Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 25: Barreira

 

 

O sol quente chicoteava minhas costas. As nuvens estavam ausentes no céu, e os vastos campos verdes se estendiam até as montanhas distantes. Do outro lado estava o muro de Karin, grande, acinzentado e repleto de guardas sobre eles; e nas torres de defesa. Os sons que se destacavam aqui eram os dos meus passos no cascalho e na terra e minha respiração pesada. Eu conseguia ouvir o tumulto habitual das ruas cheias e do comércio, mas estavam tão distantes que eu quase me esquecera. Finalmente eu caí de joelhos e deixei o meu corpo cair contra o chão — parecia que dar duas voltas ao redor da cidade era o meu limite, então. 

 

Semanas haviam passado desde que comecei a praticar as lições de Alice, Ellie e Alatar. Por mais que eu fosse inexperiente ainda, eu conseguia desperdiçar com menos frequência os movimentos de ataque, além de economizar energia para continuar a lutar. Andei até meu local de treino — que era em uma clareira perto do lago em que falei com o cavaleiro Real — e peguei o presente dado por meu pai. Eu ainda precisava explorar os limites da espada e descobrir para que a pedra mágica servia, mas depois de me irritar com o Miguel e ter treinos infrutíferos relacionados a magia de ambas, eu resolvi investir em violência física. Afinal, eu precisaria ficar forte se quisesse quebrar as costelas do Príncipe. 

 

Fechei os olhos e passei alguns minutos me concentrando na energia que a katana emitia. Uma leve camada de mana grudava na lâmina como uma segunda pele. Avancei contra a árvore e mirei um ataque de cima, tentando passar minha vontade para a espada e usar a mana de maneira ofensiva. A ponta da espada colidiu com o tronco e voou para longe, enquanto minhas mãos doíam e eu murmurava maldições. Repeti o processo de novo e de novo, mas, mesmo aplicando a pouca técnica que eu sabia, cortes rasos foram todo o dano que causei. A mana simplesmente ficava ali, parada e sem interagir com o ambiente externo. A única vez que a senti foi quando ela quis me ajudar contra o goblin. Eu sabia do poder aqui, do potencial capaz de destruir uma casa, mas precisava aprender a usá-lo. 

 

Por que ela me aceitou naquela luta? 

 

Dei um grande grito gutural enquanto chutava a árvore e guardei a arma e a pedra mágica. Irritado com a demora do processo e por já ter perdido mais de um mês, eu voltei para casa. 



Perdi as contas de quantos dias se passaram quando intensifiquei minha rotina de treino. Eu tinha um dinheiro guardado das minhas missões como coletor, então, por mais que minha mãe tivesse mais que o suficiente, eu deixei para ajudar em casa. A dica de meditar perto de cada elemento foi a que eu menos compreendi, pois a meditação em si já era algo difícil de se aprender e mais ainda dominar. Ela exigia uma concentração enorme apenas para começar, então precisei tirar bastante tempo para focar apenas nisso. Fiquei desapontado quando não tive reação de elemento algum. Eu queria o fogo,a água, a terra… qualquer um.



Acelerei meu ritmo de corrida enquanto segurava com firmeza a espada, a mana fluía lentamente para sua ponta, mas era o começo que eu precisava. Cravei minha arma no chão, e a pedra mágica brilhou. Observei com uma sobrancelha levantada, uma ideia se formando como a brasa de uma fogueira na minha cabeça. 

 

— Talvez se…

 

Peguei a espada e a pedra e tentei tocá-las. Foi como se a energia de cada uma se repelisse, pois minha arma voou e fixou-se no galho de uma árvore. Eu ri. 

 

Depois de pegar a katana, sentei na posição de meditação e segurei meus itens. Me concentrei por vários minutos, forcei cada parte do meu ser a sentir a energia presente. Ver a energia das pessoas era simples, a aura delas ficava estampada ao redor de seus corpos, mas essa bosta de pedra… Mantive meu foco, afastei o assobiar do vento e os chiados dos animais, até mesmo o som da minha própria respiração estava distante, e foquei na energia da minha aura. Foi aí que eu vi novamente as duas chamas dentro de mim, e, ao lado delas, mas distante ao mesmo tempo, a energia da katana; era simples e leve, ela agia como água e parecia ser fácil de manusear. Ela era semelhante a minha chama branca e fraca. 

 

Desta vez foquei na energia que vinha da pedra. Completamente verde, como uma grande muralha que se estendia infinitamente para os lados e para cima. Ela era como um núcleo, sua energia oscilava. Parecia ter muito mais dela além dessa barreira. A katana não possuía esse aspecto de fonte de energia, como ela se mantinha sempre coberta por mana?

 

Tentei tocá-las novamente, precisei segurar firme a katana. Uma aura verde começou a sair como vinhas ao redor da pedra, e a espada trouxe uma pontada de dor para o meu peito. Minha cabeça de repente pesou e eu me vi de joelhos, logo meu corpo foi ao chão. Mesmo com o latejar que alcançava meu olho esquerdo e com a forte dor aguda que se agravava em meu peito, continuei segurando. Meu corpo estava pesado, a espada vibrava. Até que tudo parou. 

 

Ofegante e suado, eu fiquei de pé. A katana permanecia a mesma, mas a pedra…

 

Um sorriso alcançou o meu rosto. 

 

Tinha uma brecha no muro infinito. Tirei alguns minutos para recuperar o ar. Talvez se eu repetisse o processo, eu poderia conseguir alguma resposta por trás da barreira infinita. O único obstáculo seria o quanto de dor eu poderia suportar por tentativa. Me posicionei e segurei ambos com firmeza. Fechei os olhos por um minuto, me permiti reunir todo o ar possível e me preparei para a dor. 

 

O toque trouxe partículas de raio verde e vermelho crepitantes ao redor dos meus braços, me trazendo um choque que me fez ajoelhar novamente. Em seguida, ventos cortantes cruzaram por todo o meu corpo, diversos cortes rasos foram abertos, mas nada que pudesse me fazer desistir. Os raios foram se intensificando, os cortes ficaram mais profundos, e o sangue saiu da minha boca e nariz. Também senti um líquido quente escorrer do meu ouvido. Eu realmente esperava que fosse sangue. 

 

Cada tentativa abria uma brecha nova no muro que parecia não ter fim, e as brechas aumentavam conforme eu tentava tocar a espada na pedra. A dor se alastrou para dentro do meu corpo, meu exterior ficou com hematomas roxos e o sangue escorria como em um riacho. Minhas costelas doeram a ponto de estalarem, e alguma coisa em minha barriga me fez cuspir um bocado de sangue. Eu caí diversas vezes, mas reiniciei o processo empolgado com que tipo de recompensa poderia vir. Meu coração estava acelerado a um ritmo novo, como se estivesse dizendo que se eu não parasse, ele iria. 

 

Faltando apenas um ponto do que parecia ser o infinito, eu tentei mais uma vez, e a dor aguda se espalhou por todo o meu corpo, trazendo um choque acompanhado de uma espécie de convulsão. Meus membros estavam desesperados, soltos. Lágrimas escorreram quando eu me toquei que não sabia o que aconteceria comigo, meus gritos de agonia ecoavam por toda a floresta enquanto eu me contorcia no chão. Droga, droga, droga. Meu peito pesou de uma maneira brutal, tanto por medo quanto por raiva e dor. Chegou em um ponto em que eu comecei a babar.

 

Eu precisava resistir. Se eu quisesse ver a Emy de novo, Amice e… Kanro. Me ajoelhei, rangi os dentes, tentei resistir a toda essa energia, e minha visão escureceu.

 

E tudo parou. Eu me vi deitado, quase dormi. A espada e a pedra estavam um pouco afastadas e as estrelas já podiam ser vistas. Talvez eu realmente tenha apagado. Meu corpo estava sujo, dolorido e ensanguentado, mas eu conseguia me mover. Peguei ambos novamente e senti uma euforia me atingir. Estava mais fácil senti-los. Adentrei na energia da pedra misteriosa e vi a barreira, que tinha sido destruída brutalmente, como uma parede após levar marteladas. Havia um pedaço ou outro nos cantos parcialmente infinitos agora, mas eu podia explorar mais a fundo. Antes de eu entrar no cenário verde e caótico, senti meu braço ficar mais leve. Abri os olhos para ver. A pedra havia liberado parte de sua energia para o meu braço esquerdo. Uma aura verde e tranquila, que se movia calmamente como as nuvens no céu, me trouxe uma sensação de força.

 

Fiquei boquiaberto. 

 

A katana fez o mesmo com o outro braço, mas com a aura branca e menos opaca. Eu tinha duas auras distintas de itens que podiam fazer muito mais, o que me levou a pensar que essa era apenas a primeira camada. O único brilho no local eram as auras que me cercavam. Eu realmente tomei a aparência de alguém forte. 

 

Animado, me aproximei da árvore e afundei meu punho. A planta tremeu, vários galhos caíram sobre minha cabeça e meu braço estalou. O soco foi forte o suficiente para abrir um buraco minúsculo na árvore, mas meu membro perdeu todas suas energias. Ele ficou solto na lateral do meu corpo e a pedra caiu, levando consigo a aura esverdeada. Útil, mas fatal. Isso poderia definir o resultado de uma luta, se bem usado. 

 

Me preparei para um corte lateral. Desta vez o corte foi fatal. A mana fortaleceu o meu braço e aumentou sua velocidade, além de elevar o dano e a leveza da espada. Uma cicatriz formou-se no largo tronco, e meu braço logo perdeu suas forças.

 

Me deixei cair de joelhos.

 

— Eu consegui algo! — gritei, soltei toda a minha voz. 

 

Minha aura estava agitada, como se quisesse ser usada. Eu podia sentir o meu pouco poder querendo ser testado. Ele estava aqui, cabia a mim querer acessá-lo.

 

Ouvi alguém pigarrear. Olhei em volta, mas estava escuro demais para eu ver alguma coisa. Passos leves e rápidos se aproximavam de mim. Quando chegou em minhas costas, eu virei meu rosto, e a cara de um ganso colidiu com a minha. Ele grasnou e se afastou, seus olhos brilharam e suas armas emitiram um brilho neon. Voltei minha atenção para a pedra, mas eu paralisei quando ouvi alguém falar.

 

— Olá… 

 

Virei rapidamente para o ganso, mas ele me olhou como a cara desinteressada e voou, levando a fonte de luz consigo. 

 

— Eu não sabia que gansos podiam falar. — sussurrei.

 

— Eu também não.

 

Me virei de novo, meus olhos se esforçaram para tentar ver entre as árvores através da escuridão. Uma pequena fumacinha verde saiu de trás da pedra mágica, ela tinha um rosto incomum e me encarava. Dei um gritinho vergonhoso e aterrissei meu traseiro em uma pedra. 

 

— O-o que é você? — falei, enquanto me aproximava.

 

— Eu vim dessa pedra aqui… — Ele agiu como se apontasse, apesar de não possuir membros. — Eu acho. E quem é você? Digo, eu me lembro de ter te visto segurando uma espada…

 

— Você veio daí de dentro? 

 

— Eu acho que… é… eu dormia no selo um. Mas o muro infinito sumiu e eu acordei do lado de fora. Você dormiu bastante. 

 

— Você é algum tipo de mistério para me ajudar a derrubar a próxima barreira ou algo assim? Eu gostaria de algumas informações sobre essa pedra. E o que são os selos?

 

— Eu não sei. — falou o foguinho flutuante, sua feição grogue. — Sobre entrar… Deixa eu tentar.

 

Ele flutuou para cima e desceu em um rasante, sua forma incorpórea se perdeu na pedra. 

 

— Que barreirão em, é maior que o primeiro. 

 

— Não me diga. 

 

Uma barreira depois de outra… Suspirei em derrota. Andei um pouco para longe, meu queixo pousado em minha mão, e ouvi o foguinho me chamar.

 

— Acho que eu tenho uma distância limite. 

 

Peguei a pedra e a katana e resolvi andar de volta para casa. Pedi ao ser que iluminasse a frente com o pouco brilho que ele emitia. Ele simplesmente obedeceu e manteve um metro de distância da pedra. Realmente fiquei confuso sobre o que pensar sobre a consciência mágica flutuando vinda de uma pedra misteriosa, mas se ele estivesse aqui para ajudar, ou pelo menos tentar, me seria útil. Eu tentava ter esperança, só que nem ele e nem eu sabíamos a que ele veio.

 

— Nossa… Que cidade linda! A gente devia comprar comida. — falou o fogo flutuante, enquanto admirava maravilhado as luzes dentro do grande portão da cidade.

 

— Você come? — perguntei, uma sobrancelha minha arqueada.

 

— Me ofende que você ache que não. Bem… eu queria descobrir, ao menos. 

 

— Essa é Karin, a cidade onde eu moro. Eu prefiro que você fique dentro da pedra por enquanto. Sabe, é incomum ver um fogo-fátuo falante.

 

— Oh, claro, claro. 

 

Ele rapidamente entrou na pedra do meu bolso. Quando me aproximei do portão, um dos três guardas chamou minha atenção.

 

— Lumi Kai!? Está ferido? — disse ele se aproximando. — Monstros, certo? Deixe isso conosco!

 

— Estou bem, estou bem. Só caí e rolei em algumas pedras. 

 

— Você é meio masoquista. — O ser incorpóreo sussurrou antes do guarda continuar. 

 

— Melhor assim, então. Vamos entrando que já é tarde. 

 

— Certo.



Emy e Amice estavam dormindo quando cheguei em casa. Entrei sem fazer barulho e fui ao terraço. O céu estrelado estava realmente lindo. Ainda sujo e fedendo, deitei, logo coloquei as mãos atrás da cabeça e larguei um longo suspirar.

 

— Nem para tomar banho. Suponho que você não goste. — disse o foguinho, sua forma fumacenta flutuando na minha visão.

 

— Eu só quero descansar um pouco, temos muito treino a fazer ainda.

 

— Temos?

 

— Você não estava lá atoa. Amanhã vamos tentar descobrir o que você pode fazer.

 

— Incluindo tentar comer, certo?

 

— Sim, incluindo tentar comer. — Deixei um fraco sorriso escapar quando ele flutuou em minha barriga. 

 

Eu estava repleto de dúvidas, mas senti que devia parar. Deixei meus pensamentos flutuarem para longe e foquei no céu, até que a mensagem deixada pelo goblin ficou clara em minha mente. 

 

“Se bem a usar, ela pode favorecer. Se mal a tratar, ela se voltará contra você”.

 

Será que era sobre ele que ela estava falando? Eu estava um passo mais próximo de ficar forte. 

 

Um pouco mais perto de me defender de quem me caça.

 



Comentários