Volume 1
Capítulo 9: Buff/Debuff
A pequena vila manteve seu ambiente atemporal por décadas, algo guiado pelos moradores orgulhosos que se recusaram as construções modernas, porém, no meio dos distúrbios causados pelos forasteiros, a facilidade que demoliam suas casas revelava o quanto eram frágeis, um arrependimento rompia os corações de muitos. No entanto, era tarde para isso, devido um capricho de dois daqueles visitantes, o lugar sofreria danos irreparáveis.
***
Scarlet girou as adagas cortando o ar disparando a energia de cor avermelhada, a onda de poder seguiu deixando um rastro destrutivo no solo. Seu oponente recebeu golpe com uma rajada de tiros, as balas atravessaram a energia reduzindo sua velocidade, até o ponto de para-la por completo.
A ruiva investiu na direção dele, mas recuou.
— Qual é? Nem disse oi pra Clarisse! — falou Cronos, apontando sua AK-47.
“Merda... Como pude esquecer?” Ela se repreendeu mentalmente, cometeu um erro. Apesar de parecer comum, aquele fuzil de assalto tinha efeitos catastróficos.
Os disparos vieram intermitentes.
Scarlet correu escapando da maioria das balas, contudo, foi atingida na perna direita. O projetil atravessou sua coxa deixando um buraco visível, era uma consequência por ser displicente.
Ignorando a dor, escolheu uma das casas ao redor e pulou quebrando a janela de vidro, assim que alcançou o chão, rolou e se escondeu atrás de uma das paredes.
O aplicativo bipou.
O jogador recebeu um dano crítico!
Haverá perda de 0,22% de Vitalidade por segundo.
O jogador recebeu um DEBUFF!
Sua velocidade será reduzida em 18%!
Além do dano absurdo, as balas de Clarisse causavam um efeito negativo, algo conhecido como debuff, o que resultava na perda considerável de algum atributo e nesse caso, da sua velocidade. Isso era um terror para a classe de Lutador Marcial, dependiam extremante da sua destreza.
— Droga! Essa foi por pouco... — disse ela, limpando o suor da testa enquanto amarrava a perna com um pedaço de pano que rasgou da blusa, tentava estancar o sangramento, movimentou seus pés sem dificuldade, a munição não acertou o osso, se tivesse, estaria perdida.
— Vamos lá! — gritou Cronos, do lado de fora. — Vem pra cima! Ou já desistiu?
Cronos não iria atirar a esmo, sabia o quanto seus projeteis eram preciosos, estava tentando provocá-la, saber sua localização.
Scarlet respirou fundo, só havia uma saída e por sorte, não infligiam as regras do combate. Ela deu alguns cliques na tela do celular e seguiu para um local alto, precisava avaliar o terreno.
— Se quer que eu desista... — disse ela, quando alcançou o telhado, encarou o atirador abaixo que esbanjava um sorriso cínico. — Vai ter que fazer melhor que isso!
Scarlet correu na direção favorável e como esperado, Cronos a seguiu sem pensar duas vezes.
***
Da casa destruída, Gabrio saiu cambaleando com as costas carbonizadas, segurava um pedaço dos escombros nas mãos, parte dos destroços flutuavam ao seu redor.
— Bel?! — Procurava com os olhos, mas só via chamas que consumiam as moradias lentamente.
O espadachim que o atingiu estava caído no chão, morto.
— Ei! Vem cá! — Uma voz saiu debaixo de um carro próximo.
Gabrio olhou para lado, checando se era mesmo com ele, os gestos insistentes das mãos embaixo do veículo não deixavam dúvidas.
— Me ajuda... — A voz era de um homem. — Fiquei preso embaixo dessa coisa.
O carro estava com as rodas furadas, provavelmente o azarado se jogou ali embaixo para se proteger e quando os pneus furaram o automóvel rebaixou.
Gabrio ampliou o tamanho das rodas aumentando a suspensão.
O rapaz se arrastou para fora, seus cabelos pretos eram curtos e lisos, o estilo do corte deixava sua cabeça no formato de uma bola de sorvete, era baixo e magro, seus olhos estreitos indicavam sua origem asiática.
— Valeu! Salvou minha vida! — disse ele, choramingando ao se erguer do chão. — Me chamo, Shura.
— Eu sou... Dark Onyx.
Gabrio se incomodava em usar o nome do jogo, mas disse, a contragosto. Além disso, não ia ser um problema. Afinal, Shura era um jogador, o símbolo da coroa dourada no celular que segurava na mão o entregava.
— Cara! O que foi aquilo?! — disse Shura, encarando a direção dos outros jogadores caídos.
— Aquilo o quê? — rebateu Gabrio, confuso.
— Vai me dizer que não viu aqueles dois brigando? — Shura deixou claro sua expressão assustada, olhos estreitos arregalados. — Que bizarro...
— Tinha uma ruiva no meio dessa briga? — perguntou Gabrio, era a informação que precisava.
— Sim... conhece ela?
— Conheço.
— Oh! — Ele deixou escapar seu tom admirado.
“Tomara que ela esteja bem”, pensou Gabrio, puxou seu celular, não fazia ideia de quanto tempo perdeu caído, restavam ainda treze minutos para o fim da partida.
— Eles foram por ali! — informou Shura, apontando a direção.
— Obrigado!
Gabrio seguiu o caminho indicado, achar Bel era prioridade.
— Eu vou com você! — Ele se ofereceu, correndo ao seu lado. — Pra novatos como nós, vai ser bom assistir uma briga dos grandes.
— Acho que sim — concordou tímido.
“Uma briga dos grandes?” Gabrio não sabia o que ele queria dizer exatamente com isso, mas de uma coisa era ciente, irritar aquela ruiva era um problema.
***
Scarlet se escondia entre os prédios, utilizava as paredes de barreira para atrasar e prever a direção das balas, conseguia ouvir o impacto delas entrando na madeira, era o tempo suficiente para que cortasse os projéteis com as adagas antes de chegarem até ela.
Cronos atirava cauteloso, sempre tomava a distância necessária, se aproximar daquela lutadora sem precaução... era caixão na certa.
Os tiros cessaram, havia um limite de disparos que o fuzil de assalto podia realizar, precisava de quinze segundos para recarga.
“O momento que esperava”, pensou Scarlet, clicou na tela do aparelho e as suas mãos foram envolvidas por luvas de couro negro, eram rudimentares e pesadas.
O Jogador equipou uma Arma Especial.
Manoplas do Minotauro
Dano de 0,2% de Vitalidade.
Aquele item foi algo que ganhou recentemente, seu nível de dano era bastante limitado. Mas tudo bem, o motivo de usar aquilo era outro.
A notificação desejada surgiu.
O jogador recebeu BUFF!
Força amplificada em 5%.
Ao contrário de Clarisse, suas manoplas possuíam um efeito especial positivo, concedia algo conhecido como buff, uma espécie de benção que aumentava atributos e, no caso deste, uma sutil elevação na força.
Chegava a hora do contra-ataque.
— Ruiviiiinhaaa! Antes assustadora e agora é medrooosiiinha! — proclamou ele, em forma de canção.
Scarlet surgiu batendo as luvas com o punho fechado.
— Vou amassar essa sua cara feia! — vociferou ela, aumentando a velocidade dos passos.
— Manda brasa! Hehihihihi... — sua risada estridente daria inveja a uma hiena.
Cronos posicionou Clarisse pronto para efetuar uma nova chuva de balas, disparou mirando na ruiva que corria repleta de confiança na sua direção, era um alvo fácil.
Scarlet socou o vazio na sua frente colocando toda a força no golpe, a explosão no ar foi visível, o impacto dos punhos no vento criou uma barreira de arraste que se projetou até seu oponente.
Cronos foi surpreendido pelo golpe invisível. O movimento dela dispersou suas balas e o atingiu em seguida, foi como se ela tivesse empurrado uma parede sólida que colidiu com seu corpo. Ele caiu cerca de alguns metros depois sentindo seu corpo doer, com certeza quebrou umas costelas.
“Aquilo foi só um soco dela no ar, o que faria comigo se me acertasse diretamente?” O pensamento assustador preencheu a mente de Cronos. “Finalmente! Vem em mim, Rainha Demônio!”
Scarlet bateu as luvas de novo, contente com o resultado. Um objeto daqueles tinha um buff considerado medíocre nas mãos de qualquer novato, mas para alguém como ela, um aumento de 5% na força era o suficiente para gerar uma devastação.
“Vamo lá, manoplas lindas! Garantam mais uma vitória pra mamãe!”, pensou a ruiva, esfregando as mãos, seguia risonha na direção do seu alvo.
Do outro lado, Cronos corria e despejava leves beijinhos no seu armamento.
— Essa já tá no papo, Clarisse — cochichou carinhoso, abraçando o fuzil.
***
As explosões coloridas surgiam instaurando o caos na vila, o combate entre os jogadores se intensificava conforme o tempo passava. Gabrio corria se misturado aos habitantes, queria distrair a atenção dos competidores.
— Tem certeza que ela veio pra cá? — perguntou Gabrio, o rapaz asiático ainda o seguia.
— Sim, eu vi quando ela correu — respondeu baixinho.
Gabrio estava cinco minutos caminhando e não havia percebido sinal da ruiva. Isso o preocupava, considerando que ela não era nada discreta em combate.
— Por ali! — Shura apontou novamente.
Seu atual companheiro agia como um guia para escapar dos outros jogadores.
Gabrio seguiu o caminho indicado, entrou em um beco que passava entre duas casas pequenas, não era longo.
Antes que pudesse perceber, haviam pessoas que fechavam a saída e a entrada do local.
— E-estamos ce-cercados! — gaguejou Gabrio, apreensivo.
— Corrigindo meu amigo...
A pancada forte no estômago fez os joelhos de Gabrio cederem, caiu sobre eles segurando a barriga.
— Você que está cercado! — alegou Shura, chutando seu rosto violentamente.
Gabrio caiu no chão tossindo sangue e alguns dentes.
Shura se uniu ao grupo de cinco jogadores, todos riam maliciosamente, pois atraí-lo para aquela armadilha foi mais fácil que roubar doce de criança. Sem aviso, iniciaram uma agressão generalizada com socos e chutes no novato caído.
***
Cronos corria, pulava e deslizava, tudo praticamente ao mesmo tempo, a casa que estava usando para se esconder foi varrida do mapa em um instante. No seu encalço, estava a fúria em forma de mulher.
Scarlet despejava sua ira no vento e o que estivesse na frente desaparecia, era tudo carregado pelos ares, seu caminho pavimentado de vingança rejeitava obstáculos.
— Tatuuuuadiiiinho! Antes abusado e agora medrooosiiinhooo! — cantarolou ela, uma retribuição as provocações dele.
“Vishi... a louca ligou o modo insano”, refletia ele, avaliando que a ruiva não ia descansar até acertá-lo. “Já que é assim... vou ligar meu modo moleque doido.”
Cronos clicou na tela do celular.
INTEGRAÇÃO BÉLICA!
O Jogador acionou a Magia Ancestral de Clarisse.
Tempo de ação: 15 segundos.
Efeito colateral: 01 de Munição/360 horas de Hibernação.
O fuzil na sua mão desmontou em várias peças pequenas, flutuaram em volta do seu braço e, lentamente, começaram a se unir a sua carne. Quando finalizou, seu braço esquerdo estava metalizado e no lugar da mão havia um enorme buraco que pulsava com a luz verde, o resultado da sua Integração Bélica. A partir dali, Cronos e seu amado fuzil eram um só.
— Te achei! — disse ela, vendo-o escapar de mais um local que destruiu com seu golpe.
Scarlet o perseguia sem dar espaço para se esconder de novo, lamentava não poder ir mais rápido, sua velocidade reduzida e a perna machucada começavam a incomodar.
Cronos parou chegando a um beco sem saída.
— Preparado pra morrer?! — disse ela, posicionando os punhos.
Estava diante de um animal encurralado.
— Sim... e você? — rebateu ele, soltando uma grande baforada de fumaça.
Scarlet desfez o sorriso esnobe, cometeu outro erro. Ao contrário do que pensava, ela que havia se tornado o bichinho que caiu na armadilha.
O atirador posicionou o braço que, naquele momento, se transformou em um canhão mecânico, a luz verde se acumulou na ponta da arma e saiu em um clarão largo, maciço e poderoso.
Seu disparo de energia prosseguiu por quilômetros, algo tão magnânimo que qualquer satélite poderia notá-lo do espaço sideral. Quando o ataque cessou, um buraco com a dimensão de duas colinas dividia a vila ao meio, uma vala colossal se estendia sem um fim aparente.
— Seu desgraçado... — protestou ela, ofegante.
Scarlet estava a alguns metros de distância ajoelhada, cruzava as adagas na frente do rosto, por sorte, conseguiu chamá-las a tempo, seus braços estavam enegrecidos e enrugados com queimaduras severas, o mesmo nas pernas e abdômen, protegeu apenas seu rosto, que teve esfoliações leves nas bochechas e, de forma sobrenatural, seus cabelos ruivos estavam intactos.
— Caramba! Isso não te matou! Hehihihihi!
Cronos partiu para o ataque segurando Clarisse firme nas mãos, depois de lançar sua única munição estavam separados novamente. Outro ponto, devido ao uso da magia ancestral ficaria dias sem poder usá-la, a função do fuzil agora era apenas de apoio moral.
***
“Ok! Mereci essa...”, pensou ela, por algum motivo estava imprudente na luta. Teve que usar toda sua força para não ser arrastada pelo disparo, além disso, o aplicativo informava seu status atual e o que aconteceu com suas manoplas.
O equipamento Manoplas do Minotauro foi destruído!
Perda de BUFF na Força
O jogador recebeu Dano Crítico de 40% da Vitalidade
Atenção jogador!
Se a Vitalidade chegar a zero... fim de jogo!
Scarlet deu um breve sorriso e esticou as mãos preparando suas adagas, mais uma vez, a morte flertava com ela.
Cronos encarou em silêncio os olhos da ruiva, aquela expressão não deixava dúvidas, a jogadora Scarlet Moon finalmente ia lutar a sério.
— Hehihihihi! Vem em mim, Rainha Demônio! — gritou ele, eufórico.
Sua resposta foi uma explosão de poder.