Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 13: Lembranças

As pessoas observavam as ruínas sem acreditar nos próprios olhos, o chão finalmente parou de mover em ondas, mas a gloriosa Times Square, o palco da alegria dos turistas, agora era uma mistura de destroços e cinzas, o que não estava caído queimava.

O aplicativo bipou.

Etapa 03/03 da Partida!

Chegue até área segura antes do tempo acabar!

Os primeiros 10 jogadores passam para a próxima Etapa!

E... Não esqueça de olha para o Lado!

Tempo restante: 20 min

Boa Sorte!

“O que será dessa vez?” Gabrio encarou a tela do aparelho apreensivo.

O círculo da área segura desapareceu quando o aplicativo emitiu o sinal da nova etapa, porém o silêncio do lugar era inquietante.

— Dark... — chamou Scarlet, quase em sussurro. — Abaixa.

O comando da ruiva foi sutil, mas Gabrio não pensou duas vezes, dobrou os joelhos tocando as mãos no chão, por cima da sua cabeça, a lança brilhante passou rápido deixando um rastro dourado no ar, um segundo de atraso e estaria com ela cravada entre os olhos.

Scarlet rebateu a arma com as adagas, a lança dourada era feita de pura energia explodiu em contato com o solo, o estopim do alvoroço, foi como agitar um formigueiro, as pessoas começaram a correr atropelando uma as outras.

— Dark Onyx — disse ela, o encarando de cima a baixo. — Dessa vez, não se distraia.

Gabrio devolveu um olhar confuso, que foi ignorado.

A ruiva correu esticando os braços, pulou e chutou o ar em um giro, seu movimento desviou outra lança dourada, o jogador responsável era um garoto magro e cabelos escuros, suas roupas largas o confundiam com um daqueles cantores de Hip-Hop. Sem pestanejar, Scarlet correu na sua direção.

— Espera! O que significa...

A mão forte alcançou o queixo de Gabrio em um soco certeiro que impulsionou seu corpo alguns metros para frente. O golpe impediu que terminasse sua pergunta, contudo, não havia mais sentido em fazê-la, a resposta estava acompanhada com o caminhar do seu agressor.

“Olhar para o lado significa prestar atenção nos que estão próximos...”, pensou ele, finalmente desvendando a dica do jogo. “Ou seja, o desafio agora são os outros jogadores.”

Gabrio olhou em volta rapidamente, o lugar se tornou uma arena de batalha, vários conflitos começaram confirmando sua hipótese.

Seu oponente era alto, a pele branca reluzia na cabeça raspada, os músculos do seu corpo eram desproporcionais, os braços e o tronco eram largos, estufavam a camisa alaranjada ao ponto de quase rasgá-la, por outro lado, usava uma bermuda curta que exibia suas pernas finas, isso lhe dava características que o assemelhavam ao formato de um homem-sorvete.

O nariz pontudo e lábios finos montavam a expressão de alguém incomodado por não ter finalizado tudo com um único golpe.

— Ei! Desgraçado... isso doeu — reclamou Gabrio.

O jogador apresentou um sorriso selvagem e investiu na direção dele. Desajeitado, Gabrio desviou do primeiro movimento, o soco cruzado do careca acertou o vazio, em seguida, conseguiu evitar o chute que mirava suas pernas.

O homem-sorvete estava com pressa para terminar o embate, seus movimentos eram apressados, Gabrio percebeu isso, aproveitou-se da abertura para devolver o soco que recebeu, retribuindo com o mesmo golpe no queixo.

— Ai! Ai! — choramingou Gabrio, pulando enquanto segurava o punho, possivelmente, com os dedos quebrados.

Foi como bater em uma parede de metal.

— Fraco demais... — disse o jogador, sua cabeça virou levemente para o lado com a mínima força.

O careca desferiu outro soco feroz, dessa vez, na barriga de Gabrio.

A intensidade do golpe levantou-o do chão, suas costelas foram quebradas. Com ele ainda no ar, girou acertando um chute que o atingiu no ombro, mais um osso quebrado.

Gabrio sentiu o gosto de sangue, algo que estava se acostumando atualmente. Seu corpo rolou no chão até parar de frente para o solo, tentou erguer-se, mas foi impedido, o careca musculoso pisou em sua cabeça o fazendo beijar o chão novamente.

— Morre! — gritou ele, pisando com força. — Morre! Morre! Morre!

Pisou! Pisou! Pisou!

O sangue começou a espalhar, sendo esguichado a cada golpe sujando aquelas pernas finas. Com os impactos, a cabeça de Gabrio começou a afundar no chão, os sentidos iam esvaindo aos poucos.

Pisou! Pisou! Pisou!

A visão dele escurecia, como se a luz distanciasse cada vez mais, o abandonando.

***

— Você é patético! Um idiota! Nunca leva nada a sério. — Aquela era a voz do seu pai o xingando, impossível não reconhecer.

Pisou! Pisou! Pisou!

Mas... o que era aquilo? Uma lembrança? Naquele momento? Se não fizesse algo ia morrer, péssima hora para um flashback.

Pisou! Pisou! Pisou!

— Fica aí fingindo que tá tudo bem, olha como você vive! Que buraco é esse?! — cada palavra estava repleta de repulsa.

Sim, era uma lembrança, foi da única vez que o visitou. Conseguia ver aquele velho de costas diante da janela, cuspindo reclamações, que estranho, não conseguia ver seu rosto, ou melhor, nem lembrava mais como era.

— Abandonou a firma... pra isso?! — apontou mais uma vez local.

Pisou! Pisou! Pisou!

— Como consegue se tornar o único gênio capaz de ser medíocre até na profissão que, segundo sua mãe, é a que mais combina com você. — A voz dele saiu aguda, desdenhosa.

Pisou! Pisou! Pisou!

Seu pai abriu a porta, se preparando para sair, diante do silêncio.

— Patético... Não disse que ia ser o melhor? Se não quiser fazer isso por mim, pelo menos, faça por ela. — Aquelas foram as últimas palavras que escutou de Leonard Wisley, antes da notícia da sua morte.

Era o fim da lembrança.

***

 — Morre! Morre! Morre! — O careca parou de pisar, exausto.

O corpo no chão parou de reagir.

Leônidas pertencia a classe de Lutador com a habilidade de Detecção de Nível, seu coração se encheu de felicidade quando avistou alguém tão inferior perambulando em um círculo azul, com seu poder sabia exatamente quando atacar ou correr.

“Confesso que fiquei preocupado”, pensou o careca, assim que seu primeiro soco não o nocauteou.

Leônidas o deixou de lado, havia outras lutas se encerrando, com seu faro para jogadores fracos tinha que garantir a vitória, precisava encontrá-los antes que só restassem os Expert’s, aqueles que quebram a balança da lógica.

— Cala a boca... — murmurou o garoto chão.

— Como pode tá vivo? —  rebateu Leônidas, surpreso. — Vou ter que bater mais forte.

O jogador que foi surrado se ergueu, lentamente. Em meio aquele rosto ensanguentado havia um olhar sombrio que fez as pernas finas de Leônidas tremerem, olhos negros que o encaravam impiedosos.

— Eu disse... cala boca! — gritou ele, furioso.

Leônidas deu alguns passos para trás, mas no fim, decidiu apostar na vitória daquele combate, foi para cima do jogador.

***

A energia mística de Gabrio manifestou-se novamente ao redor do seu corpo em espirais de fogo azul. Com força, cravou os dedos no chão, seus braços foram assumindo a tonalidade enegrecida do asfalto, aquele era seu Efeito Inato Possessão, permitia que assumissem qualquer elemento que estivesse em suas mãos.

O careca tentou golpear rapidamente juntando as palmas e descendo sobre a crânio fraturado dele, mas foi bloqueado, Gabrio levantou o braço segurando o golpe.

— Não se atreva a falar dela! — bramiu ele, na direção do careca.

— Dela...? — A expressão confusa de Leônidas se mesclava com a de assustado, colocou toda sua força naquilo.

Gabrio movimentou a outra mão arrastando-a no solo, por conveniência, também podia manipular o elemento que segurasse.

Como se puxasse um tapete, o chão se remexeu, Gabrio tentou imitar o movimento do chão da etapa anterior, funcionou.  

Os pés do seu oponente deslizaram fazendo cair. Em seguida, o asfalto o envolveu cobrindo suas pernas e braços perdendo o careca no chão.

— A culpa dela não tá aqui é sua! — esbravejou Gabrio, socando com força o rosto do careca.

— Você que dirigia aquela droga!

Os respingos de sangue intensificavam-se a cada golpe, o liquido viscoso começava a se misturar com o que escorria do rosto de Gabrio, era indistinguível saber qual o seu ou o dele.

— Era pra ser você! Peça perdão... desgraçado! — A voz de Gabrio estava rouca, saia forçada com o cansaço.

O careca musculoso podia ter duas conclusões naquela situação, a primeira que seu oponente era o que mais temia, um Expert. A segunda, que ele era completamente louco, o tipo mais perigoso de jogador.

— Per... per... perdão... — Leônidas repetia as palavras em vão há alguns segundos.

A visão turva de Gabrio foi esclarecendo, havia alguém em baixo dele com o rosto deformado, o nariz do careca quase não existia mais, era inidentificável.

— O que eu... — Gabrio esfregou os olhos, emergindo do seu transe psicológico.

— Já acabou? — perguntou Scarlet.

A ruiva estava parada ao seu lado, de braços cruzados, sua expressão não continha julgamento, pelo contrário, estava vazia.

Gabrio olhou ao redor novamente, só havia os três no local.

— Vamos, precisamos achar a área segura. — disse ela, apática.  — Restam sete minutos.

— Eu matei... — Gabrio encarou o desfigurado no chão.

— Não, ele desmaiou. — Scarlet virou de costas. — Vamos!

Gabrio levantou, seu corpo inteiro estava dolorido, deu alguns passos, mas retornou até o careca.

— Se ele ficar aqui, vai morrer — disse ele.

Gabrio ergueu seu corpo, o colocando sobre os ombros, ao contrário do que achou, não era tão pesado. Isso era uma consequência da sua Possessão, com os seus braços assumindo a propriedade do elemento, sua força e resistência também eram amplificadas.

— Tá de brincadeira?! — a voz dela saiu irritada e pasma, sinceramente, mais irritada. — Ah... faz o que o você quiser, mas se me atrasar... te deixo pra trás.

O olhar penetrante não deixava dúvidas da veracidade daquelas palavras.

Gabrio apenas assentiu.

***

Scarlet buscava se orientar no meio daquela confusão, era difícil se concentrar, mas conseguia escutar o necessário.

“Graças à Deus, eu juro que... Se sair dessa prometo que vou mudar... Obrigado, pai de hoje em diante...” Aquelas eram as vozes dos que agradeciam por estarem seguros.

Nas outras duas etapas, a zona segura do jogo sempre estava abarrotada de civis, ou seja, para encontrá-la bastava procurar pessoas que proclamariam promessas vagas diante da esperança de salvação, um comportamento humano que a ruiva desprezava, se lembrar de um ser superior apenas quando convém.

— Por ali — disse ela, apontando a direção.

Gabrio estava dez passos atrás tentando acompanhar, a careca permanecia desmaiado sobre seus ombros.

— Não... fez de propósito — resmungou o novato, ao ver outro prédio bloqueando o caminho. — Escolheu essa direção sabendo disso, né?!

— Vamos ter que passar por cima. — Ela exibia um sorriso cínico, não negou a acusação.

— Boa sorte... carregando isso aí. — disse abafando o riso.

— Bel, espera!

O Chamado dele interrompeu o início da sua escalada.

— Esse prédio não é tão grande. — Gabrio caminhou na direção dos escombros.

A construção possuía cerca de doze metros de altura, era comparável a um muro penitenciário.

O novato colocou uma das mãos sobre os escombros e a construção demolida começou sacudir, posteriormente, as rachaduras nas paredes se abriram.

Gabrio ia dividindo o prédio ao meio gerando um caminho largo o suficiente para que passassem.

— Parabéns! — Scarlet bateu palmas. — Parece que tá deixando de ser Noob!

— O que é um Noob? — Ele não sabia se aquilo era uma ofensa.

— Ah... Retiro o que eu disse. — A expressão dela foi de zombeteira para decepcionada em um pisca de olhos.

Gabrio estreitou os olhos, agora tinha certeza que era uma ofensa.

— Vamos, esse jogo já me entediou. — Scarlet entrou no caminho feito por ele.

Gabrio deu dois passos, mas foi bloqueado, as mãos delicadas seguraram seu braço o puxando para trás.

— Ei! Ei! Me ajuda?! Por favor! Me ajuda?!— gritava aos prantos a mulher, responsável por impedi-lo de seguir em frente.

Com força, a mulher abraçava-se ao braço esquerdo dele. Ela estava suja de fuligem, parecia ter saído de uma mina de carvão, seus cabelos loiros eram quase irreconhecíveis, os aspectos físicos eram de uma senhora que aparentava ter idade para ser sua mãe.

— Me ajuda?! Eu vi o que fez com o prédio... — disse ela, as lagrimas no seu rosto eram aparentes abrindo fendas na sujeira. —  Não sei que loucura é essa, mas se você é capaz de abrir caminhos, me ajuda a salvar meu filho.

— Eu... — Gabrio não sabia o que responder.

— Vamos! — gritou Scarlet, impaciente.

— Por favor! Por favor! — a mulher caiu de joelhos, repetindo sem parar seu pedido.

Gabrio deixou o corpo desacordado do careca no chão.

— Bel, eu...

— Nem pensar! — ralhou a ruiva. — Que merda... Gabrio! Você sabe que tipo de jogo é esse?! Isso aqui é uma corrida! Não podemos parar.

— Onde está seu filho? — Gabrio a ignorou, ajudando a mulher a se levantar.

— Ele... ali. Naqu... pre.... — O choro dela se intensificou, não conseguia falar com clareza.

— O que pensa que tá fazendo? — Bel o segurou pelo ombro. — Isso aqui é...

— Eu sei o que isso aqui é! — rebateu ele, batendo na sua mão.

— Não! Não sabe. — Scarlet o puxou pela gola da camisa.

Os olhos cheios de fúria dela encaravam outros repletos de determinação.

— Sabe o porquê que te trouxe aqui?! — Bramiu a ruiva, rangendo os dentes. — Pra mostrar pra isso!

Scarlet apontou o local dos prédios caídos, carros revirados e em chamas, das ruas entupidas de caos, se observasse com atenção, sempre haviam corpos ao redor, centenas ou milhares de pessoas mortas pavimentavam a destruição.

— Estamos no Rei dos Melhores! — vociferou Scarlet, puxando com mais força sua camisa, suas testas praticamente coloram uma na outra. — O que acontece com o cenário, com aqueles que não são competidores, tudo que não envolver a vitória... não é problema nosso!

— Me solta — exigiu Gabrio, calmamente.

— Olha quantas pessoas já morreram? O que adianta salvar uma? — Ela largou a camisa dele, mas suas mãos ainda tremiam de raiva.

Gabrio virou de costas, seguiu na direção da senhora em prantos.

— Se não adianta salvar uma... porque me salvou? — perguntou por cima dos ombros.

Aquelas palavras acertaram como um soco, um choque que desmontou completamente a fúria da ruiva. Por mais que pensasse em um argumento, não conseguia rebater aquilo, nem mesmo ela sabia o motivo de salvá-lo naquele trem.

“Desculpa... mas não posso permitir que faça isso.” Scarlet esticou as adagas, nocautear Gabrio seria fácil, o ruim seria contornar a revolta dele depois, mas ele entenderia seus motivos.

A ruiva caminhou na direção dele, precisava de um único golpe, não podia deixá-lo se matar assim.

—  Meu filho nem pode correr pra se salvar — informava a mulher começando a engolir o choro —, perdeu o movimento das pernas recentemente.

Scarlet fechou os punhos e mirou a cabeça dele, mas seu corpo travou, aquelas palavras a congelaram até na alma.



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