Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 5: Golpe fatal

Apertei o bracelete de couro e, deixando um suspiro derrotado escapar, amarrei firmemente as botas. Passei um pente pelo cabelo caído e estalei a coluna toda.

Esses treinos diários estavam acabando comigo, mas pelo menos meu bíceps estava crescendo. Não pude deixar de dar um sorriso ao me imaginar com um físico super atraente e atrair vários olhares... 

Bocejei enquanto fazia os alongamentos matinais e, assim que acabei, andei até minha bolsa. 

— Ei, João. O café está pronto. Se bem que devia ser sua vez hoje — Meu irmão.

Abri a porta e, animado, fiz uma pose.

— O que acha dos músculos do seu irmão, Guilher? 

— Por que você está engrossando a voz? Parece um frango.

— Nem um pouquinho do estilo garanhão?

Guilher arqueou uma sobrancelha e desceu as escadas enquanto eu, derrotado, o segui. O instrutor comentou algo sobre o treino de hoje ser relacionado a magia… que fosse distante de qualquer exercício físico. 

Acreditei que, se eu treinasse durante um mês, eu poderia ter tido algum resultado, mas parecia que o meu processo de hipertrofia era lento e demorado. 

Nem comendo que nem um desgraçado eu ganhei massa.

Depois do café da manhã, equipei-me com a bolsa recheada de água e cadernos. Sei que Guilher torcia por mim, porém esperava que ele fosse dizer algo como: "Nossa, seu bíceps cresceu um centímetro!". 

O sol ofuscou a minha visão assim que abri a porta de casa, e segui andando rumo a academia. Como os adultos conseguem ter tanta energia tão cedo? 

As ruas estavam um pouco vazias para o horário, mas eu vi gente sorrindo! Sorrindo e indo trabalhar… 

Depois de virar duas ruas, parei no chafariz. Eu precisava respirar antes de chegar lá. Ainda havia um cartaz ou outro sobre o minotauro… Havia sido há um mês, mas ainda me chocava o fato de aventureiros nível Real enfrentarem aquilo. 

Aquele era…

— Ei, Lumi! — Acenei.

Meu amigo freou sua corrida e fixou seu olhar em mim, ele estava suado e ofegante e usava sua roupa típica de treino. 

Seria que era uma exigência do time dos coletores? Para quem costumava ser preguiçoso, ele parecia determinado. Um sorriso surgiu em mim.

— Bom dia, João. Indo pra academia?

— Como de costume. Hoje treinaremos magia. Mas e você? Por que está correndo?

— Ser um coletor é um pouco mais complicado do que parece. — Lumi desviou o olhar, e um toque de exaustão exalou dele.

— Amigo, você tem descansado? 

— Não posso me dar ao luxo. Não quero ficar para trás, sabe?

Lumi ergueu o punho e sorriu. Seu sorriso foi leve.

— Boa sorte na academia. — falou ele, antes de eu tocar seu punho e nos separarmos. 

Talvez eu deva ir falar com ele mais tarde.

Segui meu caminho correndo, a fim de tentar me abster dos pensamentos e manter a concentração na mana sendo liberada próxima ao meu coração. 

Passei pelos dois guardas — que estavam quase dormindo — e entrei na grande área de treino. Haviam vários alunos conversando baixo ou alongando pelo tatames espalhados. 

As janelas estavam abertas, deixavam a luz do sol entrar. No canto das espadas de madeira, pouco afastado dos tatames, estava o meu grupo.

— Olá! — falei, enquanto começava a alongar as pernas.

— Bem vindo, caro João! Finalmente, finalmente não tivemos treino físico logo de cara. — respondeu Riler.

— Parece que Benevi realmente nos ensinará magia — disse Bruno com indiferença. Ele estava mais sério desde a queda de Lumi, não sabia se devia me preocupar. 

Nos mantivemos aqui por alguns minutos e, ao redor da sala, todos os alunos fizeram o mesmo. Benevi entrou na sala, ele usava uma calça jeans escura e uma blusa preta sem manga. Ele parecia maior que o último treino. 

E, sim, foi ontem. 

O silêncio logo preencheu a sala — se foi por medo ou vontade de aprender, eu não sabia — e nosso instrutor começou a falar.

— Infelizmente, o único treino físico que teremos agora será no ringue de duelos — Tenho certeza que a maioria dos que estavam aqui guardaram um suspiro de alívio. — Não pretendo ensinar passo a passo, nem dar atenção caso um de vocês não possa acompanhar.

Ele se aproximou do quadro branco no canto da sala, pegou uma caneta de cor laranja e virou para a turma. Seu olhar afiado analisava cada um presente aqui, mas ao mesmo tempo parecia desinteressado. 

Ele desenhou um boneco palito com barriga e pôs uma bola no centro dele.

— Esse boneco patético representa vocês. A mana que irão gerar pode acabar muito rápido se não a darem um propósito. Isto é, se for liberada descaradamente, vocês estarão apenas desperdiçando o reservatório de energia que possuem. — Ele rabiscou os braços, pernas e cabeça, todos os rabiscos vindo do centro. 

— Portanto, quero que tentem direcionar a energia para o punho direito e, se possível, concentrá-la. O foco da aula de hoje é o controle e como tornar o consumo mais eficiente. — Benevi criou uma espécie de aura branca em sua mão. — Por fim, não quero que se limitem a apenas o que eu passei. Se puderem fazer mais, façam. Entendido?

Todos respondemos em uníssono:

— Entendido!

Liberar energia sempre foi um processo fácil para mim, ela saia em forma de ar das minhas mãos. 

Mas tentar canalizar energia pura na palma da minha mão era um processo mais difícil que o esperado, foi como se, automaticamente, a energia procurasse desesperadamente qualquer saída para fora do meu corpo. 

Benevi estava certo quando disse que o consumo era excessivo e pouco eficaz, o que me levou a pensar o porquê de ser mais simples usar minha magia elementar que a própria mana pura. 

Eu poderia voar algum dia se fosse capaz de criar correntes de ar pelos meus pés?

Bruno, por outro lado, tinha um talento nato. Fosse para utilizar a água ou proteger o corpo com uma aura branca ele estava um passo à frente. 

Meu queixo caiu quando notei os dois braços do meu amigo cobertos com magia enquanto ele manipulava uma espécie de foice de água do chão. Vários olharam para ele, murmuravam dizendo como era incrível ou como ele era gato.

Passamos por volta de duas horas praticando. Durante esse tempo, Benevi trouxe alunos com insígnia da escola do Grande Rei 10 e ajeitou o pequeno ringue improvisado que havia feito. 

Uh… Senti uma preocupação entre o senso de competição das diferentes escolas.

Ele explicou que precisávamos praticar com pessoas diferentes e que essa era uma boa maneira. Estava tudo bem ver alunos rivais entrando, mas os murmúrios cessaram quando uma aluna de cabelo preto e olhos vermelhos entrou. 

Ela vestia partes de armaduras semelhantes às dos samurais, e sua aura por si só já nos mostrava o tamanho da sua força. 

Mordi de leve a língua. Ela não era a única renomada aqui, apesar de ter chamado toda atenção — os samurais eram raros até mesmo nas grandes cidades, para ela estar aqui…

Troquei olhares com Bruno e Riler, eles também estavam razoavelmente curiosos com a situação. Um jovem subiu no ringue, ele segurava o seu cajado de madeira escura e tinha um sorriso confiante em seu rosto. 

— Eu sou Zack de Etin. Todos aqui estão falando da sua grandiosa força, querida Alice Tadaratsuki. Que tal demonstrar um pouco para nós do que você é capaz? — O tom dele refletia pura arrogância de um nobre. Tinha que ser, mas…

Esse cara era maluco? 

A expressão de choque no meu rosto só não foi maior que a do nosso instrutor, que parecia ter visto um fantasma de um Minotauro. Esse garoto só podia estar fora de si. 

Benevi abriu a boca para falar, mas Alice subiu no ringue com um pulo. 

Ela aceitou?

— Oh, ótimo. Fico grato que tenha me dado a chance de crescer, sinceramente eu acho samurais patéticos — Ele sorriu como se fosse superior.

Acaba com ele, Alice!

Zack apontou o cajado para a menina, que apenas levantou a espada de madeira. O silêncio era absoluto, todos estavam focados no duelo que estava prestes a acontecer. 

Seria uma luta estratégia? Demoraria muito? 

Ele atirou duas esferas de energia verde — isso já era mais do que qualquer um aqui poderia fazer — e Alice desviou de cada uma observando Zack. 

O olhar dela causava medo, mas a arrogância de Zack impediu ele de ver isso.

— Ela já venceu. — disse Bruno, seu olhar focado na luta. 

— Samurai idiota! 

Zack virou a outra ponta do cajado e atirou uma espécie de raio verde nela, seus dentes estavam cerrados e o medo começou a preencher o seu olhar. 

Alice fechou os olhos e pôs a mão no pomo da espada; em seguida, ela avançou com um único passo, que foi capaz de quebrar a distância de dois metros que havia entre eles. 

A ponta de sua espada chegou ao nariz do nobre marrento tão rápido que meus olhos quase perderam o ataque. Seu corpo girou no ar antes que ele caísse e um dente seu saísse quicando da plataforma. 

Alice guardou a espada e desceu do ringue, seu olhar tão neutro quanto no momento que entrou. Nem precisava falar que, durante alguns minutos, todos estavam em um estado de choque. 

A tensão durou bastante antes que alguém voltasse a fazer alguma coisa. Dois curandeiros buscaram o garoto arrogante. 

Zack mereceu isso. Hahahaha.

Outros duelos foram acontecendo, o clima leve permitia treinar sem o medo de errar ou perder um dente. Os alunos da classe nobre optaram por continuar apenas na prática de mana, pelos olhares deles era claro que se acham melhores que todo o resto. 

Bruno conseguiu criar uma espécie de lança de água irregular enquanto mantinha seu braço inteiro coberto por uma camada de magia. 

Ele era incrível. 

Riler usou toda a mana dele, e eu tive poucos avanços.

— Nossa, você é muito bom. — disse uma menina que acabara de chegar.

— Agradeço, mas acredito que seja o mínimo. 

— Eu me chamo Aria. O grupo de vocês parece o mais divertido daqui — Aria era muito bonita. Cabelo loiro escuro, olhos castanhos e bem magra. 

Ela queria andar com a gente? Que bonita!

— Você seria muito bem vinda! — falei sem pensar. Meus dois parceiros me lançaram um olhar suspeito.

— Oh, ótimo!

Bruno era sensacional, eu podia apostar que ela veio por causa dele.

— Eu… me chamo… Riler — Suas bochechas coraram ao dizer isso. 

— Bruno.

— E eu me chamo João.

Aria nos cumprimentou com um aperto de mão bem agitado e se juntou ao treinamento. 

Ela era bem divertida, parecia que sua energia era infinita. O controle de energia dela era um pouco menos denso que os demais, mas em compensação ela podia cobrir quase toda a parte superior de seu corpo. 

Tentei voltar a lição, mas manter o foco estava relativamente complicado. De tempos em tempos, gritos ecoavam graças a algum duelo, ou olhares penetravam os alunos com um bom desempenho em magia.

A causa da vez foi uma menina peculiar, que emanava uma aura escarlate e tornava o ambiente mais sombrio. 

A sensação que me atingiu me lembrou a névoa da floresta próxima ao Bosque das Vozes: um ar assassino e misterioso que eu escolheria me manter longe. 

Diferente da maioria dos alunos, ela manteve o foco inteiramente na sua magia, ignorando qualquer grito ou espanto que acontecia ao redor.

— Ela é maravilhosa… E você está a encarando já tem dois minutos. — falou Aria.

— Desculpe, a aura dela me causou calafrios.

— Ellie Higasa. Ela é de uma família nobre — disse Bruno, sua tonalidade me trouxe um arrepio na espinha.

— Conhece ela? — perguntou Riler, um tanto relutante. 

— Ela é forte. Mais do que qualquer um aqui.

— Talvez não tenha chamado atenção por ser extremamente quieta — Aria disse enquanto a olhava.

— Forte ao ponto de nada aqui chamar sua atenção? — perguntei, meus olhos naturalmente se arregalaram.

— Seria interessante descobrir — Acreditei ter sentido um pouco de frustração no tom de voz de Bruno.

Um garoto caiu do ringue. A menina que o derrubou estava com o braço estendido na posição como quem acabara de dar um soco, só que… fumaça saía de seu punho. 

Ela direcionou o seu olhar para mim e, na mesma hora, eu fingi estar tossindo e olhei para o meu grupo. 

Olhei de relance para ver se havia funcionado, mas só vi ela se aproximando. Puta merda. Seus olhos amarelos com traços vermelhos miravam em mim como uma flecha prestes a acertar o seu alvo, ela ia me chamar para lutar. 

Merda. 

Não, não, não.

Virei a cabeça e ela tinha sumido de vista. Um suspiro de alívio escapou do meu rosto até que, quando finalmente relaxei, ela estava do meu lado, próxima o suficiente para fazer o meu rosto corar. 

Apenas dei um passo para trás.

— João, certo? Notei você me encarando. Se prepare, você vai lutar comigo.



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