Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 6: Pequeno avanço

Merda, merda. 

Ela derrotou quatro pessoas enquanto mantinha um sorriso no rosto, ela iria me destruir! 

Desviei o olhar dela para os meus amigos, que apenas fingiram estar ocupados assobiando com as mãos nos bolsos, e engoli seco. A menina de cabelo amarelo segurou o meu punho com força e me puxou.

— É… Bem… Eu não sei se quero lutar. Sabe, eu sou pacífico.

— Você parecia muito entretido, e nenhum guarda é totalmente pacífico. 

Riler e Aria caíram em risadas. As pessoas ao redor pareciam interessadas no duelo, pois estavam cessando suas atividades para se aproximar do ringue. 

Isso me preocupou bastante, afinal, eu queria a atenção de todos quando meu corpo tivesse pelo menos cinquenta quilos de músculo. 

Subimos no ringue e minhas pernas já cediam. Me perguntei se eu era sortudo por uma menina muito linda ter me tocado ou era azarado por ter que apanhar dela. 

Ela disse que se chamava Kashi, e, após eu dizer o meu nome, nos cumprimentamos com um aperto de mão bruto suficiente para me desequilibrar. 

A academia estava em silêncio, todos os olhares estavam aqui neste ringue, exceto um: Ellie Higasa. 

Parecia impossível ter a atenção dela. 

Kashi se posicionou e liberou uma rajada de ar quente pelos seus braços, logo uma aura branca surgiu, trazendo fogo. Parei de babar para ela e e cobri o meu corpo da melhor maneira que pude.

A mana podia ao menos me defender de golpes diretos. 

Dei um passo rápido e soquei no queixo da garota. Mas meu soco atingiu o ar, todos os olhares estavam para alguém atrás de mim. 

Veloz

Tentei virar utilizando o meu cotovelo, meus dentes cerrados doíam e minha coluna parecia ter se contorcido pela velocidade do movimento. 

Tudo isso me levou para acertar o ar novamente; só que, desta vez, o punho de Kashi estava coberto com fogo, grande como a mão de um urso. 

Puta merda.

Sua mão adentrou na minha barriga. Eu cuspi saliva e sangue enquanto saía do chão. Tudo o que vi depois foi ela se distanciando e as pessoas ao redor se transformarem em um borrão. 

Acordei com Bruno segurando as minhas pernas e o rosto de Kashi bem perto do meu. 

Um rubor em minhas bochechas.

Não fique tão perto! 

Ela segurou meu rosto com as mãos e disse para eu ficar quieto. 

Que sonho. Que sonho.

— Gostei de você — disse ela, com um olhar gentil.

— Você é incrível, eu mal a vi.

— Vai ficar no nosso grupinho? — perguntou Aria.

— Vou.  

Nós cinco nos reunimos em um canto para seguir com a atividade esquecida, a essa altura os alunos estavam mais focados no combate físico do que na prática de magia. 

Ninguém teve a coragem de desafiar Ellie ou Alice, então a força delas permaneceu um mistério. 

Kashi mostrou como foi capaz de cobrir o braço com fogo e condensar mana em um único ponto, ela disse que a afinidade elementar era de família e que isso explicava os olhos amarelos com traços vermelhos. 

A porta foi aberta bruscamente e uma figura familiar subiu no ringue. 

Lumi estava de pé apontando para Bentley. 

Ah, não. Não

Murmúrios surgiam sem parar, se referiam a ele como “o coletor” ou “o incapaz”. Ele ficou bem famoso desde que apareceu no jornal. Povo fofoqueiro. 

Lumi ignorou e manteve seus olhos focados em Bentley, que permanecia quieto.

— Quero refazer o teste. Permita-me lutar de novo!

Neste exato instante, todos olharam para Bentley, o menino de olhos roxos. Dei uma rápida olhada em Ellie, que agora observava a situação.

— Você já perdeu. Não estamos realizando testes hoje. Portanto, negado.

A atenção voltou ao meu amigo, que parecia ter lágrimas nos olhos. Bruno estava batendo o pé contra o chão, mas ao trocarmos olhares percebi que ele iria ficar de fora. 

Zelforne se levantou com um sorriso de escárnio, seu olhar confiante, como o de um superior, causou arrepios nos alunos ao redor. Ele era de longe um cara pra se odiar, mas é inegável que, com seu talento em magia, esteja entre os melhores.

— Vermes, saiam da frente. — Um corredor se abriu para ele passar — Não perca seu tempo, Bentley, deixe que eu bato nesse lixo… de novo.

De novo?

Os olhos de Lumi estavam arregalados, seus dentes cerrados e suas pernas balançavam constantemente. Bruno cerrou o punho com bastante força. Bentley permaneceu quieto e Zelf subiu no ringue exibindo sua pequena nuvem de chamas; que reservatório de energia de se invejar.

— Se você é tudo que tem pra hoje… — disse Lumi, olhando para o chão enquanto balançava o corpo. Eu precisei abafar a risada.

— Como ousa!?

Zelforne disparou uma bola de fogo da ponta de seu cajado que iluminou todo a sala, seu ataque de raiva fez com que a magia saísse mais forte. Ou ele apenas tinha a intenção de machucar Lumi, o que era mais provável. 

Meu coração acelerou e minhas mãos tremeram. Isso podia matar ele. Meus olhos se recusaram a fechar, parecia que quanto mais perto o feitiço estava mais lento ele ficava. Talvez fosse apenas para mim. 

Eu torcia para aquilo sumir, tomar outro rumo, se cancelar. Lumi deu um sorriso, mas um diferente. O mundo estava acelerando.

Meu amigo estava se esquivando de um feitiço a quase queima roupa. 

Ele aprendeu isso com os Coletores!?

Dando um passo para fora da área de ataque, com pequenas faíscas de fogo caindo em sua roupa, ele conseguiu desviar. O feitiço logo se desfez, antes mesmo de atingir a parede da sala. 

Todos estavam perplexos. 

Eu por ter meu amigo inteiro. 

A maioria estava dizendo que esperavam menos de um coletor, mas suas reações deixavam tudo a mesa. Suspirei, me dei ao luxo de dar um imenso sorriso. 

Esse idiota conseguiu. 

— Ele ficou mais forte. — comentou Bruno, um sorriso satisfeito escapando.

— Conhecem ele também? — perguntou Aria.

— Vocês já…? — falei de queixo caído. O filho da mãe treinava e era amigo dessa linda garota?

Lumi arremessou a blusa para o canto e inclinou o pescoço apenas o suficiente para olhar Zelforne de cima. Alguns alunos ao redor gritaram em prol dele. 

Bateram palmas, assobiaram. 

Isso pareceu irritar o nosso querido nobre. Ele mandou todos calarem a boca. 

Suas veias do rosto já estavam visíveis. Naquele instante, eu percebi que uma pessoa peculiar estava olhando para a luta. Sem se emocionar como os demais, Ellie olhava para Lumi um tanto curiosa. 

— Me ofende que ache que um coletor não saiba esquivar de um ataque tão direto. Previsível, entende?

— Você vai pagar por se esquivar. 

Zelforne encurtou a distância e socou Lumi na barriga. Meu amigo conseguiu se defender, mas levou um golpe direto na orelha em seguida. Lumi cuspiu sangue e deu dois passos para trás. 

A visão dele estava sem foco algum, ele estava cambaleando. 

Zelforne cobriu a mão com aura branca e lançou uma chuva de socos. Lumi cobriu o corpo com os braços, mas era impossível. 

Ele iria perder, Zelforne estava espancando ele. 

As reações de gritos e assobios foram para mão sobre a boca e olhares profundos. 

Saiu do controle.

Bruno cobriu o braço com água e deu um passo na direção do ringue. Quando ele levantou o braço para ataque, Zelforne acertou o ar e Lumi havia aparecido atrás dele; de pé, coberto de sangue e com a respiração pesada. 

Como esse cara estava vivo?

Zelforne virou e olhou para suas mãos tremendo, nada bom ia sair daí.

— Que se foda as regras, eu vou te matar. 

O instrutor rapidamente se levantou, mas já era tarde. O nobre havia disparado contra o peito de Lumi uma rajada de fogo concentrada enquanto criava uma lança atrás do meu amigo. 

Droga. Desvia, Lumi!

Ele fechou os olhos. Esse idiota nem vai tentar? Carreguei as pernas e corri, pouco importava se já ia intervir, eu precisava fazer isso. Senti uma energia ao meu lado correndo. 

Bruno estava aqui, mas estava parando. Me virei para frente. Lumi deitou o pescoço para o lado e a rajada de fogo passou sem ao menos encostá-lo. Zelforne caiu de joelhos, incrédulo com o que acabou de ocorrer. 

Mas, mesmo assim, sorriu. Com um sinal de seus dedos a outra lança foi em direção às costas de Lumi. Golpe sujo.

O que ninguém esperava é que ele fosse desviar dessa também.

Lumi manteve os pés no chão e inclinou o corpo o suficiente para o ataque raspar em seu peitoral. Zelforne cancelou o fogo antes que seu próprio ataque o atingisse e se levantou sem falar nada, todo seu jeito arrogante parecia ter sido anulado naquele instante. 

Todos estávamos parados sem saber o que fazer, nosso instrutor estava de olhos arregalados igual aos alunos. Lumi soltou um sorriso malicioso enquanto girava o seu corpo analisando cada centímetro da sala, ele bateu seu punho contra a palma da mão e disse:

— Ataque interessante. Se seu caráter fosse um pouco menos podre, eu elogiava mais.

Zelforne gritou e socou Lumi na barriga, derrubando para fora da plataforma. Ele cuspiu sangue e vômito, se levantou com a ajuda de um paramédico e encarou fixamente Zelf. 

O nobre estava com uma cara horrorosa, parecia que a vitória que ele queria era repleta de humilhação, mas tudo o que teve foi uma boa luta. Ele levantou o cajado e um soldado tomou a frente tão rápido quanto o Lumi voou. 

— Esse merda é incapaz de usar magia, poupe suas energias. 

— Eu vou matar ele, Kairy — Zelf inflou o peito e deu um grito gutural — Guarde minhas palavras, Kai! Eu vou te matar!

A aura que emanava dele era escura e fria, longe de ser confortável. Eu fui um de poucos alunos que conseguiram resistir a tentação do decaimento, esse monstro lunático era realmente talentoso. 

Aria segurou o meu braço e acabei lembrando de algo. 

Desviei rapidamente o meu olhar para ter certeza que era verdade. Ellie estava olhando para o meu amigo. 

Isso sim foi um fato curioso.

— Estou bem, estou bem. — disse Lumi.

O resto do dia na academia foi mais calmo devido à agitação do começo, o que deu mais tempo de virmos para o chafariz. 

 

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Havia tempo desde a última reunião, o dia a dia tem sugado o tempo de todos de uma maneira grotesca. 

Bruno fez questão de vir correndo para ver o amigo. Admiti que minhas pernas queriam descanso, mas tudo o que me restou foi tentar acompanhar. 

A água foi aos céus, causou um efeito de chuvisco nos arredores. O local estava movimentado com algumas crianças brincando, comerciantes, pessoas… O momento de paz que eu ansiava. 

Olhei para o Lumi e lembrei do que precisava contar, mas Bruno me interrompeu antes.

— Como foi a sua primeira luta com o Goblin? Por mais detalhes. 

— Eu só apanhei. Não sei lutar, Bruno. Ele surgiu do nada e me atacou, eu só fechei os olhos e nós caímos. No último mês eu tenho desviado por causa de situações de emergências, mas ainda sou incapaz de lutar como os outros.

— Suas esquivas foram muito superiores a qualquer um lá. Como fez aquilo?

— Só não queria morrer, e… ser humilhado como todos esperavam. 

Pus a mão em seu ombro e resolvi contar sobre o nosso novo grupo, sobre como Aria e Kashi surgiram repentinamente. 

Lumi disse que havia visto Aria uma vez enquanto ia fazer uma entrega, mas foi só. Um aventureiro próximo reuniu energia verde em suas mãos e logo atribuiu diversas cores. Ele ergueu os braços e o céu se encheu de brilho, foi como um espetáculo que todos pararam para olhar. 

O momento calmo acabou assim que Aria chegou ao meu lado a balançou o meu ombro como se quisesse me matar, o que me fez gritar e segurar as quentes e suaves mãos dela. 

— João… Pensei que você era tímido.

— Não, espe- — falei enquanto soltava as mãos dela, virei o rosto para o lado o sentindo queimar. 

— Oi, Aria. João falou de você. 

— E pensar que você seria melhor lutando do que entregando. Como fez aquilo? Sabe, desviar de um ataque que veio pelas costas? Você pressente ou algo assim?

— Como é que uma esquiva assim pareceu tão legal?

— Bem, se você está treinando, vamos precisar conversar sobre alguns errinhos.

— Sim, de fato — Bruno entrou na conversa.

Lumi abriu a boca para responder, mas algo atrás de mim prendeu sua atenção. Não era ninguém menos que Ellie Higasa olhando distraidamente para os fogos, isso fez o queixo do meu amigo descer. 

Soltei uma risada, até que ele ficou submerso na água. Bruno o puxou. Todo encharcado, distraído e constrangido: esse era o Lumi naquela hora. Ele chamou a atenção de todos que estavam aqui, inclusive a dela. 

Um guarda veio verificar se estava tudo bem. Ela observou ele e agora ele caiu ao vê-la…

Será que eles tinha uma relação que eu desconheço?

— Ela… — proferiu meu amigo, sua feição tão confusa quanto a minha. 

— Ellie é bonita… E um pouco mais alta que você. — comentou Aria, com um sorrisinho.

— Nem vem, eu não posso falar com ela depois disso!

— E como pretende conhecer um mulherão daquele assim?

Demorou um pouco até que algo fosse decidido entre eles. Só me deixei rir e pensar no treino sofrido de amanhã.



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