Volume 1
Capítulo 10: A Era do Pior Esquadrão, Parte 1
Uma sala de hospital fornecia o espaço para uma espera angustiante. O ruído emitido por maquinários era o único som reproduzido no ambiente quieto, onde os ouvidos de um homem podiam relaxar novamente, sem a presença de mais pessoas para comprometer a tranquilidade do descanso merecido.
Após ser socorrido pelo grupo de enfermeiras, o paciente permanecia respirando, utilizando aparelhos com tecnologia de primeira mão para manter o seu corpo estável. Os batimentos, anteriormente instáveis, voltaram a ressoar como uma melodia de ritmo constante, acalmando os ânimos de uma garota ansiosa. Monitorado carinhosamente por sua única companhia, o sujeito operado era visitado por Proxie.
— Você me assustou desta vez, pai. Eu realmente pensei que…
Um dispositivo, acoplado sobre a cabeça do indivíduo debilitado, tornava possível a comunicação com outros humanos, traduzindo pensamentos pouco complexos para ondas sonoras levemente expressivas. O sistema transformava os anseios da mente solitária em uma voz lenta, porém, falante o suficiente para lhe permitir dialogar com a pessoa mais importante da sua vida, sem sequer abrir a boca.
— Ainda… não… posso…
— É, eu sei. A sua luta me mostra isso todo dia. Você é mesmo forte, pai.
— Proxie…
— Só aguente mais um pouco, ok? Quando eu me tornar uma Escultora de Ranque S, vou te colocar em um hospital bem maior.
A respiração do paciente oscilou novamente, no entanto, desta vez, a presença da sua filha contribuiu para uma recuperação rápida. O coração agitado voltara à normalidade, espantando o fantasma da morte, costumeiramente ameaçando levar o familiar enfraquecido. O tópico responsável por tamanho estresse foi trazido à tona.
— O acidente…
— Hein? Como ficou sabendo disso? Deve ter sido aquele moleque idiota.
— Tudo… bem?
— Ah, não se preocupe quanto a isso. Não foi nada demais. O Jiro me salvou, outra vez.
— A… nave…
— A minha nave? N-não aconteceu nada com ela! Ela só… foi partida ao meio. M-mas, isso não será um problema por muito tempo! Eu já a levei para uma manutenção, deve ficar novinha em folha, em breve!!
O nervosismo dominou a mente da jovem, conduzindo os seus pensamentos por uma jornada através de memórias primordiais. A essência de seus ideais contemporâneos se originou de um passado com oito anos de extensão.
***
Em contraste com a altura das grandes metrópoles, Proxie vivia os seus dias infantis na periferia mais baixa, onde ela observava a cidade alta com olhos sonhadores. Como se estivesse olhando para uma montanha inalcançável, ela ansiava pelo dia em que poderia habitar o topo do mundo.
Localizada entre as mais diversas construções, todas ultrapassando a marca de vinte andares, uma escola estendia-se pelo térreo de um edifício — já ocupado por dezenas de outros negócios — em constante crescimento. Inúmeras crianças preenchiam a frente do estabelecimento com pincéis cheios de tinta, utilizando o tempo livre para exaltar a criatividade de suas mentes. Até mesmo os guardas, responsáveis pela vigilância da área, se divertiam contemplando a rebeldia e a falta de preocupações de uma nova geração.
— Ei, ei. Escutem, isso! Eu passei na Escola das Nuvens! — Uma pequena garota conversava com suas colegas de turma.
— Aquela escola da cidade alta? Os resultados já saíram?
— Sim, eu também passei!! Meus pais vão adorar saber disso!
— Uau! Além de vocês, eu serei outra novata!
— Nossa, quanta gente!
Uma voz debochada interrompeu o papo agradável, trazendo a explicação para suas amigas inocentes.
— Por que estão surpresas com algo tão óbvio? Nossa escola possui uma aprovação incomparável neste concurso. A cada dez inscrições, apenas uma costuma ser reprovada.
— Bom saber. Então não precisamos nos preocupar com separações!
— Isso é ótimo! Ficaremos para sempre juntas! Certo, Proxie?
As vinte crianças aprovadas se viraram para a amiga de longa data, prontas para comemorar outra conquista juntas. O silêncio antecedeu uma resposta repleta de constrangimento. A voz rouca da garota mal conseguia ser ouvida por aquelas à sua espera.
— Eu… não passei.
Gargalhadas se sobressaíram perante qualquer ruído na região.
— HAHAHAHAHA!!
— Isso é a sua cara, Prox!! Você não tem pena dos seus pais?
— Credo, sua família deve te odiar, hahahaha! Desse jeito, eles nunca vão conseguir descansar.
A garota — alvo de todas as risadas — sentiu a provocação pessoal, através de críticas que visavam abalar as pessoas de maior importância em sua vida.
— Meus… pais?
Um som agudo sinalizava o fim do expediente estudantil, restaurando o ânimo das crianças exaustas. Enquanto algumas partiam com um responsável, as demais aguardavam pelo transporte escolar: pequenas naves devolveram os estudantes para suas respectivas moradias.
O retorno para casa era como um refresco para alguém que voltava do deserto. Depois de receber o resultado infeliz, Proxie chegou em seu lar, carregando uma expressão deprimente. A energia restante no seu corpo mal era suficiente para tirar os sapatos de pés doloridos. De pernas trêmulas e ombros caídos, a garota havia perdido a vontade de continuar acordada naquele fatídico dia, caminhando rumo à sua cama. No entanto, ao ligar o interruptor do seu quarto, luzes alaranjadas revelaram uma cena capaz de virar as suas emoções ao avesso.
— SURPRESA!!
Purpurinas coloriam as paredes acizentadas.
— Parabéns!!
Um singelo bolo de morango — cujo sabor doce nunca seria esquecido pela garota — adornava o topo da mesa, representando a conclusão de uma década especial. Velas brilhantes destacavam o nome no centro da massa, utilizando a simplicidade do chantilly para escrever uma honesta demonstração de carinho.
Dois adultos vestiam fantasias ordinárias, podendo ser facilmente confundidos com adolescentes entusiasmados, enquanto suas faces eram agraciadas com máscaras e óculos extravagantes. A bobagem havia ultrapassado as barreiras do ridículo para criar uma atmosfera mágica, possibilitando o encanto de olhos outrora desesperançosos.
— Feliz aniversário, Proxie. — Os pais parabenizaram a sua filha.
— Por quê? — O olhar da figura prestigiada encheu-se de lágrimas. A criança não sabia como reagir. A tristeza em suas pálpebras colidia diretamente com a alegria em seus lábios.
Cabelos longos — repletos de acessórios — e roupas cobertas por cores vibrantes moldavam a aparência de uma mãe ansiosa, tentando compreender a face angustiada. A mulher indagou a recém-chegada.
— Que cara é essa?
— Eu não passei na Escola das Nuvens.
— Nós vimos o quanto você se esforçou. Essas coisas acontecem.
— Eu fui a única que ficou para trás!
— Não tem ninguém atrás, filha. Tem muitas outras escolas na cidade grande. Além disso, você não queria entrar para a resistência?
— Não é a mesma coisa. Eu preciso entrar em uma escola boa, senão vocês—
Um estouro expeliu o conteúdo no interior de um balão de festa, seguido por uma chuva de confetes coloridos. O diálogo sério foi interrompido pelo sorriso de um pai entusiasmado. Hawk era o nome do sujeito, que aliviou o estresse acumulado no ambiente.
— Hehehe, eu não pareço levar jeito para isso. Por que não tenta encher uma dessas bexigas, Proxie? — propôs ele, após falhar na sua função.
— Está tentando me animar?
— Hein? Você não está feliz?
— Não prestou atenção em nada do que eu falei?
— Ah, foi mal. Eu estava pensando em como te entregar isso… — falava, à medida que revelava algo escondido debaixo da mesa.
Um laço vermelho proporcionava uma embalagem improvisada, envolvendo gentilmente uma tecnologia de nível confidencial. Duas asas se acoplavam em um aparelho de médio porte, o qual podia facilmente se prender às costas de qualquer usuário.
— E-está me dando um planador!?
— Hehe, você queria muito um desses, não?
— Eles são exclusivos da resistência!!
— Este é um trabalho simples para um esquadrão de Ranque B. Nossos membros possuem alguns poucos privilégios ao nosso favor.
— Incrível!! Eu vou ser capaz de voar e–
Correndo na direção do item desejado, Proxie acabou tropeçando, rumo a um desfecho infeliz. A garota esbarrou no aparelho segurado pelo seu pai, levando o objeto ao chão. Complementando a situação desesperadora, ela caiu sobre o dispositivo, pressionando a tecnologia com todo o peso de seus joelhos.
— N-Não pode ser… — A empolgação da criança se esvaiu em questão de segundos.
A mãe tentava acalmar a frustração iminente.
— Não se preocupe, querida. Nós… podemos pagar um conserto!
Lágrimas — anteriormente seguradas — enfim desabaram de olhos entristecidos. O aparelho havia sido inutilizado, tendo as suas asas partidas ao meio. Nem mesmo a menor conquista parecia ser capaz de entrar em contato com as mãos da criança, sempre deixando a vitória escapar por entre seus dedos. Indignados com a qualidade do material, o casal de responsáveis estava prestes a iniciar uma discussão.
— Hawk, onde você conseguiu essa lata velha?
— Credo, essas coisas são mais frágeis do que eu esperava.
— Peça um reembolso! Use o ranque para alguma coisa!
— Você sabe que eu não posso mais resolver isso!
De maneira repentina, um desabafo surpreendeu os adultos.
— Por que fazem essas coisas? Eu não mereço algo assim… eu fui reprovada na Escola das Nuvens! Sou a única da minha turma que não foi aceita!!
— Querida…
— Você e o papai são bons no que fazem… poderiam ser muito mais sem—
Impulsionado por uma determinação esmagadora, Hawk abriu a porta do quarto. Ao contrário da decepção passageira, a comemoração não estava perto de acabar. Seu relógio de pulso indicava um longo dia pela frente.
— Achou mesmo que iria ganhar apenas um presente? Hahahahaha! Se o primeiro falhou, basta irmos para o próximo!
— O próximo?
— A cidade alta não é o seu limite, Proxie. Podemos alcançar altitudes ainda maiores!
***
O céu cedia espaço para o mais completo breu. Nuvens foram ultrapassadas por um veículo direcionado para as estrelas. Com o formato de uma arraia, era como se os dois familiares tivessem partido em uma aventura pelo mais escuro dos oceanos.
A nave encontrava o seu caminho pelo espaço sideral, passeando pela vastidão do universo, de maneira semelhante a uma navegação em mar aberto. Com a adrenalina de uma montanha russa, Proxie aproveitava cada segundo do trajeto, tentada a gritar perante as inúmeras novidades ao seu alcance.
— São estrelas!! Eu estou vendo estrelas!!!
— Ei, cuidado! Não saia do seu assento!
— Aquilo é um satélite!? O que acontece se derrubarmos essa coisa?
— Não faça isso.
— Foi uma brincadeira, eu acho. Ei, olhe aquelas bolotas flutuantes!!
— São planetas, Proxie. Assim como onde vivemos.
— É verdade!?!? Não está mentindo, né?
— Por que eu faria algo assim?
— Vamos visitar um!! Quero tirar uma foto e mandar para as minhas amigas!!!
— Quer matar elas de inveja?
A garota não conseguia mais responder. A imagem em sua frente parecia atordoar todos os seus sentidos. Centenas de informações novas adentraram simultaneamente na sua visão, expandindo os horizontes da mente infantil através do cenário estonteante.
Planetas dançavam em órbita, como crianças em um círculo, cada um exibindo sua própria paleta de cores. Estrelas pontilhavam a escuridão do vazio, sua luz se assemelhava ao brilho de jóias reluzentes, chamando a atenção de espectadores por todo o universo. Asteroides cruzavam o espaço por meio de trajetórias imprevisíveis, instaurando o caos em uma jornada marcada por incertezas, enquanto satélites rodeavam seus planetas hospedeiros, como companheiros leais e inseparáveis.
A ficha finalmente havia caído: a criança estava passeando sobre o local com o qual todos sempre sonharam ao olhar para cima. Proxie havia ficado sem palavras.
— É de tirar o fôlego, não? — O pai se expressou pela filha.
— E-eu…
— Não precisa tentar falar, basta sentir.
Lágrimas escorreram de maneira involuntária, impedindo que a garota contemplasse mais daquela visão surreal.
— Eu não mereço isso…
— Do que está falando?
— Não era pra eu estar aqui. Pessoas como as minhas amigas… elas mereciam muito mais. Eu estraguei tudo, várias vezes.
Ao mesmo tempo em que dirigia o veículo de altíssima tecnologia, Hawk utilizava o seu vasto conhecimento — obtido após inúmeras falhas anteriores — para navegar por rotas seguras, possibilitando uma conversa tranquila.
— Proxie, como você acha que uma nave é construída?
— Alguém super inteligente teve a primeira ideia. Hoje em dia, as pessoas devem apenas copiar ela.
— Mas, e o primeiro modelo? Como acha que ele surgiu?
— Eu já respondi essa pergunta. Algum gênio criou.
— Na verdade, a primeira nave do mundo provavelmente foi um fracasso.
— Tá zombando de mim? Se isso fosse verdade, nós não estaríamos voando agora.
— Essa é a centésima primeira edição do modelo Ray. Isso significa que, considerando apenas este modelo, tivemos outras cem réplicas menos eficientes.
— Você está complicando as coisas.
— Esse gênio, que você citou, precisou refazer o produto incontáveis vezes, até que o resultado ficasse no mínimo aceitável.
— Aonde quer chegar? É alguma de suas brincadeiras?
— Você acha que ele mereceria voar nessa nave?
— Claro que sim! Ele gerou tudo isso. Pare de fazer perguntas estúpidas!
— Nesse caso, você tem algo que as suas amigas nunca serão capazes de superar.
— Eu…
— Seus fracassos vão te tornar alguém especial, algum dia. Quem sabe você não cria um planador ainda melhor do que aquele que eu lhe dei?
— Até parece. Eu sou boa destruindo coisas, não criando.
O silêncio lembrou Hawk sobre um assunto pendente. As boas notícias tiveram um preço caro.
— Proxie… tem uma última coisa que eu preciso te contar.
O homem reunia toda a coragem para relatar algo controverso.
— Eu saí do esquadrão de Ranque B.
— Hein?
— Estou criando o meu próprio esquadrão, começando pelo Ranque F.
— Por quê? — A criança ficou perplexa.
— Detalhes não são necessários. Somos dois fracassados agora. Essa é a única coisa que importa.
— Você é um líder de esquadrão!? Incrível!!
— Hehe, não é? Logo, logo, você também poderá entrar para a minha equipe.
— De verdade!?!? Isso seria demais!
Um cinturão de asteroides interrompeu o avanço da nave, fazendo o pai preocupado se preparar para declarar o fim do passeio. A comemoração estava próxima do seu desfecho, quando um brilho restaurou os ânimos do homem sonhador. A fonte de tal luminosidade não poderia ser confundida com nenhuma outra origem: tratava-se de uma relíquia de ação.
— Impossível!
Parando o veículo próximo ao asteroide, a dupla se aproximou para averiguar a situação, seus olhos não estavam enganados. Devidamente trajados, os dois parentes rumaram para o exterior, se posicionando lado a lado do artefato mágico.
— Uma relíquia? Aqui? Você é mesmo abençoada, Proxie!!
— É de verdade? Não pode ser!
— É como um presente dos Deuses!!
Após refletir por um breve momento, o pai chegou a uma conclusão segura.
— Vamos levar isso para casa. Lá poderemos fazer as devidas investiga—
— Relíquia de ação: ativar!! — Um brilho acompanhou a fala da garota.
— Espere, Proxie!!
Depois de um momento sem acontecimentos, o encantamento parecia ter funcionado corretamente. No entanto, havia um significante diferencial na aparência da garota. A criança havia perdido uma de suas pernas.