Volume 1

Capítulo 6: A Era dos Escultores, Parte 3

Dez naves bombardearam o distrito inferior da grande metrópole. Incontáveis construções eram inteiramente devastadas, enquanto cidadãos desesperados corriam para longe do perigo, deixando todos os seus pertences para trás em uma busca pela sobrevivência.

Pessoas de todas as idades observavam o seu antigo lar ser imerso no mais profundo caos, proporcionado por uma explosão desenfreada. A fumaça que acompanhava a destruição preenchia a região com um mistério aterrorizante. Todas as vítimas do ataque passaram a temer um futuro incerto. De frente para o desconhecido, Roccan se preparava para resolver problemas que fugiam completamente do seu alcance.

— Vamos tirar todas essas pessoas daqui! A resistência tem algum veículo que possa ser útil?

— Onde está a relíquia? — Como o último membro vivo de seu esquadrão, Jiro ignorou a dúvida do rapaz para fazer o seu próprio questionamento.

— Hein? A Relíquia do Raio?

— É a Relíquia da Eletricidade, não do raio. Você matou o dono do artefato, isso significa que devemos aproveitar a chance para pegá-lo.

— Ela já está comigo, eu consegui furtar aquele idiota.

Roccan colocou a mão no seu próprio bolso, encontrando o objeto valioso. Erguendo o item em sua frente, ele visualizava os detalhes do tesouro roubado. Um material rochoso, porém incontestavelmente mais resistente do que uma simples pedra, contendo a figura de um raio na sua parte superior.

— Parece que você serve para alguma coisa, no fim das contas. — O membro da resistência exaltou o jovem.

— Não, eu ainda tenho muito o que aprender…

Berros amedrontados abalavam o culpado por todo o caos, fazendo com que seus pensamentos se tornassem cada vez mais irrelevantes. Os gritos encurralaram a dupla de sobreviventes, que se viu sem muitas opções de ação.

— Corram!! Vão matar todos nós!!!

— Alguém ajude, por favor!! Me tirem daqui!

— A minha filha, salvem a minha filha!!

Uma poeira rosa se misturava com a seriedade do campo de batalha. O brilho das partículas era refletido pelos cabelos loiros do garoto, que se colocava no papel de trazer a paz para aqueles em perigo.

— Certo, vamos guardar essa coisa e–

Um golpe inesperado. Jiro acertou o pescoço do seu companheiro, que foi subitamente colocado para dormir. 

A escuridão acompanhava um sono forçado. Após horas desacordado, os olhos de Roccan despertaram com a visão de um teto metálico. O som ensurdecedor das ruas bombardeadas havia cedido espaço para um silêncio agradável. Percebendo a mudança de ambiente, o rapaz levantou rapidamente. Assustado, ele fazia uso de toda a sua determinação para se manter de pé, preparando o seu corpo para o combate.

— Onde eu estou?

Apesar de exalar tremenda força de vontade, o garoto se deparou com uma imagem que ia contra as suas expectativas: uma nave o levava para longe da confusão, viajando pela imensidão do céu noturno. O piloto do veículo era um sujeito conhecido, Jiro guiava a jornada através de suas excepcionais habilidades de direção.

— Tsc, você já acordou?

— Por que estamos fugindo!? Temos que salvar aquelas pessoas!!

— E como você iria fazer isso?

— Eu não sei, mas–

— Você causou essa tragédia, esse fardo agora é seu. Seu descuido pode custar vidas.

O silêncio interrompeu o ímpeto de quem já havia se decidido. O jovem sentiu o comentário, mas logo retomou a sua motivação. Seus ombros largos e a sua postura ereta eram sinais de um corpo que não pretendia ceder tão facilmente. 

— Não podemos reunir uma equipe? Um grupo para ajudar a consertar as coisas.

— Você não faz ideia de como a resistência funciona, não é mesmo?

— Vocês… ajudam as pessoas. Lutam contra os desgraçados da SCONES!

— STONES. Além disso, está equivocado. Os Escultores não são um grupo de mocinhos, trata-se de um trabalho.

— Escultores?

— É assim que a resistência se chama. Caramba, você parece até um alienígena.

Observando as nuvens em sua frente, Roccan não conseguia sequer dizer para onde estava indo. A paisagem ao seu redor parecia mudar drasticamente, cercando-o com novidades a cada ultrapassagem, como se o mundo conspirasse para revelar-lhe seus segredos.

— Então, não vamos mesmo voltar para ajudar?

— Se sabe o que fazer, vá em frente. Caso contrário, cale-se de uma vez. Está atrapalhando a minha concentração.

Nenhuma resposta. A mente inexperiente se afogou em uma dúvida inquietante.

— Eu… não sei como chegar lá.

— Nesse caso, sente-se.

— Para onde estamos indo?

— Todos precisam começar em algum lugar.

A nave desceu pelos céus, rasgando as nuvens à medida que proporcionava uma visão limpa para o exterior. Devido a ausência de terra e consequentemente de cidades, o neon — responsável por atrapalhar a navegação com brilhos incessantes — não poderia mais ser percebido de nenhum ângulo, deixando a região do voo sob a escuridão da noite. A nova altitude do veículo abria o caminho para o mar aberto, permitindo o início de uma aterrissagem inusitada. O processo de descida inquietava o garoto afobado.

— O que aconteceu? É alguma emergência?

— Nós apenas chegamos ao nosso destino. Pare de fazer perguntas.

— Debaixo d'água!? Isso é sério!?

— Tsc, parece uma criança.

As turbinas do maquinário foram recolhidas em uma alternância de mecanismos, garantindo espaço para o funcionamento de enormes hélices marítimas. Quebrando as ondas em seu caminho, a nave adentrava nas profundezas do oceano misterioso, assumindo uma movimentação similar a de um submarino. 

O destino da dupla encontrava-se em uma localidade onde a luz não chegava, submergindo entre rochas cada vez maiores e garantindo a sua passagem por locais estreitos. Enfim se aproximando do aguardado destino, o veículo interestelar se posicionou de frente para uma caverna submarina.

— Tá de brincadeira… vocês da resistência são malucos.

— A STONES costuma ter olhos por todo o planeta. O mínimo que temos que fazer é permanecer abaixo deles.

— Eu nunca iria imaginar que algo assim existiria. É como uma cidade submersa!

— Se quer adentrar em assuntos além de sua compreensão, então esqueça tudo o que acha que já sabe.

Tecnologias capazes de se opor diretamente contra as metrópoles da superfície, instalações operacionais que ocupavam inteiramente a primeira camada da organização, enquanto moradias possuíam a sua porta de entrada para o solo cavernoso; a nave recém-chegada avançou para o interior da base da resistência. 

— Espere, eu não sei nadar!

— Nós somos humanos, não sereias.

Um simples campo de força permitia que o veículo adentrasse no local desejado, ao mesmo tempo em que impedia o avanço da água, funcionando como uma enorme peneira. O primeiro nível da base era como uma grande área comercial, inteiramente preenchida por lojas, restaurantes e qualquer outro estabelecimento capaz de movimentar o mercado da região.

Olhando pelo visor da nave, Roccan conseguiu observar um cenário que fugira de qualquer expectativa, enquanto alguns esquadrões perceberam a presença de Jiro. Recepcionando o seu companheiro, os membros da resistência aguardaram a descida da nave, esperando em um terreno apropriado para a aterrissagem da dupla. Gritos alegres comemoraram o retorno do esquadrão, ou o que sobrou dele.

— Finalmente voltaram! Vocês mal podem esperar para ouvir as últimas notícias!

— Isso mesmo! Quando descobri do que se tratava, passei minutos gargalhando! É uma novidade imperdível!

Depois de estacionar o veículo corretamente, os dois sobreviventes saíram da nave, deixando os demais esquadrões surpresos. Falco, o líder de uma equipe que descansava após um dia conturbado, teve a sua tranquilidade postergada por uma dúvida iminente. O homem indagou o recém-chegado.

— Ei, onde estão os outros?

— É exatamente o que parece, eu sou o único que conseguiu voltar vivo — respondeu Jiro.

— Não brinca! O que enfrentaram desta vez?

— Um comandante da STONES.

— Um comandante!?!? Vocês são mesmo malucos! Esses caras possuem nível suficiente para enfrentar um esquadrão de Escultores de Ranque A.

— Não se preocupem, foi uma operação sem arrependimentos.

— Foi praticamente um suicídio coletivo! Deveriam deixar essas missões para nós. O topo do ranking não correria tantos riscos.

— Vocês não precisam de mais classificação, nós precisamos. Não temos esse tipo de privilégio.

O silêncio dominou o ambiente, atrasando as próximas palavras de Falco. Com um boné que destacava seu estilo descontraído e chinelos descompromissados, o homem relaxado aproveitava os privilégios de sua classificação para vestir o que bem entendesse. Sua calma se sobressaia diante da tensão momentânea, convidando os seus companheiros para se animarem em uma noite de conversas.

— Bom, por que não vamos para o bar? Chega de ficar deprimido, temos ótimas novidades!

Luzes vermelhas garantiam a agitação de um estabelecimento noturno, enquanto a música eletrônica energizava todas as mesas para uma festa sem fim. O local mais convidativo da base reunia esquadrões dos mais diversos rankings, unindo suas vozes para espantar o menor indício de silêncio. Roccan e Jiro se juntaram a Falco e sua equipe, conversando à medida que enchiam as suas barrigas com um cardápio exótico.

Bebidas eram servidas em copos elegantes de parede dupla, onde um material termorregulador mantinha a bebida fresca, proporcionando sempre um gole gelado. O jovem de dezesseis anos desviava da tentação do álcool, tentando se manter sóbrio no mesmo local onde os seus acompanhantes perdiam a linha.

— Hahaha!! Eu disse que isso poderia ficar melhor! Não se deixe abalar tão facilmente, Jiro!

— Eu não estou abalado. A relíquia está em minhas mãos e a minha vida está intacta.

— Nossa, como você é cruel! E todos que morreram ao seu lado?

— É uma consequência natural. Todos estavam cientes desta possibilidade.

— Hehehe, você é realmente durão.

— Por que me trouxe aqui, Falco?

O sujeito respondeu a pergunta com um enorme sorriso no rosto, preparando mais uma dose de sua bebida dourada.

— Você não vai acreditar, cara! Ou melhor, é algo completamente esperado, hahaha!!

— Desembucha.

— É o assunto do momento! A nave daquela jovem idiota foi partida ao meio!!

— Está falando da Proxie?

Os ouvidos entediados do rapaz loiro finalmente encontraram algo para prestar atenção. A música do ambiente passou a ser ignorada.

— Eu já ouvi esse nome! — afirmou Roccan.

— É claro que já ouviu. A garota mais fracassada de toda a resistência! — Falco não escondeu a sua alegria.

Todos ao redor da mesa contribuíram para uma atmosfera carregada por deboches, desabafando em um tom prazeroso.

— Aquele verme não deveria nem ter uma nave!

— Como alguém assim pode estar na mesma organização que eu? É praticamente uma ofensa!

— Ela é uma Escultora há mais de cinco anos e nunca conseguiu uma única Relíquia! Tão fracassada quanto o próprio pai, hahaha!

— Hein? Mas eu tenho o encantamento de duas relíquias, isso não significa que o nosso esquadrão deveria ganhar alguns pontos? — Roccan não entendera a situação.

— Nosso? O que quer dizer, moleque?

— A moça andróide é da minha equipe.

— Isso foi uma piada? Por que alguém com tanto potencial desperdiçaria seu tempo com aquela inútil?

— Ela me prometeu que assim eu iria conseguir mais relíquias!

Falco não conseguia levar o garoto a sério, se levantando de seu assento. A inocência do rapaz fazia com que o adulto se encontrasse em uma situação vantajosa.

— Você não sabe nada sobre ela, né?

— Hein?

O sujeito aproveitador olhou atentamente para o colar do jovem, onde ele carregava a Relíquia do Transporte, sempre amarrada em seu pescoço. Sem qualquer permissão, Falco entrou em contato com o objeto de valor, agarrando-o na frente de seu dono. 

— Esse artefato é precioso demais para estar nas mãos erradas.

Roccan fechou os seus punhos, tentando conter a sua raiva para não agir de maneira impulsiva. 

“Ele está segurando a minha relíquia… mesmo assim, se eu bater nesse cara, posso acabar recebendo uma punição grave”, o rapaz se manteve no controle do próprio corpo.

Insistindo no seu gesto, o homem continuou a provocação, percorrendo o artefato com todos os seus dedos.

— Heh, é realmente uma bela relíquia… acredito que teria ainda mais valor na posse de alguém–

A face do sujeito invasivo foi esmagada por um soco inesperado. O ódio serviu como catalisador para a determinação de uma garota.

— Não encoste no meu esquadrão, Falco — ordenou Proxie.

O alvo do golpe foi impulsionado para longe, após sofrer um impacto avassalador. Falco caiu, rolando pelo chão até esbarrar em uma parede.

— Ah, é a moça morta! — Roccan reconheceu a companheira.

— Eu não morri, você quem morreu! Duas vezes!

A vítima da investida surpresa se levantou, assumindo plena seriedade. O homem voltara para o seu estado sóbrio, encerrando a comemoração noturna.

— Tsc. Olha só quem resolveu aparecer — resmungou ele.

— Código 124: Nenhum membro da resistência deve violar a privacidade individual de alguém em outro esquadrão — Proxie informou o sujeito inconsequente.

— Você me deu um soco, garota estúpida. Também está quebrando as regras.

— Código 11: O uso da violência física é permitida apenas para autodefesa ou caso a vítima esteja enfrentando um violador de qualquer outro código.

— Para uma fracassada, até que você andou lendo bastante.

— Só entre em uma luta quando souber exatamente o que vai enfrentar.

— Mais uma regra?

— Esta última não é uma diretriz da resistência, é um ensinamento do meu pai.

Falco perdeu a paciência, o ranger de seus dentes marcaram o fim de sua postura despreocupada. Contraindo os seus músculos através de uma irritação incontrolável, ele aproveitava de sua imponência para intimidar a adversária de menor porte.

— Já está na hora das crianças irem dormir, o que está fazendo por aqui?

— O que quer com o moleque?

— Nada demais, só estávamos tendo um bom diálogo. Essa semana trouxe ótimas notícias e eu acabei percebendo algo interessante. O garoto tem uma relíquia bem promissora, deveria estar em uma equipe que merecesse tamanha força.

Como uma estátua no centro de uma exposição, Proxie era cercada por olhares maliciosos, ao mesmo tempo em que conseguia escutar incontáveis risos subsequentes. A música do bar não conseguia mais ser ouvida, devido às gargalhadas daqueles em maior número.

Apesar de parecer sufocada pela pressão da multidão, a jovem não hesitou em mover seus lábios, deixando todos em silêncio a partir de uma reação inesperada.

— Código 2: Em caso de pendências com algum membro da resistência… deve-se contatar o líder deste respectivo esquadrão.



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