Volume 1

Capítulo 11: A Era do Pior Esquadrão, Parte 2

Pálpebras se abriram após um sono profundo. Em contraste com a escuridão do espaço, um teto branco preenchia a visão de uma criança. Estrelas encantadoras foram substituídas por lâmpadas monocromáticas, as quais mantinham os detalhes da operação visíveis. Presa a uma cama de cirurgia, a aniversariante não poderia mais comemorar o dia especial.

Uma sala de hospital fornecia o espaço para uma espera angustiante. O ruído emitido por maquinários era o único som reproduzido no ambiente quieto, onde os ouvidos de um homem aguardavam ansiosamente pela resposta de uma familiar.

— P-pai…?

Proxie havia acordado de um longo descanso, sendo devidamente tratada por tecnologias atemporais. 

— Querida… eu achei que…

— Onde estamos?

Sentado, ao lado de sua filha, Hawk segurava uma das mãos da garota, enquanto um cirurgião colaborava com as máquinas para cuidar de um assunto sensível.

Acariciando os dedos da menina, o pai agradecia a cada segundo que passava, por ainda ser capaz de tocar na sua pele vívida. Os pensamentos do homem se entrelaçaram com o medo de sofrer uma perda aterrorizante, colocando em xeque o futuro de três mentes sonhadoras.

— Essa é uma base intermediária da resistência. Ainda estamos no meio do espaço. — Ele tentava colocar a cabeça no lugar.

— No espaço, hein? Que bom que ainda não voltamos para casa…

— Eu não fiz isso pelo passeio, Proxie. Fomos socorridos pelo hospital mais próximo.

— Hospital? Por que iríamos para um lugar assim?

Os olhos da garota se focaram em seu próprio corpo, se deparando com uma imagem que nunca mais sairia de suas memórias. O suor frio foi acompanhado de uma respiração ofegante, responsável por dificultar o processo cirúrgico. Percebendo a agitação da criança, Hawk se colocou na frente das pupilas observadoras, impedindo que outras lembranças traumáticas pudessem ser geradas.

— Ei, olhe para mim! Está tudo bem! Não tire os olhos de mim!

— P-papai, a minha perna… o que…?

— Proxie, foque em mim! Você fez um encantamento com uma relíquia, mas conseguiu desfazê-lo antes de ficar inconsciente! Está tudo bem agora!

— Eu não vou mais andar? Eu quero voltar para o espaço! — Lágrimas aumentaram a angústia da figura operada.

— Eu sei, filha. Eu sei. Nós poderemos voltar, assim que você se acalmar! Só precisa descansar, tudo bem?

A cama de cirurgia tremia com o estresse crescente. As emoções da garota colidiram de maneira descontrolada, gerando um desabafo repleto de afirmações conflitantes. 

— Eu nunca deveria ter saído do meu quarto. Não importa o lugar onde eu esteja, tudo sempre acaba em uma tragédia.

— Erros acontecem.

— Não dessa forma. É quase como uma maldição.

— É uma bênção. Todos dependem de falhas para pontuar acertos.

— Eu… Eu estraguei tudo, de novo! Não importa o quanto eu seja sortuda, tudo sempre acaba em um desastre!!

— Querida, você deveria—

Eu sou o desastre!! Por que vocês continuam tentando me salvar?

— Você não precisa ser salva!

A discussão da dupla resultou no mais absoluto silêncio. O cirurgião fazia de tudo para se manter focado, diante das adversidades de uma sala mergulhada no desconforto. A situação crítica comprometia não apenas o físico da garota, como também seu estado emocional, deixando ambos vulneráveis nos moldes de uma faca de dois gumes.

O profissional utilizava o auge de sua competência para reatar o físico da paciente, enquanto o pai se agarrava aos sentimentos da filha angustiada. Na busca de manter uma conexão que poderia ruir a qualquer momento, assuntos inacabados precisavam ser trazidos à tona.

— Proxie, há algo sobre o qual nós ainda não conversamos.

— Hã?

— Sabe o porquê de eu estar fora da minha antiga equipe?

— Aquele esquadrão de Ranque B? Imaginei que tivesse sido expulso.

— Meus superiores nunca demonstraram tal insatisfação comigo. A saída foi uma escolha minha.

— O que!? Está mentindo! Como poderia tomar uma decisão tão estúpida!?

Eu impus uma condição para a minha permanência. Eles disseram ser algo impossível, então, sair foi a única opção que me restou.

— O que seria tão absurdo a ponto de eles preferirem perder você?

— Eu queria garantir a sua vaga no esquadrão. Quando você crescesse, faria parte da nossa equipe.

Todas as palavras que pudessem sair da boca da garota foram repensadas por uma mente confusa. Sua língua se emaranhava na busca por um termo apropriado para expressar os seus pensamentos, no entanto, não havia conceito no mundo capaz de descrever tal sensação. Em contrapartida, o homem reunia a coragem necessária para desafiar ideais até então intocados.

— Eles alegaram não ser coerente para o Ranque B aceitar alguém com um histórico preenchido por falhas. Os rumores sobre o seu nome poderiam trazer diversos prejuízos para a imagem do esquadrão, a troco de nada.

— P-Por que está me contando isso? — Os lábios da menina se esforçaram para pronunciar cada letra da frase dita, tremendo sob o peso da verdade.

— Nesse caso, eles assumiram que a sua presença seria prejudicial. Alguém incapaz de alcançar qualquer conquista notável.

— E-estão certos… essa é a escolha certa a se fazer! Então, você deveria—

Olhos enfurecidos penetraram os sentidos mais íntimos de Proxie, sufocando-a com as palavras entaladas em sua garganta. A incerteza a havia paralisado, impedindo-a de continuar a sua fala.

— Tudo isso é uma enorme baboseira.

— Hein?

— Por isso, eu criei a minha própria equipe. Depois de conseguir a posse de uma nave, me tornei apto para ser um líder de esquadrão capaz de te receber.

Os ouvidos da garota recusavam os sons que chegavam até eles, como se estivessem sendo protegidos contra fatos dolorosos.

— Por que todo esse esforço? Por que se recusa a aceitar algo tão simples? Eu não mereço tudo isso!!

— Suposições atrás de suposições… Pressupor uma verdade além da sua compreensão é um erro ainda maior do que o simples ato de falhar.

— Mas, todo mundo fala a mesma coisa! Minhas amigas… Os professores… As pessoas da resistência… — A voz rouca fraquejava na tentativa de uma resposta.

— Nenhum deles te conhece tanto quanto eu e a sua mãe. Não passam de suposições vazias.

— Pare…

— Se quisessem realmente te entender, não assumiriam que já te compreendem.

Sem mais perguntas. A discussão não precisava de novos direcionamentos. Da mesma forma que um furacão se dissipa no final da tempestade, a respiração da paciente havia se estabilizado. A dor física tinha perdido espaço, perante o apoio incondicional do parente decidido. 

Maquinários acompanhavam o trabalho de um cirurgião determinado, utilizando tudo ao seu alcance para devolver o que havia sido tirado da garota. A tranquilidade do local foi restaurada, possibilitando o foco total na operação, ao mesmo tempo em que permitiu que a criança voltasse a sonhar uma outra vez.

— Ei, papai. Quando sairmos daqui, pode me ensinar a voar?

— Está falando sobre pilotar a nave? Não se trata de uma escolha. Esse é o dever de todo Escultor.

— Eu quero ser uma Escultora, por favor. — As lágrimas secaram diante de um sorriso caloroso.

— Claro. Vamos tornar isso realidade, criando o melhor esquadrão de Ranque F da resistência.

— Os melhores entre os piores. Não soa tão ruim quanto eu imaginava.

— Já temos dois membros. O meu antigo esquadrão nunca conseguiria esse feito tão rápido.

Está mentindo.

Quantas vezes eu vou ter que te provar? Eu não minto.

— Então, vai consertar o meu planador?

— Eu nunca disse algo assim.

— Mentiroso!

— Isso é culpa da sua mãe, não minha.

O som de uma explosão afastou a paz passageira. Gritos acompanharam o momento, que posteriormente iniciaria uma era de terror. Tremores ameaçavam a estrutura do hospital, o qual poderia ruir a qualquer minuto. 

Passos acelerados podiam ser ouvidos nas proximidades da ala especial. Era uma emergência de nível máximo. Repentinamente, três médicos abriram as portas da sala da operação, adentrando no cômodo com todas as forças presentes em seus corpos. 

— Evacuem o hospital!!

Se preparando para a etapa derradeira do tratamento, o cirurgião se negou a abandonar o seu dever.

— Mas, estamos no meio de uma cirurgia!

— Não temos tempo para isso!! É um ataque massivo!

Um clarão foi visto na direção da porta aberta. Os corredores do estabelecimento enfrentavam uma ameaça que sempre perseguiu a humanidade, através de suas incontáveis eras de existência.

Ruídos, provenientes da colisão de materiais distintos, tomavam o ambiente em uma profunda desordem, não possuindo nenhuma origem coerente. Disparos de armas eram ouvidos, no mesmo lugar onde era possível escutar a execução de cortes violentos.

Ainda a respeito da audição, diferentes animais podiam ser identificados. Zumbidos remetiam à presença de insetos, enquanto rugidos indicavam a chegada de uma fera. Garras entravam em contato com o metal do solo, seguidas pelo bater de asas de uma ave, reconhecidas devido a sua sonoridade inconfundível.

O medo assombrava a equipe médica, comprometendo o serviço emergencial. Uma simples queda de energia significaria o fim da operação, conferindo um ponto final para o sonho de alguém que ansiava para caminhar mais uma vez. Caso as coisas piorassem, a garota precisaria passar por problemas insuperáveis.

— Proxie, eu já volto. — Hawk já havia se decidido.

— O que vai fazer?

— Ver com o que estamos lidando.

— Pretende comprar uma briga?

— Só deve-se entrar em uma luta quando se sabe exatamente o que vai enfrentar.

Na busca por respostas, o pai preocupado avançou pelos corredores do hospital, deixando a sala da operação para trás. O caminho à sua frente lhe preparava para um desafio de nível transcendental. Luzes vermelhas piscavam de maneira agressiva, em um símbolo de perigo iminente.

Objetos caídos dificultavam a passagem, à medida que tremores expulsavam a coragem do homem, outrora inabalável. Sinais de todos os tipos pareciam informar o sujeito sobre um futuro certo: algo de nível inimaginável o aguardava no final do trajeto.

Após alguns minutos de uma corrida agitada, Hawk se deparou com uma destruição massiva. Um buraco para o exterior conferia ampla visão daqueles que invadiam o centro hospitalar. Pairando sobre o vazio do espaço, os inimigos não podiam ser classificados como humanos.

Seres cujo físico era formado por uma mistura inigualável entre elementos vivos e não vivos, possuindo uma estrutura coberta por todos os tipos de átomos existentes no universo. Pelos, penas e escamas criavam a imagem definitiva de uma aberração da natureza, banhada por destroços de matérias-primas valiosas.

Ferro, cobre, petróleo e inúmeros minerais contribuíam para uma aparência indescritível, onde nada parecia tentar fazer o mínimo sentido. Patas forneciam uma segunda opção de locomoção, ao mesmo tempo em que espinhos conferiam um poderoso potencial ofensivo.

Diante da criatura abominável, Hawk havia parado de se mover. O seu conhecimento sobre o inimigo era como um alerta vermelho, disparando advertências para todas as partes do seu corpo, impedindo que seus impulsos o movessem de maneira imprudente.

Reconhecendo os seres mais temidos entre os humanos, o suor frio do homem se perdia em meio a temperatura incomparável do espaço. Nem mesmo seu traje era capaz de lhe proteger completamente dos calafrios involuntários. Lábios amedrontados se esforçaram para pronunciar o simples nome da criatura.

— Remanescentes!



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