Volume 1
Capítulo 11: Luz na Escuridão
As ondas chegavam na beira da praia despejando a espuma do mar sobre areia quente, o vento forte agitava as dunas suaves e o sol estava pleno no centro do céu, com sua intensidade no auge.
Gabrio corria de um lado para o outro sem tempo para admirar o clima paradisíaco. Assim que chegaram, Bel o arrastou pelo braço atravessando a ilha até chegarem naquele local, haviam diversas marcações improvisadas com galhos, cordas e troncos de árvores, montavam um circuito longo repletos de curvas e obstáculos.
— Quem mandou parar de correr?! — gritou Bel, na direção do novato que mostrava sinais claros de exaustão.
A ruiva estava sentada sobre a sombra projetada pelo tronco de uma palmeira.
Gabrio segurava os joelhos sem fôlego para responder.
— Só vai parar quando o sol se pôr, vamos! — disse autoritária.
O novato lançou um olhar indignado para o céu, o astro solar parecia zombar dele mantendo sua posição inalterável acima. Mesmo revoltado, continuou até suas pernas não responderem e cair sem forças na areia branca.
— Aqui — ofereceu Bel, uma garrafa com água.
Ele bebeu em goles desesperados jogando o restante sobre os cabelos para se refrescar.
— Isso foi meu castigo? — perguntou tímido, após criar coragem para encarar a ruiva.
A expressão dela ainda era séria.
— Em parte... sim. — Sua voz aveludada permanecia irritada. — Também podemos chamar isso de treinamento.
— Você disse que os Elementais são os magos. Então... não devia treinar meu controle de magia em vez do corpo?
A pergunta dele a fez revirar os olhos. Depois de um largo suspiro, estendeu a mão para ajudá-lo a levantar.
— Eu disse... a pontuação nesse jogo é ilógica — falava dando alguns passos para trás —, seus Atributos Gerais como força, velocidade e... Blá! Blá! Blá! Não vão aumentar com seu nível, isso depende do seu desempenho nas partidas e o jogo que vai decidir qual atributo deve evoluir.
Depois que tomou a distância que achou necessária, Bel deu um giro rápido e acertou um chute certeiro no ombro dele.
— Em compensação dessa idiotice, também permite que o jogador aumente os Atributos Gerais com treinamento fora dos jogos — disse ela, após o golpe.
Gabrio caiu alguns metros de distância, em seguida, rolou na areia se contorcendo de dor, o osso atingido foi deslocado.
— Os jogadores da classe Elemental costumam depender demais de magia e a maioria acaba com um corpo frágil, evoluem somente a inteligência e sorte, atributos que auxilia no uso dos seus poderes — informou ela, aproximando-se.
Com um único movimento das mãos colocou o osso dele no lugar.
— Poderia ter só me falado! — bramiu ele, entredentes.
— Nem chutei com força...
Os olhos cheios de julgamento dela seguiram na sua direção.
— Se quer apanhar durante as partidas, vou te preparar para aguentar muita pancada.
— Qual é? Já falei que foi jogo sujo dos...
— Shiiii! — Ela levou o dedo indicador aos lábios, sinal para que fizesse silêncio. — Não quero desculpas, quero atitude.
Gabrio virou o rosto, estava prestes a xingá-la, mas ficou com receio de perder seus dentes.
— Vamos! Se consegue bater papo furado, já pode voltar a correr.
Um general espartano teria inveja da presença de espirito daquela garota, era praticamente impossível não a obedecer, como se uma voz da prudência sussurrasse o perigo de desafiá-la.
— De agora em diante, vai fazer cem flexões, cem abdominais, cem agachamentos e correr dez quilômetros todos os dias — decretou, retornando a seu lugar na sombra da palmeira.
Aos passos cansados o novato realizou todas as etapas do treinamento cruel da ruiva, até o momento que a borda do sol tocou o horizonte.
O aplicativo bipou.
O jogador adquiriu Experiência Extra
Atributos Gerais aprimorados
Força +1 Velocidade +1 Resistência +1
“Sério?! O dia inteiro pra ganhar um ponto...” protestava em pensamento, sentia dores por todo o corpo.
Gabrio sentou-se na areia deixando que a água salgada banhasse seus pés.
— Dark, os desafios dessa competição estão além dos jogos — Bel segurava as mãos atrás das costas admirando o pôr do sol. — Em algum momento vai ter que manchar as mãos de sangue.
— Percebi isso — sua voz amargou um pouco e continuou —, mas matar outros jogadores... parece errado.
Bel fitou a linha do horizonte, a nuvens avermelhadas do pôr do sol refletiam no mar.
— A luz do sol te abandona para que enxergue além e veja que existe brilhos ocultos no céu, como a lua e outras estrelas — disse ela, com sua voz serena.
— Hum... Esse é o momento que o mestre diz algo profético que muda a concepção de vida do aluno? — perguntou entre risos, tirando sarro da situação.
Bel deu um tapa na nuca dele, punição pelo seu deboche.
— Você não vê a luz, só a escuridão! Idiota! Existe um motivo pra tudo. — Finalizou seu sermão.
— Tá! Entendi! — disse ele, com uma expressão frustrada. — Eu acho.
A ruiva mostrou-se risonha com sua atitude inconformada.
“Enxergar luz na escuridão...” Gabrio internalizava em sua mente as palavras dela, porém, antes que pudesse alcançar qualquer clareza seu queixo caiu lentamente com a visão estonteante de Bel.
A brisa suave passou agitando os seus cabelos, chacoalhando freneticamente os longos fios vermelhos, seus olhos claros refletiam uma mistura de azul e tons rubros, sua pele brilhava irradiada pelos poucos raios solares que restavam. Às vezes, Gabrio esquecia o quanto Bel era bonita, sem dúvida, a mulher mais linda que já viu.
Bel acariciava distraída o colar com o pingente negro no pescoço, sua mente vagueou por um momento. De repente, a ruiva virou a cabeça e o encarou curiosa, os batimentos dele disparam de forma descontrolada.
Seus olhos se cruzaram por instante, mas Gabrio desviou, envergonhado.
“Pode ser que ele esteja...” Bel imaginava os motivos por trás do coração dele sapecar como uma bateria percussiva.
— Se acalma! — disse ela, começando a chutar a água nele. — Não precisa ficar tão nervoso, os jogos vão te ensinar o caminho correto.
— Ei! Para com isso! — Ele levantou as mãos tentando se proteger da água.
Gabrio começou a revidar jogando água de volta. Uma guerra de respingos na beira da praia foi estabelecida entre eles, algo que durou até que a noite chegasse por completo.
***
Os prédios com andares numerosos se estendiam além do que os olhos podiam acompanhar, nas laterais as placas de propagandas, telões e projetores emitiam luzes por toda a extensão da avenida.
Gabrio se perdia admirando o local multicolorido, chamava a sua atenção os telões enormes presos nos prédios repletos de propagandas, a forma como os bares e restaurantes disputavam clientes com músicas, as pessoas fantasiadas que interagiam com os turistas e os shows de artistas realizados em plena calçada, aquela visão o agradava, era ambiente repleto das mais variadas formas de entretenimento, o esperado da famosa Times Square, uma amostra pura da cidade de Nova York.
O aplicativo bipou no momento que chegaram ao círculo azul, faltavam seis minutos para o início da partida.
— Dark, abra a loja do jogo — mandou Bel, cruzando os braços. Seu humor estava péssimo.
A ruiva detestava centros populosos, ainda mais um lugar como aquele, as luzes intensas ofuscavam sua visão para onde quer que olhasse, os sons em conjunto das pessoas, buzinas e autofalantes se unificava nos seus ouvidos gerando um barulho caótico, era como escutar uma orquestra com todos os instrumentos musicais desafinados, mas todo aquele sofrimento continha um objetivo, precisava mostrar algo para o novato, além disso, círculos nesses locais eram raros.
Gabrio a encarou de sobrancelhas erguidas pela forma que esquecia do “por favor” no final das suas frases, mas fez exatamente o que disse.
LOJA
Pedras Mágicas
Roupas e Acessórios
Armas
Gabrio sentou-se no degrau da escadaria vermelha, muitos ali faziam o mesmo, tirando fotos exageradamente, naquele lugar até a escada era famosa.
— Vamos começar pelo mais inútil. — Inclinou-se para apontar na tela praticamente tocando sua testa na dele. — A não ser que você fique completamente nu depois de uma partida usar essa opção Roupas e Acessórios é desperdício de recursos.
“Ela tem perfume suave...”, pensou ao vê-la falar tão perto a ponto de sentir seu hálito.
— Não vamos falar de armas, você ainda tem um longo caminho...
Parou de falar ao ver que não estava sendo escutada.
— O que foi? — Ela enrugou a testa por estar sendo observava com um olhar fixo. — Tem alguma coisa no meu dente?
Ela afastou-se passando os dedos na boca procurando por algo ali.
— É que... — Gabrio corou e continuou coçando a cabeça envergonhado. — Você tem um hálito de frutas vermelhas.
— Ah... acho que deve ser o sabor do...
Bel não completou a frase e antes de continuar torceu os lábios em um bico.
— Quer prestar atenção! — Bramiu ela, lançando um olhar semicerrado que exibia seu desapontamento. — A loja é uma ferramenta importante!
Inclinou-se novamente forçando a cabeça dele para baixo com as mãos, para que não tirasse os olhos da tela.
— Clica na opção das Pedras.
— Sim, senhora — disse zombando, a fazendo estreitar ainda mais os olhos.
PEDRAS MÁGICAS:
Pedra de transporte: 50 medalhas
Pedra de Saúde (Recuperação 10%): 15 medalhas
Pedra de Restauração (Recuperação 15%): 25 medalhas
Medalhas adquiridas: 65
— Essas são as três pedras do jogo, a de transporte já conhece — o fitou rapidamente para checar sua atenção, continuou. — A Pedra de Saúde tem como finalidade recuperar ferimentos e a Pedra de Restauração server pra energia física ou mística, mas suas taxas recuperação são muito baixas, por isso, é bom saber a hora certa de usar, se não...
— O quê?! — falou alarmado.
— Caso as use e não resolvam o problema... — disse com a expressão mórbida. — Vai ter um fim agonizante.
Gabrio a encarou com os olhos arregalados, o que a fez rir escandalosamente.
“Essa mulher...”, pensou a notá-la se divertido a suas custas.
— Foi mal, não resistir — dizia secando as lágrimas do riso —, como você não era um jogador profissional fica difícil explicar o mal-uso precipitado delas.
Deu um sorriso cordial antes de prosseguir.
— Mas tenho certeza que você vai aprender rápido.
“Que vergonha! Zoando o novato...” Gabrio balançou a cabeça incrédulo por estar sendo discriminado daquela forma.
— Bel, olha aquilo! — Gabrio apontava para o grupo de malabarista que realizavam seus truques na calçada.
A ruiva caminhava ao seu lado ignorando tudo, inclusive ele.
— Dark, se concentra — ralhou ríspida.
— Qual é?! Podíamos, ao menos, tirar uma foto ali.
Bel o observou correr na direção da placa com desenho de sol e lua, era um daqueles painéis fotográficos que se encaixava a cabeça na imagem.
Gabrio se colocou no lugar do sol e a chamou insistentemente com as mãos, a contragosto, a ruiva se encaixou na posição da lua, mas se recusou a sorrir.
— Aqui! Ficou linda! — disse o fotógrafo responsável.
O jovem de óculos redondos depositou a imagem nas mãos dele.
— São quinze dólares — informou.
Gabrio fitou a ruiva, que revirou os olhos enfiando as mãos no bolso e pagando o rapaz.
— Satisfeito?! Agora se concentra! — advertiu ela, observando a figura ridícula.
Com largo sorriso, Gabrio guardou a foto no bolso da calça.
— Como pode ver, a moeda... vamos logo! — Bel o puxava pela blusa, toda vez que ele parava para admirar algo no local. — A moeda desse jogo são as medalhas.
— E como ganho isso?
— Quanto melhor sua colocação nas partidas, mais medalhas ganha.
— Hum... entendi. Caramba! Até nesse jogo dinheiro é importante — protestou indignado.
— Mais ou menos. Vamos, tá na hora — falou Bel, clicando no “sim” da partida.
Ele imitou seu gesto e a notificação veio em seguida.
Bem-Vindo a Partida!
Chegue até área segura antes do tempo acabar!
Os primeiros 23 jogadores passam para a próxima Etapa!
Os jogadores que concluírem todas as três etapas da corrida vencem!
Não esqueça de olhar para cima!
Tempo restante: 10 mim
Boa Sorte!
— É uma partida de corrida — relatou Bel, sua expressão não era tranquila como das outras vezes.
“Bem... Dark, essa é a sua prova final.” Bel refletia o motivo de escolher aquele local.
A ruiva prendeu os cabelos com o lenço e convocou suas adagas, automaticamente, sua expressão e postura mudaram.
Diversas linhas douradas surgiram no céu, todas convergiam em um ponto distante. Gabrio presumiu que, provavelmente, era indicação da dita área segura.
Scarlet começou a correr na direção da convergência, confirmando sua suspeita.
— Bem... o treinamento de hoje vai servir pra alguma coisa — alfinetou ele, seguindo a ruiva. Afinal, correr foi o que mais fez no dia.
Ela apenas o fuzilou com os olhos.
— O lado bom... parece que o lugar não vai ser completamente destruído — sugeriu ele, contente. Na sua mente, uma corrida não parecia ter fundamentos para demolição do ambiente.
Scarlet parou de correr.
— O que foi? — perguntou ele, diante da expressão irritada dela.
— Dark... — sua voz demonstrava impaciência. — Não se apegue aos locais dos jogos.
— Mas...
— Não se esqueça de olhar para cima... — alegou ela, apontando para alto.
A noite naquele lugar era só um detalhe, mesmo com o céu escuro a claridade impedia qualquer visão das estrelas, era tão iluminado quanto o dia. No entanto, partindo as nuvens, as enormes bolas de fogo desciam competindo com o clarão abaixo.
Se tratando de um dos maiores centros turísticos do mundo, as linhas douradas tiveram olhares singelos do que pensavam ser apenas mais uma propaganda caríssima e bem elaborada. Em contrapartida, a chuva de meteoros os paralisou céticos, só acreditaram quando os primeiros prédios foram atingidos e começaram a tombar em chamas.
Naquela região, a cidade que nunca dorme conheceria o terror de uma verdadeira noite de insônia.