Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 40: EURECA

A sala repleta de papeis em pilhas separadas, provavelmente, por grau de importância, eram uma clara simbologia que o dono da mesa gostava de organização, a cadeira estufada, tipicamente presidencial, dava requinte ao lugar para que entendessem da sua ideia de bom gosto e as paredes com livros de vários idiomas diferentes representavam o apelo para notarem sua intelectualidade.

Gabrio revirava os olhos observando a sala do diretor geral, o homem tinha um marketing de si mesmo em cada canto do lugar.

— Desculpe a demora, Dr. Wisley, hoje o dia está um caos — disse o diretor, ao se jogar na sua cadeira confortável.

Alexander Valdine era o responsável do Centro de Pesquisa de Eventos Climáticos, por consequência, diretor daquele departamento de investigação financiado pela NASA. Um homem jovem, cabelos lisos, penteados lateralmente e fixos com auxílio de gel, o nariz pontudo chamava atenção de tão fino, o corpo sempre com roupas formais, nunca sem o terno italiano e gravata de seda.

 — Tudo bem, tô sem pressa — relatou Gabrio, desanimado. — Pra qual país sem graça vai me mandar dessa vez?

— Bem... sobre isso...

Alexander tamborilou os dedos na mesa.

— Dr. Wisley...

— Valdi! Pelo amor de Deus! Pra quê essa formalidade toda! — bramiu Gabrio. — Nós estudamos juntos, trabalhamos por anos no mesmo laboratório.

— É diferente agora — justificava arrumando o nó da gravata —, atualmente sou o diretor daqui e...

— Nossa! Grande coisa... — desdenhou Gabrio. — Isso aqui era pra ser um passa tempo, até eles reativarem nossa pesquisa de verdade.

— Viu! Você não dá valor... — rebateu Alexander. — Nossa pesquisa?! Isso nunca existiu! Sempre foi só você em busca de uma loucura... arrastando os outros para projetos sem sentido.

— Descobrir a origem da vida e de todo universo é sem sentido?! — protestou Gabrio.

Alexander Valdine suspirou, levantou da sua cadeira, vislumbrando a visão da sua janela, um jardim impecável.

— Dr. Wisley... — puxou o ar antes de continuar. — Você está demitido!

— Ah! Qual é?! De novo essa história... — brincou Gabrio, segurando o riso.

Alexander virou para encará-lo.

— Infelizmente... dessa vez é sério — disse ele, mantendo o tom firme. — O laboratório está sofrendo cortes no orçamento, e você é um deles.

— Valdi, espera aí! Sabe que o Dr. Harrisson jamais...

 — O Dr. Harrisson morreu! — destacou Alexander. — Ele enfartou faz um mês, lembra?!

— É... e vocês nem deixaram o corpo dele esfriar pra se livrar de mim — alfinetou Gabrio.

— Nosso mentor salvava sua pele, inclusive te obrigou a estar aqui para que não fosse expulso, só que...

Seu antigo amigo lhe lançou aquele olhar, o mesmo do dia que foram escorraçados do laboratório central da NASA, uma mistura de raiva e selvageria, muitos tremiam diante daqueles olhos escuros irritados.

— Você é alguém genial, o mais inteligente com quem já trabalhei — explicava enquanto organizava os papéis burocráticos na mesa —, porém não precisamos de um gênio nesse centro de pesquisa, mas sim de pessoas que acreditem no nosso projeto, algo que você não é.

 Gabrio levantou da cadeira, em silêncio, seguindo a direção da porta.

— O que vocês procuram não faz sentido! Os registros... cada anomalia... parece que tem uma interferência sobrenatural — relatou Gabrio, antes de sair. — Isso sim, é perca de tempo! Acho que...

— Você não acha nada! Isso não é mais problema seu! — retrucou o diretor.

O cientista demitido saiu, batendo a porta com força.

Alexander Valdine encarou a vista da sua janela, mais uma vez observando as flores do jardim, enraizadas naquele local, uma beleza presa ao chão que só servia para agradar os olhos de poucos, a cena era o contrário do seu antigo amigo.

No fundo sabia, Gabrio Wisley não deveria ser notado por dois ou três, ficar preso naquele lugar era um desperdício de talento, apenas aqueles que perderam toda perspectiva de vida deviam murchar ali.

O sorriso foi surgindo no rosto do cientista, o que fez foi um favor para a humanidade.

— Sucesso, meu camarada! — proclamou ele, ao vazio da sala.

Um dia, mesmo que não soubesse, Gabrio Wisley seria essencial para mudar o mundo.

***

Aquele clima repleto de gelo era comum em pleno âmbito canadense, na cidade majestosa de Toronto, turistas de todo mundo apreciavam as montanhas nevadas em pistas de esqui, lagos congelados ficavam perfeitos para patinação e as chaleiras nos bosques tornavam-se centros de meditação.

Uns viam apenas gelo cair do céu, outros enxergavam uma oportunidade. Entretanto, Gabrio Wisley notava algo, diferente de todos, respostas que nunca esperou ter.

Clin!

— Não! Não tinha círculo aqui! — gritou ele, inconformado com o aplicativo.

— Menino... o que aconteceu? — perguntou Anna, levando a mão ao peito, a atitude exagerada dele lhe assustava.

“Espera... essa mensagem... o que quer dizer?!”, pensou ele, relendo sua notificação.

Atenção!

Não houve Campeões!

O jogo vai recomeçar no local!

Deseja participar?!

Sim ou Não

“Sem campeões... recomeçar...” Gabrio focava nos detalhes.

— Anna, sobre o incêndio, me fala mais dele — pediu Gabrio, controlando o nervosismo.

— Ah... bem... foi um vazamento de gás... o orfanato inteiro pegou fogo... tive que...

— Acionar o seguro, comprar uma outra casa, mas pelas crianças escolheu um lugar próximo do antigo orfanato devido a escola delas, locais de lazer e amigos na região — deduziu Gabrio.

Anna arregalou os olhos, boquiaberta.

— Sim... não podia ir para um lugar longe...

Gabrio correu até a janela, observando os flocos caírem no chão.

— Preciso de um favor — disse ele, coçando a cabeça.

— E o que seria?

— Preciso de qualquer aparelho conectado à internet — falava balançando seu celular de um lado para outro. — Essa coisa aqui não conecta.

— Ah... claro...

Anna não entendeu muito, mas entregou seu celular nas mãos dele.

Gabrio deu cliques rápidos, precisava das previsões climáticas dos últimos dias.

“Sério?! Os idiotas ainda usam a mesma senha do acesso remoto”, pensou ele, ao invadir o sistema do instituto de pesquisas climáticas.

— No dia que te conheci estava frio, mas não lembro de neve... — informou Gabrio, deixando a idosa cada vez mais confusa.

— No dia que me conheceu?! Do que tá falando, menino?!

— Quando chegou no orfanato, já tinha neve? — indagou ele, ignorando a pergunta dela.

 A idosa parou um momento para pensar.

— Claro que sim! Menino, tá nevando todo dia, é inverno!

— O lugar que trabalhei investigava casos de anomalia no clima por todo mundo — informou Gabrio, encarando a expressão confusa de Anna. — Pensavam que tinha haver com efeito estufa, ou algo assim, mas não fazia sentido...

Anna se mantinha atenta, apesar de não entender nada.

— Os casos eram muito específicos, duravam alguns dias e sempre em locais isolados, erupções sem presença de vulcões, tempestades elétricas sem nuvens e nevascas em altas temperaturas... entendeu?!

A idosa balançou a cabeça para dizer que não.

— Não tá nevando na cidade inteira, mas aqui sim... então é isso... sempre foi isso — afirmou ele, encarando os dados do laboratório.

O noticiário era bem claro, a estatística climática de Toronto informava que nos últimos dias a cidade ficou entre dezoito e vinte graus Célsius, ou seja, não eram dias de neve.

— De alguma forma, esse lugar ficou preso num jogo, sem campeões... — Gabrio juntava os pontos. — Todos os competidores morreram ou abandonaram a partida, como não teve fim, o jogo reinicia todo dia, por isso, toda vez tem neve aqui, mas no resto da cidade não.

Ele ponderou por um momento.

— Menino... — a idosa ergueu as mãos na sua direção —, fique calmo! É muito comum as pessoas no início da condição de rua começarem a ter abalos psicóticos...

  — Se ninguém aceitar a partida... então ela não recomeça e fica mudando o clima até alguém aceitar. O Remake apaga da mente das pessoas as criaturas e a ação dos jogadores, mas deixa as causas naturais como explicação da destruição do local — continuou ele, em um único sopro, mantendo sua linha de pensamento.

“Toma essa! Valdi! Quem diria... aquele que menos se interessava descobriu todo o motivo da pesquisa”, desdenhou Gabrio, em pensamento.

— Eureca! — proferiu ele, finalizando sua descoberta.

Clin!

O aplicativo bipou, confirmando seu maior temor.

AVISO!

Uma partida vai ser iniciada neste local!

Tempo de início: 5 min

Deseja participar?!

Sim ou Não

— Tá de sacanagem! Esses desgraçados... iniciaram mesmo... filhos da... — xingou Gabrio.

— Menino! Já chega! Olha a língua! — advertiu Anna. — Se vai ter esse tipo de comportamento...

— Anna, presta atenção... — interrompeu ele.

Gabrio encarou o sofá, cadeiras, pratos, todos objetos que enxergava diminuíam de tamanho, criava uma miniatura de tudo em sua volta. Em seguida, colocou o dedo na tigela de sopa quente, movimentando o líquido da panela pelo ar.

A idosa observou estática, sem palavras, seu cérebro parecia não assimilar o que estava acontecendo.

— Não tenho como explicar muita coisa agora... — começou ele, assim que parou a demonstração dos seus poderes. — Mas tem algo muito sobrenatural que vai acontecer aqui, temos que tirar as crianças desse lugar, elas correm perigo.

Anna apenas concordou, ainda de boca aberta.

— Acorde eles, vamos sair desse lugar agora — pediu ele, calmamente, segurando pelos ombros da idosa. — Agora, por favor!

Sem discursão, a velhinha correu subindo as escadas, sua voz ainda não saía.

Gabrio clicou no “sim” da partida, precisava saber o que viria.

Bem-vindo!

Você quer brincar na neve?!

Encontre as 7 chaves antes do tempo acabar!

Os primeiros 15 colocados ganham!

Ah! É melhor recusar os abraços!

Tempo restante: 35min

Boa Sorte!

— Uma brincadeira... que divertido! — ironizou.

Pela janela do prédio, o novato observou o que lhe esperava do lado de fora. Não muito distante, viu alguém que corria segurando uma lança dourada, o brilho amarelado da arma deixava claro que era um participante.

O lanceiro se abaixou revirando a neve no chão, em poucos segundos, retirou um objeto dourado, com inscrições que pulsavam pelo seu formato cilíndrico.

Hunf! Hunf! Hunf!

Um som agudo veio da criatura minúscula, não possuía mais que um metro de altura, os pelos brancos e longos o camuflavam no meio da neve. No entanto, os olhos grandes, completamente vermelhos, davam destaque ao pequenino.

O monstrinho encarou o jogador, erguendo sua arma assim que o avistou.

Na aparência, o animal não tinha nada de assustador, era semelhante ao um filhote de urso, porém os braços compridos se arrastavam pelo chão, sendo bem maiores que ele.

— Pra trás! Sai! — gritou o lanceiro, ameaçando a criatura com a ponta da arma.

Hunf! Hunf! Hunf!

A criatura emitiu seu som característico, quase choro de um animal acuado. Lentamente, abriu os braços longos, caminhando na direção do jogador.

— Não! Se afasta! — bramiu ele, com passos nervosos para trás, buscando se afastar.

De braços abertos, o animal era largo, com envergadura superior ao corpo. Em um piscar de olhos, a criatura bateu mãos na neve e se impulsionou para frente. Por reação, o jogador cravou sua lança em um braço de tamanho exagerado. Contudo, aproveitando-se da proximidade, a criatura o envolveu num abraço apertado.

Hunf!

Dois segundos depois, o pequeno urso explodiu.

Gabrio observou a cena, pasmo.

Seus inimigos seriam ursinhos de pelúcia explosivos.

 

 

 



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