Volume 1
Capítulo 10: Noob
As explosões que emergiam da larga abertura no chão sacudiam o local, uma cortina de poeira se espalhava como névoa deixando o ar pesado. Aos poucos, a vila desmoronava com a batalha intensa.
Os jogadores prudentes se afastavam, alguns dos curiosos eram acidentalmente massacrados pelo fogo cruzado.
Cronos utilizava sua arma reserva, uma pistola semiautomática. Porém, seus disparos não conseguiam um acerto decente, a ruiva desviava e cortava os projeteis com facilidade.
As chamas vermelhas que fluíam ao redor do corpo dela mesclavam-se aos cabelos, os fios longos se movimentavam como chicotes no ar, aquilo era uma manifestação assustadora da sua energia física. A fonte de poder na classe dos Lutadores era basicamente o uso continuo dessa energia, em que a eficiência dependia da quantidade empregada em cada golpe.
“Por isso que eu te amo!”, pensou o Atirador, com o olhar emocionado na direção do fuzil adormecido, ainda o mantinha em uma das mãos. Era como ele esperava, apenas Clarisse dava conta do recado.
— Espera! — gritou Cronos. — Usar Combustão não é contra as regras?!
— Ah... só por que você não consegue fazer? Me polpe... — rebateu ela, cuspindo no chão.
Scarlet aguardava a munição acabar e investia com os punhos cerrados.
O atirador esquivava, na realidade, corria desajeitado. Seus movimentos desequilibrados escapavam dos socos poderosos.
Os golpes da ruiva colidiam com o solo gerando rachaduras que se espalhavam em fissuras largas.
— Para de correr! — reclamou a ruiva, preenchida de fúria.
— Que tal decretarmos um empate — disparou ele, exibindo sinais do cansaço.
— Claro! Depois que arrancar seu coração com minhas mãos nuas — ameaçou com a voz suave.
— Hehihihi! — Cronos corria olhando por cima dos ombros.
Scarlet preparou-se para mais uma investida, dessa vez, seu golpe complementaria o plano improvisado, aqueles socos que errava tinham um objetivo oculto.
As rachaduras no chão foram pouco a pouco se unificando, o solo cedeu em diversas aberturas, Scarlet enfiou as mãos em uma das fissuras, cravou os dedos no chão e com sua força descomunal ergueu um enorme bloco de pedra. Em seguida, lançou o pedregulho gigante na direção de Cronos.
O bloco parou no ar e a ruiva correu em volta dele, repetindo diversas vezes o movimento, destroçando o solo em pedaços que eram congelados pelo controle temporal do Atirador.
Cronos herdou a habilidade Cápsula do Tempo, capaz de paralisar o fluxo temporal de uma certa região. Seu poder extraordinário possuía um alcance limitado e uma fraqueza que poucos sabiam, o Atirador só podia parar o tempo, sem retroceder ou avançar, somente congelá-lo.
Aos poucos, Cronos estava cercado por grandes pedras flutuantes e sem perceber perdeu a ruiva de vista, acabou criando o ambiente furtivo perfeito para ela e péssimo para um Atirador.
Scarlet saiu detrás da pedra que flutuava acima da cabeça de Cronos, lançando suas adagas e idêntico a todos os objetos ao redor, suas lâminas paralisaram no espaço, a centímetros do pescoço dele.
A ruiva caiu calmamente, com poucos metros de distância, não havia mais motivos para se esconder.
— E agora espertinha?! Como vai cortar minhas balas? — Cronos apontou a arma, cheio de si.
— Hehehe... — Scarlet que soltou o riso debochado dessa vez. — Parece que não sou a única que esqueceu de algo importante, não é só você que tem uma arma maravilhosa.
Os dedos escurecidos da ruiva apontavam suas lâminas.
— Ops! — expressou ele, cabisbaixo. Sua feição podia ser resumida em uma palavra, derrota.
— Crescente, liberar! — Scarlet deu o comando.
Sua adaga azulada emitiu um brilho forte e soltou a energia que Cronos conhecia bem, era o disparo da sua Integração Bélica.
Crescente e Minguante eram, nessa ordem, as adagas azul e verde da ruiva. Em que Crescente conseguia liberar a energia que Minguante absorvia, foi o que usou para resistir ao ataque mortal do Atirador.
A explosão saiu em uma onda circular devastadora.
Cronos conseguiu reter grande parte na sua prisão temporal para não ser atingido.
— Minguante, absorver! — gritou ela.
Toda a energia disparada retornou.
O truque dela foi perfeito, Scarlet atravessou a explosão sincronizando com a absorção da sua lâmina e acertou um soco certeiro no queixo do Atirador.
Seu golpe o lançou para frente girando seu corpo em espirais no ar.
Cronos atravessou três casas até cair, por coincidência, sentado em um sofá. Seu corpo parou no móvel com seu maxilar destorcido.
Depois de alguns segundos, a ruiva apareceu sorridente, o encarava de cima com seus olhos azuis radiantes.
— Cron! Parece que ganhei de novo. — Scarlet proclamava alegre. — Já são vinte a zero, que vergonha.
Cronos pegou o celular e clicou com as poucas forças que restavam nos dedos.
O jogador acionou a Pedra de Saúde.
Uso de 27 unidades.
Custo total de 300 medalhas.
O uso daquele item decretava de vez sua derrota.
Um brilho dourado envolveu seu corpo regenerando parte dos ferimentos, era o efeito da pedra de saúde.
— Tem que admitir que cheguei perto dessa vez! — alegou Cronos, levantando do sofá ensanguentado.
— Vai sonhando! — debochou rindo.
— Hehihihihi! Que saudade, sua maluca!
O atirador abraçou Scarlet, que não retribuiu, mas deu umas tapinhas leves nas suas costas.
— Caramba... você é braba! — Cronos levou as mãos ao quadril, mais de vinte pedras de cura não bastavam para recuperar todos os ossos quebrados.
— Você apelou demais com Clarisse! — rebateu ela, clicava no celular e a luz dourada começou a envolvê-la também.
Scarlet possuía uma aposta com o atirador, se ele conseguisse vencê-la, uma vez sequer, poderia pedir qualquer coisa que quisesse. O possível pedido dele a fazia estremecer de medo, mas se sustentava invicta até o momento. Haviam poucas regras no combate, não era permitido acionar a Ascensão, sem uso de pedras da loja e por fim, recusar a luta era declarar a própria derrota.
— Cron, o que tá fazendo aqui? — disse ela, após se recuperar parcialmente. — Sua área é bem longe, não diga que abandonou o mestre?
— Hehihihihi... aquele flamingo depende de mim pra viver. — O atirador fez uma expressão séria antes de continuar. — Vim investigar o sumiço de um dos nossos, parece que o clã supremo tem culpa.
— Pensei que eles não mexessem com o mestre.
— Tivemos uns impasses ultimamente.
— Ah... sei — falou desinteressada.
“Dark... Será que...” Scarlet encarava a tela do jogo preocupada, restavam dois minutos para o fim da partida.
— E essa sua expressão perturbada? — relatou Cronos, coçando o queixo curioso. — Fez essa cara a luta inteira.
— Hum... fiz?!
Scalet parecia mais confusa que ele.
— Tem algo estranho também, além dessa nossa luta ser a mais longa de todas, grande parte disso... — O Atirador indicava o cenário destruído em volta. — Clarisse que foi a culpada, geralmente, você que muda completamente a geografia do lugar.
— Bem... pensei em mostrar minha superioridade, queria vencer só no soco dessa vez — falou presunçosa.
Scarlet improvisava uma desculpa, percebeu sua relutância em atacar com tudo, mas nem ela sabia explicar o porquê se segurou durante a batalha.
Cronos a fitava perspicaz, conhecia aquela ruiva.
— As coisas mudaram... — disse ele.
Os olhos castanhos de Cronos fitavam o vazio, existia alguma coisa na sua mente que não podia compartilhar ou... não queria.
— Tem algo que eu possa fazer?
— Depende... tá disposta a vestir uma jaqueta rosa pro resto da sua vida? — perguntou enquanto clicava na tela do celular.
— Eu não combino muito com essa cor. — Scarlet enrugou a testa em uma expressão de pavor só de imaginar.
A resposta veio sem surpresas, a notificação que surgiu mostrava que ele já esperava por isso.
O jogador abandou a partida.
O Jogador acionou uma Pedra de Transporte.
Tempo de envio: 05 segundos.
— Se cuida, ruivinha. Na próxima eu ganho. Aí vai ter que vestir branco, de um lindo vestido de casamento.
— Você é fraco, nunca vai me vencer e ainda vai morrer virgem! — rebateu ela, abafando os risos com a mão.
— Hehihihihi! — Cronos a encarou com os olhos em chamas. — Vai se ferrar!
A pedra o transportou antes que ela pudesse retribuir seu insulto.
— Idiota, se cuida...
Com a ida daquele jogador abusado poderia retomar sua concentração na partida.
“Preciso achar meu pequeno gafanhoto.” Scarlet colocou todos os seus sentidos para encontrar seu companheiro naquele campo caótico, a tarefa parecia ser árdua, havia muita movimentação da busca incessante dos jogadores pelos anéis do jogo.
Os olhos dela se arregalaram, não foi sua audição que o encontrou, mas sim o olfato, o forte cheiro de sangue a fez correr com toda velocidade.
***
Gabrio se arrastava no chão tentando alcançar o fim do beco, a dor que percorria seu corpo era insondável.
— Como posso falar isso de uma forma gentil? — Shura o levantou puxando seus cabelos. — Me passa os anéis ou morre!
As risadas em conjunto do grupo se intensificavam, assim como, a agressividade em obter os itens que garantiam a vitória do jogo.
Gabrio esticou as mãos deixando cair os pequenos objetos brilhantes pelo chão.
— Na hora que coloquei meus olhos em você... — Shura o largou deixando seu corpo cheio de hematomas cair. — Sabia que não passava de um Noob!
“Vão embora, já conseguiram o que queriam...” Gabrio pensava em revidar, mas não conseguia, ou melhor, não queria.
— Noobs são a vergonha desse jogo! — Shura cuspiu cada palavra. — Novatos que não entendem o que é o RDM merecem morrer rápido.
Estava claro que combater aqueles jogadores resultaria em duas possíveis consequências, na sua morte ou na deles. Sabia que não queria morrer, mas rejeitava a ideia de se tornar um assassino.
Os olhos de Gabrio foram se fechando devagar, observando a ida dos seus agressores.
Sua especialidade era fugir das brigas. Então, lá estava, se fingindo de morto e, parando para pensar, aquele era o método de sobrevivência que usou a vida inteira.
Tum!
A cabeça de Shura caiu na sua frente, porém faltava o resto do corpo do asiático, os olhos de uma cabeça decepada o encaravam.
— Levanta! — disse Bel, virando o corpo dele com a ponta dos pés.
Ela encarava o novato com um olhar apático.
— Como pôde deixar esses fracos fazerem isso?! — Sua voz expressava a indignação em cada palavra. — Você é um Expert, imbecil!
Gabrio avaliou o local com dificuldade para enxergar. Mas notou os corpos espalhados pelo beco, seus agressores estavam todos mortos, retalhados de várias maneiras diferentes.
— Não... queria... desculpa. — Tentou montar uma frase, mas desistiu.
— Por que não usou seus poderes?! — Bel se escorou na parede, evitando olhar na sua direção, o estado dele era deprimente. — Esses caras não deviam ser nada pra você!
Com dificuldade, Gabrio conseguiu ficar de pé.
— Eu me distraí, fui surpreendido por eles — mentiu, parecia mais fácil que falar que não quis usá-los.
— Distrações geram fraquezas, fraquezas geram derrotas — bramiu irritada. — Esse jogo não tem espaço para perdedores, só para os melhores.
Gabrio permaneceu calado.
— Aqui, vamos logo! — Ela depositou nas mãos trêmulas os três anéis que foram roubados.
Gabrio os apertou na mão, ainda evitava encarar a ruiva.
Depois de alguns segundos o aplicativo bipou encerrando a partida.
Parabéns!
Você é um Campeão!
Outra mensagem se repetiu quatro vezes.
O jogador subiu de nível!
Seus atributos foram melhorados!
O brilho dourado começou a envolvê-los, curando os danos da partida.
Gabrio estava coberto de hematomas que foram lentamente se esvaindo, sua visão que estava turva começou a ter claridade novamente.
A visão do corpo de Bel o surpreendeu, os braços dela tinham regiões vermelhas com a carne exposta, as mãos gotejavam o sangue dos dedos quebrados, era difícil achar um local nela sem um ferimento aparente, suas roupas estavam em trapos, por sorte, ainda cobriam as partes essenciais do corpo.
— Se você tá assim... — disse ele, assustado. — Nem quero saber como ficou o outro cara.
Bel lhe lançou um olhar sério, seus lábios foram lentamente montando um sorriso malicioso que gerou um arrepio por todo o corpo de Gabrio.
Na questão de minutos, tudo desapareceu. Aquele era o efeito que recuperava os campeões ao fim da partida, o Reload.
— Dark — chamou ela, assim que o brilho sumiu. — Nunca perca o foco ou vai acabar morto.
Ele concordou, balançando a cabeça envergonhado.
— Eu... vou me esforçar.
Ambos puxaram o celular, marcando a ilha no mapa.
Gabrio olhou pela última vez o local, as míseras casas que restaram de pé queimavam e a cratera que cortava a vila se expandia lentamente engolindo o que restou. Mas curiosamente, a estátua que segurava o bebê no colo permanecia plena em meio aquele caos, sem danos algum, mantinha-se imaculada.
Com a emissão de um flash, a pedra os transportou.