Volume 1
Capítulo 45: Através do Medo
O corredor era longo, porém, não o suficiente, Nordlys gostaria muito que o caminho nunca acabasse.
“Por que eu?! Por que eu?!”, reclamava, em pensamento, a cada passo dado na direção da porta, local onde estava uma líder impaciente e faminta.
— Onde tá você, chefinho?! — murmurou ela, inconformada. Nas suas mãos equilibrava uma bandeja prateada, o prato estava coberto por um cloche, a típica tampa de aço reluzente em formato de sino, comumente utilizada em restaurantes chiques.
Com a ausência do Phil Hunter, a missão de fazer e servir as refeições da Marionetista ficou a seu cargo, algo que ninguém queria. Portanto, claramente aproveitaram-se da sua fragilidade emocional.
Nordlys fugia de qualquer conflito, existia um abismo entre ela e a capacidade de impor-se contra seus companheiros, se é que podia chamá-los assim.
— S-senhora?! O-o ja-jantar che-chegou — gaguejou, nervosa.
A porta abriu lentamente.
No quarto rosa, Halley estava sentada ao redor da pequena mesa de duas cadeiras, o chão do local estava repleto de bonecas de pano. Contudo, havia uma delas em cima do móvel.
A boneca com roupas pretas e cabelos vermelhos estava posicionada de frente para a líder.
— Finalmente! — disse Halley, encarando a boneca, como se o objeto fizesse o mesmo.
Com todo o cuidado possível, Nordlys colocou a bandeja lentamente na mesa, errar na linha de chegada seria o fim.
— Perdão, minha senhora, mas com a ausência do vice-líder, demorou um pouco para entender... a le... é... as... receitas — reformulou o final da frase, o real motivo era a letra de Phil Hunter, sua caligrafia era horrível, mas ficou com medo de parecer um insulto.
Halley retirou o cloche de cima do prato.
— Hum... — O cheiro lhe agradou.
— Espaguete ao molho de ervas — apresentou Nordlys.
Com giros suaves do garfo, a Marionetista levou o macarrão a boca. Uma cena que, na visão da garota, foi uma ação em câmera lenta. Há tempos ouviu a história do último que serviu uma refeição que não agradou, coisas como gritos de desespero e clamor pela morte faziam parte do conto.
— É... longe de ser como a de Phil... — parou para observar a menina, vermelha como um tomate, completou. — Mas até que tá bom.
A expressão alegre de Halley era o sinal que acertou.
— Ah... graças... Deus... — falou Nordlys, pausadamente, com o ar que prendia, ficou à beira de um ataque cardíaco.
Halley encarou novamente a boneca, representação clara da Scarlet Moon.
— Sabe... era minha preferida — alegou ela, percebendo o olhar curioso. — Ainda não consegui jogá-la fora.
— Ah... bem... é... — Nordlys tentou montar uma frase, mas desistiu.
De súbito, os olhos castanhos da líder se voltaram para a direção da garota e, para seu terror, o sorriso dela sumiu.
— Quanta ousadia! — bramiu Halley, furiosa.
Com o susto, Nordlys deu um salto para trás, suas pernas tremeram
— Perdão, senhora... eu...
— É melhor ter um bom motivo pra tá aqui! — vociferou a líder. — Caso contrário... vou te partir em pedaços!
— Perdão! Perdão! Perdão! — implorou ela, as lágrimas vieram no automático.
— Cala a boca, Nordlys! — mandou Halley. — Não tô falando com você!
— Quê?!
— Tô falando com essa idiota escondida na sua sombra — explicou.
A sombra de Nordlys trepidou, em seguida, a massa negra saiu e aglomerou-se no canto do quarto.
— Não podia esperar menos da líder dos Vikings! — saudou a voz feminina.
A figura desforme tomou a consistência e, aos poucos, a jogadora oculta emergiu. Seu corpo estava coberto pela túnica branca que se estendia até os pés, além disso, o capuz que cobria a cabeça deixava poucas mechas dos cabelos loiros de fora.
Sua máscara dourada cobria o rosto, completamente lisa, sem desenhos de olhos ou boca, sua estatura era baixa e, pela folga larga da roupa, também era magra, seus dedos brancos e esguios comprovavam isso, única parte da pele visível.
Nordlys se posicionou na frente da líder, como um escudo.
— Pra trás! — mandou ela, esticando as duas mãos na direção da invasora, a névoa azulada envolveu suas mãos.
Por mais incrível, o medo desapareceu, proteger a Marionetista era prioridade máxima, independente do perigo ou de custar a própria vida.
— Oh! Temos um brinquedo dos bons aqui! — alegou a invasora, fingindo estar impressionada.
A ponta da lâmina parou um centímetro do olho de Nordlys, sequer viu quando foi lançada. Por sorte, a pequena mão de Halley segurou a arma pelo cabo, impedindo de acertá-la, sua líder a salvou.
— Baixe as mãos, agora! — mandou Halley. — Ela não é alguém que possa lidar.
— Si-sim, senhora... — Nordlys piscava, confusa.
A líder encarou com seriedade a visitante.
— Como entrou aqui?! — perguntou ela, irritada.
— Nossa... assim você me magoa! — retrucou, fingindo tristeza no tom. — Eu já fui desse clã, esqueceu?!
— Lembro que foi banida! Traidora! — vociferou Halley.
— Caramba... tão rancorosos! Como é mesmo... o lema... — falou ela, levando a mão ao queixo, tentando lembrar de algo. — Ah! Claro... Vikings! Em busca da...
— Não ouse! — interrompeu Halley, batendo o pé no chão.
O lugar inteiro estremeceu.
— Dez segundos... — informou a líder, na direção da invasora. — É o que você tem antes de te matar.
— Hihi... calminha! Poxa! Hihi... vocês são tão exaltados nesse clã! — alegou ela, entre risos, balançando o corpo de um lado para o outro. — Vim em nome da Oráculo.
— O que Rose quer comigo?! — rebateu Halley.
De modo respeitoso, a garota se curvou.
— A Illuminati parabeniza a todos pela eliminação da obscuridade... Scarlet Moon! — proclamou, em alto tom.
— Uau! Muito obrigada! Meus dias serão melhores de agora em diante! — zombou Halley. — Agora... seu tempo acabou!
A Marionetista deu um passo.
— Espera! Espera! O principal motivo de arriscar meu pescoço é outro! — informou, rapidamente.
O silêncio dela era sua deixa.
— Nós localizamos mais duas ameaças! — revelou ela, alegre. — Solaris e Zero! Mais dois soldados da conspiração! Conhece bem?! Né?!
Halley continuou inexpressiva.
— Aliás, já eliminamos um deles! — continuou, vibrante. — Solaris já era!
— Ah! Claro... mataram o Senhor das Estrelas! — retrucou, cética. — Duvido muito! Logo... vocês?!
— Somos um clã de Psíquicos! É normal conhecermos táticas para neutralizar um — justificou ela.
A garotinha segurou o riso.
— Se fosse a presunçosa da Zero... mas... Solaris?! — continuou, preenchida com deboche. — É muito pra vocês.
— Só vim dá o recado, acredite se quiser! — esbravejou, caindo na provocação.
— Se veio só pra isso, dê meia volta! — mandou Halley.
A garota encapuzada retirou o celular e clicou na tela.
— Não deviam zombar de nós... ficam por aí dizendo que eliminaram... a Rainha Demônio! — deu ênfase no final. — Logo... vocês?!
Halley suspirou, em seguida, exibiu um largo sorriso.
— Isso fica comigo! Pra compensar sua insolência de invadir esse lugar e atacar um dos meus soldados — informou a Marionetista.
Na direção da invasora, a líder dos Vikings segurou com a ponta dos dedos o que seria uma mão decepada, reconheceu aqueles dedos esguios. De imediato, a encapuzada levantou os braços, seu punho esquerdo esguichava sangue.
Halley arrancou a mão dela, tão rápido que nem sentiu o corte.
— Aaaah! A filha da...
A pedra de transporte levou a invasora, com gritos histéricos.
Nordlys acompanhou a cena, boquiaberta, fingiu estar invisível durante toda a conversa.
— Pega! — disse a líder, jogando a mão cortada na sua direção.
A garota pegou, segurando o vômito.
— Minha, senhora... me perdoe... não detectei ela...
— Relaxa! Poucos aqui conseguiriam — confortou ela, com seu tom infantil.
Nordlys sorriu, imaginou os piores castigos por cometer aquele vacilo, pelo visto, estava com sorte.
— Não conte a ninguém que ela esteve aqui — mandou ela.
— Sim, senhora.
— E... me traga a sobremesa! Preciso de algo doce pra relaxar.
Nordlys arregalou os olhos, sua pele avermelhou novamente.
— So-so-sobremesa?! — gaguejou.
Halley lhe lançou um aviso, a expressão alegre se foi.
— Perdão...
As lágrimas de Nordlys vieram, sua sorte acabou.
***
Tum! Tum!
O coração bateu tão forte que sentiu no peito.
— Fica no chão! — implorou, a voz feminina, aos berros.
Gabrio levantou e abriu os braços, atrás dele, a garota acorrentada permanecia perplexa, não admitia ser protegida por um novato.
— Não vão passar daqui! — bramiu ele.
O jogador de túnica branca caminhou na sua direção, possuía cerca de dois metros, braços grandes e com músculos fora do comum.
Gabrio parecia um anão diante dele.
— O próximo golpe... será o último! — alertou seu oponente, com a voz abafada pela máscara dourada. — Saia!
— Eu cansei de vocês... — murmurou Gabrio. — Meu último aviso... deixa ela em paz!
As gargalhadas dos que observavam preencheu o local.
— Há! Há! Seu merdinha! — Aos risos, o musculoso preparou seu soco.
O ar destorceu ao redor do seu punho. Porém, não houve tempo para finalizar o golpe. Cortando o céu, o raio negro desceu sobre a cabeça de Gabrio.
A explosão afastou seu oponente.
Os cabelos arrepiados, a pele com pequenas centelhas elétricas, além disso, os olhos completamente pretos da íris até a retina.
— O que é isso?! — esbravejou, um dos mascarados.
— Bem... como posso dizer... — disse Gabrio, sua voz saia grave, quase um grunhido feroz.
Ele ergueu a espada negra para o alto.
— Shazam! — proferiu ele.
Em um golpe rápido, passou pelo musculoso, movimentando sua lâmina.
A cabeça do seu oponente descolou, na mesma medida que as bocas dos que estavam ao redor se abriam, era difícil acreditar.
O medo surgia, após um largo sorriso.