Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 27: REBORN

As paredes do quarto estavam repletas de pôsteres de filmes antigos e jogos clássicos que envolviam o uso de armas de fogo. Bel jogou muitos daqueles, mas não casaram tanto com seu estilo.

— Ok! Até que foi bom. — Detestou dizer aquilo, mas teve que admitir, espreguiçou-se na cama, aproveitando a maciez do colchão de penas.

A noite no lugar foi relaxante e o seu quartel-general na ilha estava distante da palavra “conforto”, porém jamais diria isso a Dark.

“Muito tempo nesse esconderijo...” O cheiro forte do atirador indicava que dormia muitas vezes no local. “Parece que não sou a única fugindo de algo.”

No banheiro da suíte, aproveitou para tomar um banho bem demorado.

“Companheiros de equipe”, relembrou ela, embaixo do chuveiro. As palavras de Dark ainda incomodavam. “Pensei que ao menos fôssemos... amigos.”

Bel vestiu suas roupas refletindo em que momento se tornou tão sensível, a ponto de se irritar com algo tão frívolo, chegou no seu nível atual justamente por não contar com a complacência de ninguém.

“Verdade... a culpa é sua!” Recordou de alguém que não deveria. “É mais difícil do que eu imaginava.”

O aroma forte do café inebriou seu olfato, sua atenção foi direcionada para a porta de entrada do quarto, Gunner estava atrás dela há alguns segundos, ouvia seu coração batendo irregularmente.

“Nervosismo ou más intensões?”, pensou receosa.

A ruiva esticou uma das mãos convocando sua adaga e aproximou-se lentamente, deixando apenas a porta entre eles.

— Scarlet, o café está na mesa — disse Gunner, batendo duas vezes. 

Bel abriu antes que ele efetuasse a terceira batida.

Gunner recuou colando as costas na parede e levantou as mãos para mostrar que estava desarmado.

— Senti o aroma — informou ela, rindo da reação dele.

Por precaução abriu a porta escondendo a mão armada atrás das costas, sua adaga sumiu antes que ele percebesse sua paranoia.

— Pensei que fosse me matar por te acordar — relatou Gunner, soltando o ar que prendeu sem perceber.

“Então era apenas nervosismo”, concluiu ela, em pensamento. Depois de quase parar, os batimentos cardíacos dele voltaram ao normal.

No pequeno corredor, Bel percebeu o atirador se manter alerta, na sua opinião, uma atitude inteligente. Gunner não baixava a guarda, suas mãos estavam prontas para sacar a arma presa na cintura, no momento que ela exibisse qualquer intenção de ataque.

— Lamento informar... — disse Bel, logo atrás dele.

O atirador virou-se para dar atenção as suas palavras, porém, a ruiva sumiu do corredor.

— Você é muito lento — completou ela, surgindo do outro lado, na sua frente.

Gunner arregalou os olhos, não sentiu sequer o vento de quando ela passou.

— Matar você é algo que consigo fazer, antes mesmo que possa fugir — expressou, com um sorriso prepotente.

— Sei que não confia em mim — buscava ser o mais tranquilo possível —, também não confio em você.

A ruiva respirou fundo, não podia culpar ninguém de ter precauções exageradas em relação a ela.

— Mantenha isso preso na cintura. — Bel ergueu a mão, girando no dedo o revólver do atirador. — E tudo vai ficar bem.

Gunner levou a mão ao local que o objeto deveria estar, a confirmação foi óbvia, além de passar sem ser percebida, ainda pegou sua arma facilmente.

— Que medo — constatou ele, impressionado.

Bel jogou a arma para o atirador e seguiu para a cozinha. Não precisava dizer mais nada, o recado foi dado, se Gunner apresentasse qualquer ameaça, morreria.

***

Gabrio estava sentado na cozinha, escutando os barulhos do corredor vindo do quarto que Bel dormiu, a curiosidade quase o fez ir ver o que estava acontecendo, mas não queria presenciar algo “estranho” entre ela e Gunner.

“Afinal, ele é um cara alto e forte”, pensou ele, colando a cabeça na mesa. “As mulheres gostam desse tipo.”

Bel chegou rindo, o atirador veio logo atrás exibindo uma expressão nervosa.

— Nossa! Você está péssimo — alertou ela, assim que o viu sentado. — Suas olheiras aumentaram.

Gabrio permaneceu em silêncio, olhando simultaneamente para os dois.

— Vocês... — A mente de Gabrio até montou a pergunta, mas desistiu de fazê-la.

A mesa estava repleta de frutas e pães de diversos tipos.

Bel encheu vagarosamente a xícara com café e levou aos lábios olhando para Gabrio.

— Eu vou ali... — Gunner tentava ir na direção da sala.

— Sente-se — disse ela, calmamente.

Gunner não pensou duas vezes, acatou como se fosse uma ordem.

 “Meu Deus! Como esse Noob não vê isso.” O atirador sentia a fúria dela se manifestar em uma forte intenção assassina, algo que faria qualquer pessoa sã correr.

— Dark, vocês o quê?! — falou Bel, pegando a faca e passando geleia em uma torrada.

— Deixa pra lá — falou Gabrio, colocando a cabeça sobre os braços em cima da mesa.

“Esse cara vai morrer.” Os olhos do atirador acompanhavam cada movimento da faca na mão dela.

— Ontem eu vi no mapa que estamos na Rússia — relatou Gabrio. — Tenho uns amigos que moram por aqui, gostaria de visitar eles, já faz tanto tempo.

O atirador se engasgou com pedaço de pão e sofreu para conseguir cuspi-lo fora.

— Tem certeza disso?! — bramiu Gunner, ainda com a sensação de engasgo na garganta. — Afinal, ninguém vai lembrar de você.

Gabrio direcionou seu olhar perplexo para Bel.

— Existe uma condição para participar do jogo — a ruiva falava deixando a comida de lado —, qualquer ligação que tenha com o mundo fora do RDM é apagada.

— Como assim... apagada?! — rebateu Gabrio, boquiaberto.

— Por que tá explicando isso pra ele? — disse Gunner, retomando o tom zombeteiro — Cara, vai dizer que não leu...

— Quem fez o cadastro dele no RDM... — Bel ponderou por um momento, mas continuou. — Fui eu.

Gunner encarou os olhos sérios da ruiva, depois seguiu para os aliviados de Gabrio.

— Eu encontrei a chave dele e...

— Não! Não! Não! — interrompeu Gunner, exasperado. — Não quero saber!

Bel exibia um sorriso cínico no rosto, havia ensaiado uma mentira durante a noite, pelo visto, sem motivo.

Gunner se esforçava para gerenciar as informações que chegavam a sua mente, para ruiva, aquilo dava um indício de quem estava atrás dele.

— Então, como assim apagada?! — insistiu Gabrio.

— Sim, foi deletado do mundo comum — respondeu ela, apática. — É isso, apenas aceite.

— Não devia ter me falado isso antes? — retrucou ele. — Por que o jogo faz uma coisa dessas?

— Noob, presta atenção — Gunner tomou a fala —, muitos dos participantes do RDM não eram anônimos, alguns eram jogadores profissionais extremamente famosos, imagina se de repente vários deles desaparecem do mapa?

— O sumiço ia chamar muita atenção, principalmente na comunidade dos jogadores — respondeu rápido.

— Exatamente, por isso a competição apaga sua existência no cadastro. — O atirador deu uma pausa, o assunto era sensível para ele também, prosseguiu. — Amigos, família, mídia... todos esquecem de você, pra sempre.

— Esse efeito é chamado de Reborn — continuou Bel, percebendo que o tom do atirador se entorpeceu.

Aaaah! Mais um desses efeitos bizarros! — bramiu Gabrio, indignado.  

— Esse é diferente — Gunner retomou a explicação. — O Remake e o Reload só atuam no final da partida, mas o Reborn é o tempo todo.

Bel suspirou, desanimada.

— As pessoas que o conhece fora dos círculos esquecem de você — explicou ela, circulando a xícara com a ponta do dedo. — Não importa como esteja vestido, se carrega armas, depois de alguns minutos, ninguém vai lembrar.

— Agora tudo faz sentindo — relatou Gabrio, iluminado. — Por isso, vários dos jogadores vestem roupas estranhas, armaduras medievais, carregam espadas, arcos, pistolas e rifles. Todo mundo vê, mas ninguém liga.  

— Isso mesmo, o Reborn nos torna fantasmas — definiu Gunner. — Podemos andar por aí numa boa.

— Sério? Tipo... numa boa?! — perguntou Gabrio, alvoroçado.

— Sim, depois de um tempinho todos nos esquecem.

— Então... Se podemos ir pra qualquer lugar... numa boa. — Gabrio encarou a ruiva. — Por que diabos a gente se enfia naquela ilha medonha no meio do atlântico?

Bel pressionou os dois olhos, demonstrando estresse.

— Aquele é pra ser nosso esconderijo secreto, idiota! — bramiu ela, entredentes.

Ah... opa! — Gabrio coçou a cabeça, envergonhado. — Devia ter me avisado.

Gunner fez uma expressão de dor, saber aquela informação não era do seu agrado.

— Então... se não tivesse um jogo naquele dia no trem, teria esquecido de você? — indagou Gabrio.

— Sim, por completo — respondeu Bel, revirando os olhos.

O cuidado que a ruiva tomou para não falar demais, Gabrio jogava por água a baixo.

— Jogo... no... trem?! — falou Gunner, pausadamente, em seguida, embranqueceu pasmo. — Por Buda! Lembrei de vocês! Não! Não!

O atirador se arrependia de ter relembrado, mas não tinha como esquecer aquela partida, foi algo inusitado, uma anomalia da competição.

Gabrio esboçou um sorriso desajeitado, coçando a cabeça novamente.

Ops! — disse ele, diante do olhar de fuzilamento da ruiva.

— O Reborn é uma condição intrínseca dos jogadores — disse Bel, levantando-se — Quanto mais rápido aceitar isso, melhor será para sua saúde mental.

 A ruiva caminhou na direção da sala.

— Vamos, temos muito trabalho hoje — informou ela, alegremente.

— Aah! Sério?! — resmungou Gabrio, enfiando de novo a cabeça entre os braços.

— E o que seria esse trabalho? — perguntou Gunner, curioso.

— Treinamento! — Os dois responderam juntos, mas com ânimos diferentes.

***

Phil Hunter caminhava de um lado para o outro diante da porta de metal polido, há alguns minutos controlava sua ansiedade, mas incomodar a pessoa dentro daquele local era um risco alto demais.

Todos do clã sabiam, quando sua líder entrava por aquela porta o silêncio e a paz deviam ser absolutos, qualquer interferência desnecessária e o infrator terminava empalado no salão principal.

— Senhora?! — chamou ele, batendo com delicadeza, não aguentou esperar mais.

— Entre — respondeu, a voz infantil.

O quarto tinha as paredes pintadas de rosa, do teto desciam enfeites brilhantes de estrelas, o chão estava repleto de brinquedos sobre o tapete branco, a maioria era bonecas enfeitadas com vestidos coloridos, além disso, havia vários utensílios de cozinha em miniatura espalhados.

A garotinha de cabelos cacheados estava de costas para entrada, sentada na pequena cadeira, diante dela estava a mesa redonda com xícaras espalhadas, soltavam vapores do líquido quente.

— Tomara que seja importante, estou na hora do chá! — repreendeu ela. Com cuidado, servia as dez bonecas de pano ao redor da mesa, todas com cabelos de cores diferentes.

Phil Hunter engoliu a própria saliva, entrou na pior hora possível, a hora do chá era sagrada.

— Mil perdões por atrapalhar esse momento! — bramiu ele, ajoelhando-se da forma mais respeitosa que pôde.

 — O que foi? Encontrou o paradeiro de Rhino e dá... dá... como era o nome da garota mesmo? — perguntou ela, sem dar atenção ao seu gesto, permanecendo de costas.

— Cleópatra, minha senhora — informou Phil Hunter.

— Hum... tanto faz, achou eles? — rebateu impaciente.

— Ainda não, soberana. Mas...

— Ah! Poxa! A missão deles era tão simples! — resmungou, com tom choroso.

— No local achamos indícios de...

— Que pena! Gostava do cabelo dele, até coloquei seu boneco na mesa para tomar chá uma vez — interrompeu ela, apontando para um dos brinquedos no chão. O moicano verde do boneco de pano e as roupas faziam referência clara ao estilo de Rhino Punk.

— As pistas indicam que…

— Ah! Phil, não fique com inveja! — interrompeu novamente. — Você também está sentado na mesa.

Phil Hunter já havia percebido a semelhança dos bonecos com jogadores famosos no RDM, inclusive estava entre eles, o boneco com tranças longas e roupas tribais recebia uma quantidade generosa de chá.

— É uma honra, senhora — agradeceu, abaixando a cabeça em uma saudação. — Mas o motivo de...

— O poder de Rhino era de Classe Alfa, vai ser difícil encontrar outro! — choramingou, intervindo de novo. — E a Cleópatra, seu poder... Ah! Nem lembro o que ela fazia!

— Não mediremos esforços para encontrá-los — proclamou Phil, com firmeza.

— Faça o que quiser — esboçou ela, retomando o tom desinteressado. — Mas traga a cabeça de Rhino pra mim e a da garota... tanto faz.

— Sim, senhora.

A garotinha esticou as mãos e pegou o boneco de pano que representava Phil Hunter.

— Por que ainda está aqui? — perguntou ela, acariciando as tranças longas do brinquedo. — O que é? Não podia esperar?

O jogador estremeceu por um momento, seu sangue pareceu congelar nas veias.

— Fale! — ordenou a garotinha.

— Tenho informações sobre a localização de Scarlet Moon — relatou rapidamente.

A menina lançou o boneco na parede, Phil Hunter acompanhou de olhos arregalados o brinquedo se chocar com a parede.

— Por que não disse logo?! — resmungou ela, birrenta. — Pois bem, diga.

O jogador soltou o ar aliviado, aquilo era sua chance de não terminar atravessado por uma estaca.

— Nós sabemos que...

Clin!

O aplicativo bipou.

Na tela do celular, uma informação surgiu para todos os integrantes do clã.

Rhino Punk saiu!

Cleópatra saiu!

— O que esses dois idiotas estão fazendo?! — bramiu ele, irritado.

A líder levantou-se em um pulo, deixando a cadeira cair.

— Que... que... decepção! — falava entre os soluços do choro. — Rhino! Menino mau!

Phil Hunter respirou fundo, em um piscar de olhos, saiu do quarto fechando a porta. Do lado de fora, tensionou os músculos e travou o maxilar com força, preparando-se para o que viria.

— Alguém vai pagar por isso! — decretou sua líder, rangendo os dentes.

A garotinha ergueu uma das mãos e estalou os dedos.

Naquela região, cerca de vinte quilômetros, centenas de jogadores caíram no chão, se contorcendo de dor e berrando em agonia.

Phil Hunter tremia por inteiro, mas suportava o sofrimento em silêncio.

Ao som dos gritos de muitos, a garotinha reiniciou sua cerimônia do chá e, com um sorriso largo, serviu a boneca de roupas pretas e longos cabelos vermelhos.

— Um pouco mais pra minha preferida! — disse animada.



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