Reencarnação Através das Eras Brasileira

Volume 1

Capítulo 12: A Era do Pior Esquadrão, Parte 3

Seres transcendentais pairavam sobre a imensidão do espaço. Uma base intermediária da resistência se encontrava em meio a um ataque destrutivo. Tratando-se de um estabelecimento à deriva, o piso e o teto também tornaram-se alvos fáceis, com o local vulnerável à ofensivas de qualquer direção.

Explosões subsequentes geraram buracos na estrutura do hospital, abrindo caminhos para que os invasores adentrassem livremente no interior da construção. Criaturas abomináveis reuniam todo o tipo de matéria em um corpo diretamente contrário a qualquer princípio da compreensão humana. O medo do desconhecido preparava as suas vítimas para um verdadeiro massacre.

Enquanto alguns eram formados por joias e minerais, outros misturavam as mais diversas classes de seres vivos, resultando em uma combinação impensável de organismos. A estrutura de cada Remanescente distinguia-se completamente dos demais ao seu redor, a partir de uma composição que fugia de qualquer padronização, quebrando até as regras primordiais do universo.

Encarando um amontoado de conceitos biológicos, Hawk permanecia parado, como se o seu cérebro estivesse tentando evitar um combate impossível. Nem vivo, nem inanimado, seu inimigo era comparável a um desastre natural, em sua definição mais simplória. A mente do homem havia sucumbido ao terror, quando repentinamente, o som de um alerta o trouxe de volta ao foco perdido. Seu compromisso não era com o desconhecido.

As pernas do pai preocupado o moveram para áreas já percorridas. Retornando por um caminho sobre o qual ele tinha pleno conhecimento. O seu objetivo era reencontrar a pessoa que ele melhor entendia no universo, deixando para trás o incompreensível e rumando novamente ao familiar. Sua filha aguardava por uma resposta.

No trajeto para a sala da operação, Hawk percebeu comportamentos dos quais o instinto humano jamais poderia fugir: pacientes e médicos escapavam nas suas respectivas naves, largando todas as responsabilidades ainda pendentes. Os mais aptos escaparam com êxito, enquanto os vulneráveis ficaram para trás.

“Este não é o mundo no qual eu quero viver”, pensou ele.

Correndo, no ápice de sua força, a determinação do homem o levou de volta ao cômodo almejado, saindo momentâneamente do alcance das criaturas invasoras. Ele abriu as portas que o separavam do destino final, informando imediatamente quem o esperava.

— São Remanescentes!

Sua voz chegou aos ouvidos de todos presentes na sala, mas estes estavam em menor número. Outrora composta por quatro profissionais, a equipe médica passou a contar apenas com um cirurgião, que se recusava a abrir mão do tratamento da garota.

— Remanescentes!? Estamos em péssimas condições — exclamou o sujeito responsável pela operação.

— Onde estão os outros?

— Priorizaram as suas próprias vidas.

— Entendo…

Os maquinários continuavam buscando uma solução para a garota ferida, priorizando a precisão sobre a velocidade. Movimentos calculados meticulosamente davam sequência às ações de máxima cautela. A operação ainda estava longe de um fim.

— De quanto tempo ainda precisamos? — O pai ansiava por uma resposta concreta.

— Pouco mais de duas horas.

— Isso é bastante tempo…

— É o mais rápido que consigo fazer.

O ranger das máquinas podia ser percebido de maneira singular, fazendo cada ruído se estender por uma eternidade. Explosões agitavam o ritmo da ação no exterior, enquanto o tempo dentro do cômodo aparentava desacelerar. O silêncio tornava o período de angústia exageradamente duradouro.

— Esse lugar não deveria estar desprotegido. — Hawk trouxe à tona o regulamento dos Escultores.

— Do que está falando?

— Todas as bases intermediárias deveriam ter no mínimo um esquadrão de Ranque A por perto. 

— Esta não é uma exceção. A equipe responsável por nos proteger apenas saiu para procurar relíquias.

— É uma violação direta das regras.

— Acho que os fortes não temem essas coisas.

— É o que parece. Essa é uma tarefa para os que não possuem escolha.

O pai comprometido tirou um objeto de seu bolso. O artefato cíclico era marcado por um símbolo repleto de significados. Linhas entrelaçadas representavam a interconexão dos elementos, além de ilustrar a harmonia do universo. Cercado por uma escrita rúnica, o círculo centralizava anos de conhecimento, combinando inscrições arcaicas para criar a imagem fundamental do mundo da alquimia. O homem segurava uma relíquia.

— Essa é… — Proxie reconheceu o item místico.

— A coisa que te deixou nesse estado. A Relíquia da Transmutação.

— O que pretende fazer?

— Antes de perder a consciência, você conseguiu desfazer o encantamento. Como consequência disso, ela atualmente não possui um usuário.

— Remanescentes, hein? Acha que consegue vencê-los? — O cirurgião logo entendeu a dura realidade por trás das intenções de Hawk.

— Esse é um resultado improvável.

— Então, o que está fazendo?

— Tentando.

O pai vasculhou uma de suas bagagens, a qual havia deixado no cômodo para suprir possíveis necessidades da criança em perigo. Uma roupa foi retirada de seus pertences. Ombreiras vermelhas contrastavam com a coloração predominantemente preta, se prendendo ao corpo de qualquer usuário, sem a intenção de largá-lo posteriormente. À medida que vestia o traje inconfundível, a atitude do homem deixava o médico em completo choque.

— Ei, está brincando, né? Você realmente saiu do Ranque B?

— Se for para trabalhar em um ambiente onde as pessoas não podem errar… Eu prefiro estar ao lado dos fracassados.

— Eles vão te deixar para trás! Se vestir essa coisa, nunca mais vai conseguir tirar!

— Um esquadrão que não aceita fracassar, nunca chegará ao topo.

De costas, a consoante de maior repúdio podia ser vista no novo traje de Hawk. A letra indicava a sua primeira missão como o líder de um esquadrão, ao mesmo tempo em que declarava a sua mudança para a pior classificação da resistência. Não havendo a menor chance de vitória, o pai se preparava para uma batalha sem volta. Um último presente foi oferecido para a filha aniversariante.

— Proxie, se algo acontecer comigo, quero que fique com a minha nave.

— O que disse?

— Sem naves, um esquadrão é inútil, pois não pode procurar por relíquias. Crie a sua própria equipe e chegue onde eu nunca fui capaz. O máximo que consegui alcançar foi um esquadrão de Ranque B. Tenho certeza de que patamares ainda mais altos te esperam.

— M-Mas… Está me dizendo para liderar no seu lugar?

— Como a minha primeira integrante, você é a única pessoa qualificada para esse papel.

— Como pode ter tanta confiança em alguém que só fracassou?

— Os seus fracassos não são o que te prendem no chão, Proxie. Eles te fortalecem para que você consiga se reerguer.

O homem caminhou em direção a porta, segurando a Relíquia da Transmutação entre seus dedos. Sua decisão já havia sido tomada.

— Relíquia de ação: ativar!

Um brilho acompanhou as palavras ditas por Hawk. Todos os limites que o cercavam já eram conhecidos, mas seus sonhos necessitavam de uma luz que jamais seria apagada. O clarão informou a chegada de novos poderes. Enquanto prosseguia para a batalha, o pai foi interrompido por uma última dúvida.

— Vai me deixar aqui? — perguntou sua filha.

— Eu jamais faria algo assim — afirmou, quando subitamente avançou rumo ao confronto inevitável.

***

Do outro lado da base intermediária, a ação continuava, não havendo brecha para interrupções. Explosões subsequentes atingiram os corredores do hospital, trazendo o terror do exterior para dentro do complexo. Os Remanescentes invadiam o espaço, cada vez mais destruído, que outrora abrigou o corpo médico.

Tremores colocavam as paredes do local em cheque, capazes de desabar a qualquer minuto. Os alarmes de emergência já haviam parado de funcionar, uma vez que os danos cobriam grande parte do sistema principal. Apenas as áreas especiais permaneciam intactas, onde um som de movimentação agitava os corredores ainda não atacados.

Passos apressados destacaram a presença do único humano a se opor à ameaça transcendental. Hawk havia deixado a sala de operações, almejando defender a estrutura responsável por tratar a sua familiar. Segurando o objeto, com o qual fez um encantamento, o homem se preparava para usufruir ao máximo do poder em suas mãos.

“A base da alquimia. Transformar elementos já conhecidos em novos tesouros a serem decifrados. Sacrificar algo de valor, visando obter uma riqueza ainda mais preciosa. São estes os princípios por trás da Relíquia da Transmutação”, refletiu a mente determinada.

Após perceber o sujeito de carne e osso, as criaturas invasoras flutuaram na direção de sua próxima vítima. Um clarão indicou a ofensiva dos Remanescentes, ao provocar uma resposta impensável. Contrariando a força esmagadora de seus inimigos, o humano saltou contra um dos seres flutuantes. Agarrando a estrutura sobrenatural com uma de suas mãos, o homem pressionou o corpo indescritível da criatura, à medida que um brilho azulado antecipava o feito inimaginável. O braço de Hawk desapareceu, levando consigo o ser transcendental.

“Quando Proxie fez o encantamento, ela não sabia o que pedir. Sua mente nunca se viu no direito de desejar algo grande, por isso, sua perna acabou sendo absorvida sem conceder nada em troca”, o pai compreendeu a situação.

Ao mesmo tempo em que a imagem da filha preencheu os seus pensamentos, ele reafirmou o raciocínio, previamente cravado em sua cabeça.

— Eu tenho certeza sobre as minhas trocas. Nesse caso… Pode levar tudo. 

O sujeito conversou solitariamente com a relíquia segurada, não havendo outras pessoas para ouvi-lo. A luz sucedeu lábios decididos, ofuscando os inimigos com um poder avassalador. Como se lutassem no vazio do branco, o combate continuou, fora de qualquer olhar.

***

Horas após o incidente, uma nave retornou ao hospital. O local destruído não era mais frequentado pelos Remanescentes, cedendo espaço para o completo silêncio. Desembarcando em meio aos destroços da base intermediária, um esquadrão utilizava o seu traje para respirar no espaço aberto, marcado pela presença da vogal de maior respeito da resistência. Falco caminhava ao lado de seus companheiros de ranque A.

— Minha nossa… esse local está caindo aos pedaços.

— Isso tudo porque saímos por um único dia — comentou Kazo.

— É o fluxo natural das coisas. Conseguimos uma nova relíquia, portanto, podemos afirmar que tomamos a decisão correta.

— Acha que alguém morreu enquanto estávamos fora?

— Se algo assim aconteceu, apenas mostra como a vítima era fraca. Uma perda irrelevante para os Escultores.

Adentrando no interior do complexo hospitalar, um dos subordinados avistou vestígios irreconhecíveis. Ao lado de uma relíquia caída, a carne humana indicava a presença de um Escultor, mesmo que a aparência deste não se parecesse mais com a de um ser vivo. Na ausência de inúmeras partes, órgãos vitais se mantinham presos a um físico incompleto. 

— Credo! Esse cara teve uma péssima morte. Senhor Falco, o que acha?

— Ele está vivo.

— Hein?

Como uma cobrança para feitos surreais, a transmutação levou embora tudo o que não fosse essencial para a sobrevivência de seu usuário. A eliminação de seres transcendentais exigiu uma moeda de troca que jamais seria recuperada. Após a batalha intensa, os restos do vitorioso descansavam sobre o chão, contemplando os segundos finais de sua última atuação como um Escultor. A audição foi o único sentido do qual Hawk não permitiu se livrar, deste modo, ele ainda era capaz de ouvir os sentimentos compartilhados por uma solitária.

Passos metálicos alertaram sobre a chegada de uma garota angustiada. Proxie correu rumo ao corpo no chão, apesar de cair repetidas vezes no processo, ainda não acostumada com o novo estado de seus membros inferiores.

— Pai!!! O que aconteceu!?

Uma prótese permitiu que a criança se aproximasse do que restou de seu parente, o qual ela conseguiria reconhecer até no pior dos cenários. A cirurgia havia sido um sucesso, mas o mesmo tratamento não seria o suficiente para aquele cujo dano recebido o distanciava da imagem de qualquer humano. Lágrimas escorriam de maneira ininterrupta.

— Pai!!! Você está bem!?

— Ele é o seu pai? Minha nossa, que família de miseráveis. São a personificação da tragédia. — Uma voz seca se opôs aos olhos úmidos da garota. Falco desprezou a dupla.

Assim como um milagre traz soluções inalcançáveis, Proxie percebeu a letra nos trajes do esquadrão recém-chegado. 

— Essas roupas… Vocês são do Ranque A!

— Correto.

— Levem ele para um hospital melhor, por favor!! E-eu tenho dinheiro!! Minha mãe pode pagar vocês, como quiserem!!!

O silêncio antecedeu uma resposta previsível, entretanto, completamente desconhecida pela criança inexperiente.

— Do que está falando? Os privilégios do ranque mais alto não devem ser comprados.

Falco e sua equipe deram as costas para os destroços do hospital, deixando para trás os dois necessitados. A seriedade nas palavras seguintes do líder não poderia ser questionada.

— Enviarei ajuda para vocês. Nós temos outros trabalhos a fazer — afirmou ele, encerrando o diálogo contraprodutivo. 

À medida que observava a partida do esquadrão, a falsa esperança da criança se esvaia, sem qualquer indício de retorno. A água nas pálpebras abandonadas tornava impossível o reconhecimento dos arredores, que, somada com a perna ainda não dominada, transformava a movimentação em uma tarefa difícil. A prótese comprometia o equilíbrio físico de Proxie, enquanto a visão desesperadora afetava a estabilidade emocional. A situação se aproximava de uma catástrofe, quando uma mão encostou na cabeça angustiada.

— Tsc. Esses caras acham que podem fazer o que bem entenderem. No fim, eles são os únicos aqui com uma nave, isso torna tudo ainda mais deprimente.

Enxugando as suas lágrimas, a garota pôde ver uma expressão gentil. O gesto sincero era expressado através do tato, acalmando a mente ansiosa com a confiança exalada. O sujeito continuou, oferecendo uma proposta singela, responsável por mudar a vida de todos ali presentes.

— Ei, garota. Quer aprender a voar?

O líder do grupo ouviu a fala audaciosa. Como uma resposta imediata, ele se virou para o membro que confortava a criança.

— Jiro, o que está fazendo aí atrás? Está com pena dos fracassados? — Falco questionou o subordinado.

— Perdão, senhor. Aceito qualquer tipo de punição, porém, eu gostaria de fazer este pedido. Podemos abrir uma exceção desta vez?

***

Prosseguindo por uma jornada de oito longos anos, a história continuou sendo contada pela perspectiva do homem sério. No momento mais recente, a narrativa do passado chegou ao fim, contextualizando o rapaz loiro sobre a atual líder de seu esquadrão. Conforme o pedido de Roccan, Jiro finalizou o monólogo esclarecedor.

— Certo, acredito que eu já falei demais. E então, foi como você esperava?

— Nem um pouco. — O ouvinte se levantou, caminhando na direção oposta do sujeito experiente.

— O que está fazendo?

— Corrigindo um erro.

— Você ao menos sabe para onde está indo?

— Desta vez, sim.

Após minutos andando por ruas já conhecidas, Roccan deixou o local da conversa e foi de encontro ao hospital anteriormente visitado. Ao lado do estabelecimento, a nave em manutenção ainda pôde ser vista, mas a paisagem possuía uma diferença crucial. O veículo se encontrava em chamas.