Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 2

Capítulo 24: Lugar errado, hora errada

 

 

 

Meu olhos se arregalaram e eu engoli seco. O olhar de Alice trouxe uma pressão sobre mim, como se sua aura pudesse me esmagar a poucos passos de distância. A voz de Aria me tirou do meu transe quando ela disse para eu pegar uma arma. Andei, hesitante, até a caixa de espadas de madeira mais próxima e peguei uma. Minha mãos tremiam, eu ainda estava com os olhos bem abertos. Cada passo em direção ao ringue foi repleto de imagens do meu corpo sendo arremessado por ela. Vários olhares pairavam sobre mim. Talvez ser famoso e fraco seja uma combinação péssima, afinal. 

 

De frente para Alice pude perceber que sua aura era, de fato, assustadora. Como uma essência negra e protetora, ao mesmo tempo vermelha e ofensiva, seu poder corria pelo seu corpo. Ela me lançou um olhar sério e Alatar sinalizou o começo. Ela se posicionou de lado e com a espada apontada para mim, enquanto eu segurava a minha com uma mão e tentava copiar ela. Ficamos vários segundos nos entreolhando, eu esperava que ela fosse dar o primeiro movimento, mas seu corpo permaneceu estático como uma fera prestes a atacar. Merda. 

 

Alice moveu lentamente sua perna de trás para o lado, arrastando-a no chão cautelosamente. De repente, o chão tremeu e ela estava em minha frente, sua espada a um palmo da minha testa. Senti minha coluna doer ao desviar, mas minha arma ficou para trás. O pedaço de madeira que eu carregava ricocheteou no chão, e a menina samurai conseguiu direcionar o seu ataque para mim com uma curva surreal. 

 

Eu consegui ver a brecha de seu ataque, ela tinha um ponto quase inexistente de desequilíbrio. Sua espada vinha ferozmente até meu estômago. Eu estava mais rápido. Movi minha perna, fiz de tudo para levar minhas mãos até o local do ataque. Desviar era impossível, precisaria de uma velocidade surreal, mas defender era outro ramo — apesar de não ser o meu. Seu ataque penetrou meu estômago e eu voei, arrastei o rosto no chão e finalmente caí. Pude ver que Alatar levantou a mão para finalizar o duelo, mas eu me ajoelhei, e então levantei. Ouvi alguns elogios, sussurros, dizendo que era impossível se esquivar do primeiro golpe. Outros que esperavam que eu fosse mais sanguinário. Mas nada disso importava. 

 

Senti um ardor acima do meu olho direito, como se algo quente estivesse escorrendo. O mundo girou por um momento e eu cambaleei. Alatar olhou para mim, curioso ainda, e perguntou: 

 

— Está bem para continuar, garoto? 

 

Sem responder, eu peguei a espada realmente quebrada e fiquei de pé. Foi realmente impressionante lembrar que ela venceu Zack com apenas um golpe. Talvez eu esteja mais forte que o nobre daquela época. Alatar sorriu e sinalizou para que continuássemos. Notei que Ellie olhava criticamente para mim, enquanto Bruno e João olhavam com preocupação. Esses dois nunca mudam. Deixei um leve sorriso alcançar meus lábios. 

 

Abri meus olhos e foquei-me em suas pernas. A mana se concentrou ali até ficar opaca. A maneira como a magia se movia pelo corpo dela e como ela podia controlá-la era tão impressionante quanto a da Ellie. Novamente ela deu seu passo injustamente rápido e me atacou de cima, mas, desta vez, eu ergui a espada para defender. 

 

Minha espada virou estilhaço.

 

Alice mirou em meu estômago como na primeira vez, mas eu segurei sua arma e resisti ao arder em minhas mãos com um grunhido abafado. Levei minha perna até a boca de seu estômago, e a menina samurai rangeu. Ainda segurando a espada, tentei lançar outro chute, mas ela largou a própria arma e me deu uma banda. Antes que eu pudesse tocar o chão ela se levantou, pegou a espada no ar e a apontou para a minha garganta. Seu rosto se manteve inexpressivo durante todo o combate. 

 

Quem é ela? 

 

Alatar encerrou a luta e as pessoas voltaram a treinar. 

 

— Sua técnica é péssima. — disse Alice, seu olhar ainda em sua espada. Logo ela virou para mim e seus olhos escarlates encontraram os meus. 

 

— Eu sou inexperiente com qualquer tipo de arma. Já usei um pouco de adaga… — Eu apanhei de todas as maneiras que você poderia imaginar, Alice. 

 

— Pegue sua espada. 

 

Olhei para meu cotoco de arma no chão e fiz o que ela pediu. Alice posicionou-se de uma maneira mais simples, segurando a espada apontada para frente e a base um pouco mais relaxada que a de antes.

 

— Os movimentos básicos de corte que vai precisar irão vir a partir das suas pernas. — Ela sinalizou, e logo realizou um movimento lento. — Precisa manter seus braços contidos, nunca totalmente esticados. Você segurou a espada como se fosse soltá-la a qualquer momento, lutou como se quisesse jogá-la fora. Assim ela irá simplesmente quebrar-se e os golpes perderão sua força. 

 

Fiquei confuso no início, mas ela ficou um bom tempo me instruindo. Durante mais algumas horas, eu pratiquei. Repeti os movimentos e tentei corrigir minha técnica até o meu corpo ceder. Eu podia enxergar um pouco sobre isso, mas comecei a entender o quão refinado os movimentos dela e da Ellie eram. Comparado a elas, eu lutava como uma criança desengonçada, desperdiçava movimentos, força e energia. Não é atoa que eu fiquei tão cansado, então. Ou será pela falta de exercício físico? Bem, basta eu manter os exercícios do meu pai. 

 

Quando fui encher a garrafa, meus ouvidos foram atraídos por um assunto interessante no grupo. Áki, Bruno, João, Sander e Amara discutiam sobre monstros de auxílio no grupo. 

 

—... Sim, sim. Podem ser úteis para diversas finalidades. — falou Alatar, a animação estampada em seu rosto. — Um grande urso das chamas pode ser domesticado e usado para auxiliar seu mestre em batalha, criando assim um vínculo entre os dois. Como também há monstros feitos para auxiliar grupos de coleta, defender guerreiros e proteger famílias. Os próprios dragões usados apenas por alguns nível Caos são um ótimo exemplo disso.

 

— O preço deles é acessível? — perguntou João.

 

— Depende do ser que você quer ter. Geralmente apenas as famílias mais ricas têm interesse, então já pode começar a contar suas moedas de ouro. — O grupo ficou boquiaberto, e Alatar continuou. — Aqui em Karin não há, pelo menos não ainda. Com tantas anormalidades aparecendo essa cidade vai crescer bem rápido. Temos literalmente a presença de um Rei aqui. 

 

— Você sabe também sobre os seres místicos? — Amara disse, um sorriso se formava em seus lábios. 

 

— Esses talvez sejam tão raros e fortes como dragões, se não mais. 

 

— Então a fênix pode ser mesmo real? Digo, ela realmente existiu? — falou Nirmim, entrando no assunto. Os outros olharam curiosos para Alatar.

 

— Eu mesmo só vi em livros, turma! Mas quem sabe o que podemos encontrar nas profundezas de uma alrofy? 

 

Depois de algum tempo todos foram embora, e eu me vi guardando os equipamentos com quase todas as luzes apagadas. 

 

Oh, o último a sair?

 

— Você é realmente bem dedicado. — disse Alatar, apoiado em uma parede no canto da sala. 

 

— Eu tento, não creio ter outra escolha.

 

— Eu percebo sua força, posso ver a sua aura. — Meus pelos se arrepiaram e eu me virei, um tanto boquiaberto, para ele. — Venha quando quiser. 

 

Acenei para ele e me direcionei para a porta, até que ele falou e eu parei.

 

— É muito provável que uma missão chegue, e eu gostaria que principalmente você fosse. — Me virei para ele, fiquei um tanto confuso. — Tem alguns relatos de lá que podem te interessar, Kai. 



Já era tarde da noite e a cidade estava vazia. Lembranças vieram me assombrar do dia em que o encapuzado tentou me matar, mas parei e fechei com força os olhos. Você vai ter que encarar ele em algum momento. Respirei bem fundo, minhas pernas tremeram, mas eu me recompus. Ele eventualmente iria aparecer, e, se eu quisesse realmente matar ele e toda sua organização, eu precisaria estar pronto, por mais que, por agora, parecesse impossível.

 

Gritos vieram de um corredor próximo. Meu coração acelerou, mas eu me apressei em ir verificar. Foi quando eu me toquei: Essa era a única rua sem nenhum guarda real. Parei, meus pés se arrastavam no chão, e os gritos se intensificaram. Impossível, impossível. Talvez fosse melhor chamar ajuda-

 

“Reaja Kai, você precisa chegar aqui. Por favor…”.

 

Lembranças da última vez que eu ouvi A Voz vieram, e me vi indo em direção ao corredor. Tremendo e relutante, eu estava a dois passos da entrada. Engoli seco, e pulei, rapidamente olhando tudo o que pude. O príncipe Miguel segurava um senhor pelo pescoço, enquanto uma mulher estava no chão, ferida, e um cachorro que emanava aura cinza latia ao lado dela. 

 

Seu olhar furioso me encontrou, e sua aura sombria quase me pôs de joelhos. Ele jogou o homem no chão e sorriu para mim. Que olhar maníaco. Uma criança saiu chorando de trás da lixeira e correu para as pernas da mulher, enquanto o príncipe andava lentamente em minha direção.

 

— De-de-deixa eles… — falei, mas saiu tão baixo que ele mal deve ter ouvido.

 

O que ele estava fazendo? Essas pessoas eram ruins? Ele era o príncipe, uma pessoa que devia proteger. 

 

— Ou o quê, Kai? Você só está vivo porque eu quero que você esteja. Suma daqui antes que eu me irrite. — Miguel rugiu, e então o cachorro mágico lhe atacou. 

 

A energia do príncipe se moveu tão rápida quanto a de Alice. Ele era mais forte? Seu chute trouxe um estalo vindo do animal, que voou em minha direção. Eu o segurei e o coloquei no chão, logo voltei a encarar Miguel. A raiva nasceu em meu peito. 

 

— Você é só um categoria onze, sua aura não tem poder nenhum, Kai! Seu teste para aventureiro foi forjado por pura pena. Afinal, com você se tornando famoso, Karin tende a ter mais investimentos. Mas como você poderia entender? — Meus olhos irradiaram ódio, cerrei meus punhos até as unhas perfurarem a palma. — Eu sou um Fulgor! Que chance você acha que tem contra mim?

 

Avancei mirando um soco direto no queixo, que foi interceptado por seu braço esquerdo, enquanto o direito veio para o meu pescoço e me cravou na parede com um baque. Engasguei, tossi, desesperado por ar. Minha cabeça começou a aquecer e minha visão embaçou enquanto ele apertava o meu pescoço, mas eu continuei encarando aqueles olhos doentios. 

 

— Você é incapaz. Ellie teria ido para a cama comigo se não fosse por você. 

 

— Ela tem um bom gosto, então. — falei, as palavras quase presas em minha garganta sufocada. 

 

Miguel apertou com mais força e meu pescoço estalou, mas a mulher avançou em cima dele e tentou lhe dar um tapa enquanto dizia para me deixar em paz. Ela concentrou uma camada de mana um pouco maior que as demais em sua mão e um bracelete brilhou por baixo da manga comprida dela. Miguel segurou a mão dela e a torceu, trazendo um estalo desconfortável para os meus ouvidos. Ela caiu no chão em um choro desesperado, e o homem e a criança olharam com horror para a situação. Meu ódio se alastrou para o meu braço direito, mas o pouco controle sobre minha aura me permitiu ficar apenas em minha força física; o que claramente era insuficiente para reagir.

 

Ellie e Alice eram Penumbras e eu jamais tivera chance, mas a situação não me permitia fugir. O ódio cresceu em meu coração. Forcei minhas pernas na parede, o que serviu apenas de entretenimento para o príncipe, porque ele riu e me colocou de joelhos, em seguida pisou sobre minha cabeça e cuspiu em minhas costas. Tentei levantar, fiz de tudo para sair, mas meu corpo já estava exausto. 

 

— Não se meta no negócio dos outros, Kai. — Miguel disse friamente. 

 

O cachorro de mana rosnou e ficou duas vezes maior. Suas presas foram em direção a ele, mas Miguel invocou uma espécie de lâmina negra de sua mão e atravessou o animal. Seu corpo caiu sem vida ao meu lado, e Miguel andou para fora do beco.

 

Só que uma sensação familiar veio do meu âmago.

 

Uma gota de suor frio desceu pelo meu rosto, o que pareceu uma eternidade, enquanto minha mente me trazia uma lembrança que ainda me assombrava. Miguel conjugou uma arma de energia pura e sombria da mesma maneira que o encapuzado foi capaz de fazer no dia em que tentou me matar. Cerrei os punhos de uma maneira que minha unhas perfuraram a carne da palma da mão, rangi os dentes até sentir uma dor aguda em meus maxilares. Meu coração bateu mais forte enquanto eu me esforçava para conter todo o ódio que tentava sair de mim. Pude sentir o encolher das minhas pupilas ao encarar as costas do príncipe caminhando para fora do beco, meu olhar permaneceu fixo no alvo que agora eu considerava um inimigo.

 

Se ele tivesse ligações com o encapuzado, ele também iria morrer. 



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