Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 12: Combustão

Os estilhaços de vidro se espalhavam pelo chão arrastados por passos desesperados, a cada impacto dos meteoritos com as telas de propaganda o local se apagava e, aos poucos, ganhava um brilho incomum.

A famosa Time Square estava repleta de luzes que não eram as costumeiras admiradas por muitos, pelo contrário, essas traziam o desdém do medo, o lugar encandecia em fogo, com chamas que se alastravam sem controle.

— Por ali! — gritou Scarlet, puxando Gabrio pelo capuz da camisa.

O meteorito acertou a lateral da construção derrubando-a violentamente. Gabrio corria observando a imensa estrutura ir ao chão, realmente, era impossível tirar os olhos do céu.

— Dro... dro... droga... — disse ele, ofegante com as mãos no joelho.

A rua estava bloqueada por outro prédio que veio abaixo, criando uma parede enorme de pedra e metal distorcido, a fumaça começava a preencher o ambiente como névoa dificultando a visibilidade.

— Vamos dar a volta — sugeriu ele.

— Não! A zona segura tá logo atrás disso. — Scarlet avaliava uma forma de ultrapassar a barreira. — Vamos escalar.

— Tá louca?! Olha isso! — Gabrio apontava o prédio ainda queimando e desmoronando.

— Te vejo lá em cima — disse presunçosa.

Com agilidade, a ruiva pulava apoiando-se nas fissuras que encontrava entre barras metálicas, Gabrio a seguia tentando imitar seus movimentos, mas era incapaz de acompanhar aquela destreza, Scarlet alcançou o topo em questão de segundos.

“Claro... passar por cima... que ideia!” Refletia ao olha para baixo, algo que se arrependeu rápido, estava alto o suficiente para uma queda mortal.

Como se engatinhasse, Gabrio escalava vagaroso, checando duas ou três vezes o local que segurava antes de entregar sua vida e sem perceber começou uma oração secreta para alguma entidade pedindo proteção.

— Caramba... Como você é lerdo! — reclamou ela, assim que o novato alcançou o topo.

— Desculpa... se eu não tenho a agilidade de um gato — rebateu irônico.

Scarlet arregalou olhos demonstrando certa surpresa com seu comentário.

Ah... que perspicaz — sussurrou ela, entre risos. — Agora, cala a boca! E vamos. Isso aqui é uma corrida... sua tartaruga!

Gabrio rangeu os dentes de raiva e acompanhou os passos dela, aos resmungos. A ruiva andava entre os destroços saltitando de um ponto ao outro, fazia parecer fácil.

— Sério isso?! — protestou ele, observando a descida brusca da estrutura.

Uma queda com cerca de vinte metros, um verdadeiro abismo. Daquela altura era possível notar a região que as linhas douradas se encontravam, a coluna vertical se estendia do ponto de convergência no céu até o chão.

O aplicativo bipou.

Atenção!!!

Área Segura com 17 jogadores

Restam 06 vagas.

Tempo para fim da Etapa 01/03: 03 min

— Não temos muito tempo — relatou ela.

Scarlet segurou o novato pelos ombros com um sorriso malicioso.

— Espera! O que vai fazer?! — perguntou Gabrio, tremia com a possível resposta.

— Te vejo lá em baixo — falou a ruiva, em seguida, o empurrou.

Aaaaaaah!

O grito estridente escapou de forma involuntária, Gabrio esperneou pernas e braços no ar com a sensação que o coração escaparia pela boca, quando percebeu, alcançou o chão em um baque seco.

Gabrio caiu lateralmente no solo e, o mais incrível, que não morreu. Entretanto, sentia o gosto de sangue, além do braço e a perna direita quebrados.

— Sua aterrissagem foi melhor do que esperava — disse Scarlet, abafando o riso com as mãos.

A ruiva também saltou de cima do prédio, mas ao contrário dele, caiu sem nenhum dano, outra vez, fazia parecer fácil.

— Filha da... — xingou perplexo, tentando ficar de pé.

— Uma boa hora para testar a Pedra de Saúde, não acha? — Sugeriu ela, ainda risonha.

Gabrio abriu o aplicativo e clicou na opção, a notificação confirmou sua escolha.

O jogador utilizou 01 Pedra de Saúde.

Custo de 15 medalhas.

O brilho dourado envolveu seu corpo, a sensação era de dormência e formigamento, quando sumiu seus ferimentos se foram.

— Você é maluca! — bramiu ele, assim que reiniciaram a corrida até a zona.

Scarlet não rebateu, apenas o encarou sem o menor receio.

Os dois seguiam as linhas douradas desviando das pessoas, carros e os meteoritos que abalavam o lugar incessantemente.

Em volta da coluna de luz que descia das nuvens havia uma área circular que brilhava na mesma intensidade no chão, demarcando a área segura, assim que entraram nos limites da zona o aplicativo emitiu o sinal que estavam entre os vinte e três vencedores da primeira etapa.

Algo chamava a atenção, o círculo continha centenas de pessoas.

— Não era pra ser só...

Gabrio não precisou terminar a pergunta, as pessoas assustadas tremiam, algumas até choravam.

— É o fim do mundo! — gritava constantemente alguém entre elas, um senhor de meia idade que puxava os próprios cabelos, quase os arrancando, sua expressão beirava a insanidade.

— São pessoas normais... perceberam que os meteoritos não caem aqui — deduziu ele.

Gabrio notou que os prédios não tombavam naquele lugar, os carros descontrolados desviavam e a fumaça não invadia, o caos freava antes daquele círculo.

— Ignora — disse ríspida.

O comando dela era mais fácil na teoria, o pânico tornou-se comunicação do aglomerado. Contudo, havia alguns entre eles calmos, que esbanjavam frieza encarando a tela do celular, não era difícil identificar os jogadores.

O anúncio do último vencedor trouxe o desespero para os que estavam a centímetros do local, vários dos jogadores sobressalentes batiam na parede invisível que não permitia mais que entrassem, posteriormente, seus corpos se desfizeram em uma poeira enegrecida que se juntou ao ar, era o fim da linha para eles.

Gabrio encarou a cena tentando não sentir empatia, mas falhou, algo naquilo o incomodava.

A notificação surgiu.

Etapa 02/03 da Partida!

Chegue até área segura antes do tempo acabar!

Os primeiros 18 jogadores passam para a próxima Etapa!

Dessa vez... Não esqueça de olha para baixo!

Tempo restante: 10 min

Boa Sorte!

As linhas douradas sumiram e os gritos foram eminentes quando o círculo também se foi. De maneira esquisita, houve alguns segundos de silêncio, como se todos ali tivessem prendido o ar antes do mergulho.

Sem aviso, os tremores chegaram.  

O chão sacudia se abrindo em rachaduras sutis, o solo começou a remexer em blocos enormes de terra, semelhante as ondas marinhas subiam e desciam agitados.

— Dark! — gritou Scarlet, impaciente. — Vamos!

A ruiva saltava entre os blocos frenéticos.

Gabrio tentava se equilibrar, mas seus pés deslizavam impossibilitando qualquer ação do tipo.

— Corram! — berrou a mulher, que se abraçava ao meio fio da calçada.

O arranha-céu despencava na direção do local, que perdeu sua condição de segurança. Gabrio acompanhava a estrutura magnânima, praticamente, deitar-se soterrando qualquer coisa abaixo.

O novato possuía pouco tempo para pensar.

“Se o tamanho é o problema...”, pensou ele, estendendo as mãos na direção do prédio de quarenta andares.

 — Redimensionar! — bramiu esperançoso.

Sua ideia acompanhava uma lógica simples, seu redimensionar permitia alterar o tamanho de elementos no seu campo de visão, podendo diminuí-los em cinco vezes seu tamanho original, ou seja, queria transformar o arranha-céu, um monumento beirando cem metros de altura, em algo com aproximadamente vinte metros, torná-lo pequeno em comparação.

Não houve reação, o seu objetivo falhou.

“Espera... ela disse que posso manipular elementos, não é?!” Recordou Gabrio, reescrevendo sua ideia.

O detalhe que Bel enfatizou sobre seus poderes era algo que não havia colocado na sua equação.

“Ferro, plástico e madeira...” Gabrio descrevia os elementos específicos que sabia estarem na composição daquele prédio.

De forma extraordinária, a estrutura começou a reduzir.

Clin!

Seu aplicativo bipou.

O jogador utilizou 20% da Energia Mágica

No entanto, havia um problema prático no seu objetivo, a queda do prédio era mais rápida que sua redução forçada, se continuasse assim ainda seria atingido.

“A velocidade de queda é o produto da gravidade pelo tempo.” Sua mente fez uma simulação rápida. “Merda... não vai dar!”

— Vai! Vai! Diminui seu maldito! — gritou exasperado.

“Elementos... e se...” Um alerta sobre aquela habilidade surgiu na sua mente.

O campo de visão era condição para o gatilho daquele poder, havia a possibilidade de Gabrio tê-la entendido errado, em nenhum momento o aplicativo informava que precisava ver o elemento, mas sim que o mesmo estivesse diante dos seus olhos e, por sorte do destino, o mundo observado por um cientista era preenchido de informações que os leigos não viam, uma visão que dissecava a composição do universo.

“O que é um arranha-céu, se não o domínio do homem sobre os elementos químicos.” Gabrio chegou a uma conclusão, reescreveu novamente sua ideia.   

— Vamos fazer um experimento? — disse ele, pondo em prática sua teoria maluca.

“Polietileno, óxido de ferro, alumina, sílica...” Começou a ser mais detalhista, sua mente identificava com maestria cada elemento presente na construção, como se o prédio conversasse com ele, oferecendo as respostas.

 A reação dos seus poderes foi imediata, a redução acelerou.

Clin! Clin! Clin!

Seu aplicativo bipava enlouquecido.

Ao redor do prédio a energia de cor azulada começou a se manifestar em pequenas centelhas e, no momento seguinte, explodiu em chamas espirais que cercou o arranha-céu, a torre parecia uma gigantesca tocha de um azul intenso.

O aplicativo emitiu mais uma notificação, após isso, silenciou.

O jogador utilizou 100% da Energia Mágica

O jogador utilizou 80% de Energia Física

Gabrio arregalou os olhos observando a queda da estrutura minimizada, seus músculos estavam rígidos, era como se uma corrente elétrica percorresse seu corpo, as chamas azuis de alguma forma impulsionaram seu poder e o prédio diminuiu de maneira absurda.

O impacto da estrutura no solo gerou um tremor seguido da poeira espessa que dominou o ar, cacos de vidro saíram como facas giratórias nas proximidades. Gabrio conseguiu reduzi-lo o suficiente para não ser soterrado, porém, ainda foi atingindo pelos destroços e o vento impulsionado arrastou seu corpo pelo chão, deu vários giros até colidir com a lateral de um carro.

Em seguida, Gabrio desmaiou.

Do instante que teve a primeira ideia, suas reformulações e, por fim, o sucesso na redução do prédio, na cabeça de Gabrio se passaram centenas de simulações envolvendo aquele ambiente, mas para o resto do mundo, foram apenas dois segundos.

***

Scarlet estava boquiaberta.

— Tem noção do fez?! — A voz dela saiu aguda, pasma.

A ruiva estava pronta para salvá-lo, mas não foi preciso. O novato conseguiu algo incrível, aquelas chamas azuis eram a manifestação da sua energia mística e física sendo forçadas aos limites extremos, uma técnica arriscada que os jogadores experientes utilizavam para catalisar o seu poder, chamavam isso de Combustão.

Dark Onyx não respondeu, estava cheio de fraturas e cortes, seu corpo afundou no chassi do automóvel.

“Uma combustão involuntária... onde será que vi isso?!” A mente dela resgatava lembranças, uma sensação boa a preenchia junto com o largo sorriso.

Scarlet o ergueu jogando seu corpo sobre os ombros.

O solo ainda sacudia, mas era forte o suficiente para correr com um peso extra, se equilibrar também não era um problema, só precisava pular em vez de correr.

O aviso do jogo para olhar para baixo estava relacionado com o movimento do solo, se observasse os blocos de terras, era possível notar que se moviam com certa harmonia, subiam e desciam sincronizadas, eram literalmente ondas de pedras. Para os que compreendiam rápido a proposta daquela etapa, bastava seguir a direção que a crista bizarra de areia se projetava e surfar no mar de destroços.

Scarlet conseguiu desviar de todos os obstáculos, foi uma tarefa árdua chegar até a zona segura com o novato nas costas, mas conseguiu.

Novamente o local estava preenchido de pessoas, dezenas de centenas delas, não podia culpá-las, afinal o círculo brilhante era único lugar que não remexia em ondas, os que estavam ali comprovavam que independente da catástrofe o instinto de sobrevivência humano era infalível, mesmo sem noção alguma, aquela raça sempre encontravam uma forma de viver o amanhã.

— Vai dormir até quando? — falou ela, dando pequenos golpes na cabeça dele com a lateral da mão.

— Aí! Isso dói! — reclamou Gabrio, ao desperta com a respiração pesada.

Não precisou de muito para saber onde estava.

— Como... — iria fazer uma pergunta, mas a resposta estava diante dos seus olhos.

Para variar, a ruiva salvou sua pele de novo.

— Obrigado — agradeceu tímido.

— Não agradeça ainda, o jogo não acabou — retrucou séria.

Gabrio levantou sentindo algo estranho, um vazio no estômago que se assemelhava a fome, porém mais intenso.

— Você zerou sua energia mágica e sua energia física chegou no limite — informava ela. —  O que fez foi muito imprudente.

— Bem... eu... não faço ideia do que fiz — alegou confuso.

Scarlet puxou-o pela gola da camisa, o encarou direto nos olhos.

— Sério?! Em vez de escolher qualquer outra coisa, decidiu fazer algo como compactar uma bola de basquete em uma ervilha, isso foi loucura! — constatou irritada.

— É falando assim... pareceu uma ideia idiota.

— Dark, a capacidade dos seus poderes depende do seu nível, se quiser fazer loucuras...

A ruiva o soltou em um empurrão leve e virou o rosto para que não percebesse sua expressão alegre, incompatível com seu sermão.

— Fique mais forte — finalizou ela, mais calma e ainda de costas.

Gabrio não tinha como saber, mas por dentro a ruiva estava orgulhosa.

— Ok... vou tomar mais cuidado.

O aplicativo bipou anunciando o fim da segunda etapa, com isso, a última parte daquele jogo seria anunciada.

***

Se a jogadora, Scarlet Moom, pudesse prever o que estaria por vir, sem dúvidas, teria desistido daquela partida ali, pois foi naquele lugar que cometeu seu primeiro erro após anos seguindo uma estratégia perfeita.

Não havia espaços para arrependimentos.



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