mas o poder de Amanda me deixou livre de qualquer emoção negativa. 

 

 — Me mostre o que você tem — Ele disse em um tom zombeteiro enquanto desfazia a aura protetora. — Se é que você pode fazer algo. 

 

— Má ideia — disse Spectro enquanto eu apontava a katana para o inimigo. — Má ideia! 

 

Breaky, Rona e o Letholdus me olharam confusos, mas eu só corri e ataquei. Minha espada acertou o ar quando ele agachou sobre uma perna e afundou um soco no meu estômago. Tentei novamente, mas Letholdus desviara. Repeti o processo diversas vezes, lágrimas surgiram nos meus olhos por só errar. Várias linhas de magia saiam dele e cortavam todo o meu corpo, mas eu continuei mesmo sabendo que deveria parar. Quando ele conseguiu segurar meu punho e me desequilibrar, criou uma ponta afiada na mão e tentou me perfurar, mas Breaky entrou na frente e desviou parte do golpe; absorvendo o dano e gritando de dor. 

 

Nos dois resistimos à enxurrada de ataques do Letholdus, mas ele e seu poder eram mais que suficientes para mim e Breaky. Eu me afastei, e ele, com uma risada maníaca, se aproximou de Breaky, adentrando em sua guarda. Mas um escudo enorme e reluzente surgiu entre eles dois. A armadura de Alfi-rar fora amassada e arranhada, mas ele parecia bem.

 

— Ficar com monstros pequenos é tedioso. 

 

Com três pessoas no ataque, o duelo finalmente se equilibrou. Por mais que nós nunca tenhamos trabalhado em equipe antes, Breaky e Alfi-rar conseguiram se comunicar durante a luta com clareza, facilitando minha entrada na tática de manter o ataque constante. Um pouco mais de dez minutos se passaram e finalmente conseguimos uma brecha minúscula nele.

 

Mas foi o suficiente para Rona entrar. 

 

Seu punho cobertor de poder afundou no estômago dele, fazendo com que vomitasse sangue e voasse para as árvores próximas. Nós quatro estávamos ofegantes, e um escurecer alcançava os cantos da minha visão. Amanda caiu de joelhos, seus olhos sem foco, e sua flauta quicou para perto do fogo. Tentei me mover, mas falhei. Breaky conseguiu chegar a tempo de pegar o item. Voltei meu olhar a Alatar e os outros, mas a aura de Letholdus trouxe o terror de volta para o meu coração. 

 

Breaky bradou e correu na direção do inimigo que sorria. O capuz dele havia caído, permitindo-me enxergar sua pele coberta de traços cinzas e seu cabelo loiro escorrido para trás. O inimigo abriu os braços e vociferou o ataque de dezenas de espinhos negros e raízes de árvores que vieram do chão. Rona apontou a palma da mão para ele e uma esfera branca do meu tamanho surgiu, sendo lançada em seguida. Breaky cravou o pé no chão e parou, logo balançou a espada no ar. Estacas de pedra saíram de todo o chão do terreno e colidiram com o golpe de Letholdus. O chão se partiu em várias direções, até que o ataque de Rona alcançou o conflito e tudo ficou claro demais para que eu continuasse olhando. Um som agudo e longo ecoou enquanto destroços foram lançados para todo lado. Fui acertado várias vezes, mas o que me derrubou foi a forte rajada de ar. O uivar do vento demorou a cessar. 

 

Meu ouvido zumbia, o mundo girava. Quando a fumaça finalmente baixou, Letholdus estava sem blusa e fumaça saia de seu corpo cheio de símbolos. Os tentáculos negros o protegeram, mas incompletamente. Rona e Breaky levantaram com dificuldade e Alfi-rar protegeu Amanda e… Gina. Notei Bruno apoiado em uma árvore, seus olhos exaustos. Ellie estava com a mão em um braço, seu olhar de preocupação procurando algo. Alatar estava de joelhos… com um corte fundo na testa. 

 

Letholdus voou até a ponta de uma pedra bem alta próxima e ergueu o braço. Carreguei energia na ponta da katana e mirei um corte em seu cotovelo. Pedi, rezei, para que funcionasse, mas a rajada azul fraca surgiu e se dissipou em poucos segundos, muito antes de sequer se aproximar. 

 

— O que foi isso? — riu ele, raios vermelhos crepitaram em seu braços e se concentraram na palma de sua mão. — A essa distância todas aquelas queridas pessoas vão morrer — A criatura se aproximou dele, e meu grupo começou a abrir distância da área do ataque. 

 

Uma morreu, supus.

 

Gina se aproximou de mim, seus lábios tremendo. Ela levantou a mão e tentou liberar energia verde, mas lágrimas começaram a escorrer. 

 

— Quero ver como você vai reagir a isso — A esfera começou a crescer, meu coração pesou. 

 

Estava enorme, maior do que uma casa. 

 

— Fuja, Lumi! — Alatar exclamou, sua voz rouca. 

 

A expressão de todos se transformou em uma carranca preocupada quando a esfera foi lançada, mas tudo que alcançou meus ouvidos foi o som daquilo destruindo o chão e crepitando no ar. Spectro disse para eu correr, mas eu ignorei. A esfera de luz magma logo tomou quase toda minha visão, e eu preparei a katana para ela. O baque da energia com a espada estalou meu ombro esquerdo, deixando-me apenas com o braço direito para aguentar a pressão. Gritos de desespero chegaram aos meus ouvidos, mas nada mais importava. Se eu saísse daqui, o ataque iria direto para as pessoas.

 

Meus pés deslizaram na terra. 

 

Gina estava atrás de mim, eu não queria deixar ela morrer também. Enfrentar um ataque grande para salvar a vida de alguém… Foi assim que você se sentiu, Cirlan?

 

Meu corpo começou a aquecer, o suor escorria. Os choques tentavam me convulsionar, mas eu resisti. Os raios vermelhos queimavam minha pele, mas eu apertei minha mandíbula até sentir dor nos meus maxilares.

 

Eu estava sendo arrastado mais rápido. 

 

Liberei minha aura desengonçada pelo meu corpo e ela começou a interagir com o fogo. Os raios criaram pequenas chamas pelo meu corpo, a energia da pedra correu para os meus braços e ao longo do meu peitoral. A katana concentrou energia mais densamente na área de impacto, eu pude sentir que ela queria reagir. 

 

— Não vai dar, porra! — Spectro gritou.

 

Quando comecei a desistir, senti uma mão sobre a minha. Ellie ficou de costas para mim, ambos estávamos resistindo ao ataque. Mas nossos músculos chegaram ao ápice e começaram a rasgar, a katana saiu do lugar e a esfera ia nos engolir. Mas senti meu corpo ser puxado para longe, e o ataque de Letholdus seguiu destruindo tudo na direção da trilha. Breaky conseguiu jogar Ellie, eu e Gina para longe. 

 

Os restos da vila se transformaram em uma cratera, a floresta ao redor ardeu em chamas e troncos inteiros voaram com o balançar do terreno. A esfera atingiu o fim da trilha feita por Alatar, e sangue e membros voaram por toda a paisagem. 

 

Eu paralisei.

 

Gritos de agonia e metais colidindo podiam ser ouvidos, mas meu transe foi mais profundo dessa vez. Ellie me balançou e gritou meu nome — sua voz estava abafada. Gina começou a curar meu corpo, mesmo que estivesse chorando. Meus pensamentos… estavam desencaixados. 

 

A criatura se moveu para Alatar e Rona para o canto escuro da minha visão, e Ellie tentava me “acordar”. 

 

— Cadê Sairon!? — Amanda berrou.

 

— Deve estar morto! — Letholdus pulou da pedra e Amanda atirou uma espécie de raio em sua direção. 

 

Com dificuldades, ele defendeu. Ele pegou uma adaga curva e correu para mim, pela primeira vez eu vi desespero nele. Breaky entrou na frente para me defender, mas teve seu braço quebrado com um soco desumano. Ellie iniciou uma série de chutes, mas o encapuzado a segurou pelo pescoço e a tacou no chão. Ele criou uma espada negra e mirou no meu pescoço, e eu pude jurar ter ouvido que ele falou algo como “esse é o fim”, mas Amanda transformou sua flauta em uma espada de energia e o bloqueou. Sua flauta-espada voou e ela caiu de joelhos na minha frente… com a espada atravessando o seu corpo.

 

Lágrimas escorreram pelos seus olhos quando suas mãos tocaram meus ombros.

 

— Encontre meu irmão… pra mim. 

 

Seu corpo caiu ao meu lado, e, pelo que pareceu uma eternidade, meu tempo congelou. 

 

— Foi um erro considerar você um perigo-

 

Antes dele acabar de falar, eu iniciei uma sequência de socos e chutes cegos enquanto gritava irritado, mas foram facilmente bloqueados e rebatidos. No decorrer dos meus golpes, nos aproximamos das pedras verdes que emitiam magia. Diversas vezes acertei o chão por causa da subida estreita. Até que um chute me derrubou, me deixando em cima de uma dessas pedras. Mesmo com minha consciência me abandonando, percebi que havíamos chegado a dois passos da beira — a única parte plana que havia era onde nós estávamos. Havia várias dessas pedras aqui. Quando sua espada ia perfurar o meu crânio, Breaky se jogou em cima dele e ambos caíram na ponta. 

 

Bruno chegou com socos e chutes descontrolados e Breaky — já se levantando — pegou sua espada quebrada. Meu amigo foi arremessado longe com um soco, rolando entre as pedras até bater em uma árvore, e a espada de Breaky colidiu com a lâmina negra do inimigo, que bloqueou sem sequer olhar. A espada de Breaky se despedaçou e ele se desequilibrou para trás, ficando à beira de cair do precipício. Coloquei mana em meu braço e dei dois passos rápidos até ele. Puxei seu corpo pesado, mas o desequilíbrio me encontrou.

 

Meu corpo começou a cair. Tentei segurar a mão de Breaky, mas uma explosão nos afastou mais. Da fumaça e do caos, ela surgiu. Seus olhos emitiram um medo que eu jamais vira antes quando ela tentou me segurar, eu a retribuí com um olhar esperançoso. Nossos dedos quase se encostaram, até que outra explosão surgiu.

 

Desta vez, meus pés saíram da beirada.

 

Vendo tudo cada vez mais distante, eu fechei os olhos. Aceitei meu destino e deixei meu corpo leve. Era tudo que eu podia fazer. Com a tristeza me correndo, eu me deixei chorar em silêncio. 

 

Desculpa, mãe, por não ser capaz de voltar como eu te falei.





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