Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 26: Modo Campanha

A tigela de sopa era rapidamente esvaziada, em seguida, preenchida novamente.

Huum! Quero mais! — Bel vibrava de alegria a cada porção.

Kami-sama! Tá tão bom assim? — indagou Gunner.

O atirador encarava seu prato ainda pela metade, o sabor lhe agradou, mas era apenas uma sopa.

Como resposta a sua pergunta, Bel puxou a panela e começou a raspar o que restava no fundo.

— Acho que é apaixonada por sopa — constatou Gabrio, rindo do seu apetite feroz.

A ruiva devorou tudo que pôde, até a parte que eles deixaram.

Ah! Que maravilha! — expressou Bel, esparramando-se na cadeira, sua barriga criou um pequeno volume que acariciava contente com as duas mãos.

— Não precisa agradecer — falou Gunner, ainda pasmo.

O olhar dela seguiu na direção do atirador, o sorriso dele se desfez.

Gunner estava se mantendo tranquilo por fora, mas cada vez que a ruiva o encarava seu coração saltitava de nervosismo.

“Hum... medinho é?!”, pensou Bel, escutando seus batimentos.

— Como você nos trouxe aqui?! — perguntou ela. — Pedras de transporte não levam mais de uma pessoa.

— Minha habilidade me permite fazer uma viagem durante o dia pra um lugar que já tenha conhecido — respondia de forma serena, tentando transparecer empatia —, posso carregar uma certa quantidade de carga junto, por sorte, os dois estão longe do meu limite.

— Então, é um Expert com habilidades de armamento e transporte dimensional? — sugeriu Bel, limpando as bochechas repletas de comida com o pano da mesa.

— Não diria transporte dimensional — retrucou de imediato, oferecendo um guardanapo e puxando o pano das mãos dela. — Está mais para uma opção de fuga rápida.

Bel o encarou por um instante.

“Seus batimentos se alteraram.” Percebeu a mudança no momento em que ele finalizou sua frase. “Um péssimo mentiroso... isso é bom.” 

— Ah! Por isso tava tão confiante na partida — disse Gabrio. — Tinha uma forma de fugir.

— Não! Jamais! Fugir é coisa de Noob, sem ofensas... — sinalizou com as mãos na direção de Gabrio, continuou coçando sua barbicha. — Eu guardava umas cartas na manga, mas não contava que alguém como ela fosse participar de um reles círculo azul.

Bel ignorou os olhares em sua direção, apenas bocejou esticando os braços.

“Disseram o mesmo no jogo dos touros. Que uma jogadora como ela não devia estar lá”, relembrou Gabrio, das palavras do baixinho branquelo. “O quão forte ela deve ser?”

— Um azul deve ser um tédio pra alguém que já foi em um círculo roxo — alfinetou Gunner, mais uma vez, seu tom cadenciava zombaria.

A ruiva lhe lançou um olhar sério, como advertência.

— Círculo roxo? O que é exatamente? — perguntou Gabrio, sem perceber a mudança no humor dela.

— Tá de sacanagem?! Nem isso ele sabe?! — bramiu o atirador, encarando os olhos em chamas da ruiva. — Ninguém melhor que Scarlet Moon para explicar o que é um roxo.

Gabrio fitou a direção Bel, esperando a resposta.

— Uma tática inteligente — falava diretamente para o atirador, ainda com os olhos o fuzilando —, mas brincar com minha paciência?! Arriscado, não acha?!

Bel entendeu exatamente qual era intenção dele.

— Quem não arrisca, não petisca! — rebateu irônico, com um sorriso no rosto e o coração nervoso retumbando.

Naquele momento, citar o círculo roxo diante do novato curioso carregava estratégias ocultas, uma delas era sair do holofote das possíveis perguntas da ruiva, criar uma situação em que ela se tornasse o centro das atenções e, de bônus, extrair informações preciosas. Além disso, aquilo esclarecia uma coisa, Gunner não era um jogador qualquer.

Gabrio observava os dois trocarem olhares frios.

— Se é um assunto tão sério assim, podemos deixar pra lá... — interviu Gabrio, tentando quebrar a tensão.

Bel suspirou desanimada.

— Ele tá certo — afirmou ela. — Você já devia saber disso.

Gabrio concordou, mexendo a cabeça.

— Dark, o que acha que é o Rei dos Melhores? — perguntou Bel.

— Bem... você disse que era uma... competição, né?! — respondia inseguro — Tipo um jogo de videogame, é isso?

— Nós estamos em um MMORPG hiper realista! — explicou Gunner, empolgado.

MM... o quê?! — rebateu Gabrio, não fazia a menor ideia do era aquilo.

— Por Buda! Não creio — rebateu Gunner, abismado. — Onde achou esse cara?!

Bel mantinha o semblante risonho. Afinal, Gabrio não era um participante convencional do RDM, não chegou ali da mesma forma que eles tendo que batalhar por um ano no primeiro lugar de um jogo, pelo contrário, seu caso era raro e único, o jogador que entrou por acidente. Algo que, aos seus olhos, o deixava interessante.

— Um MMORPG é uma classe de jogo que te obriga a evoluir um personagem — explicou Bel, simplória.

— Nós somos os personagens e os círculos são nossa forma de evolução — deduziu Gabrio, rapidamente. — Essa parte é óbvia.

— Pois é, sabichão! — zombou Gunner. — Mas isso só vale pros círculos amarelos, azuis e vermelhos, que são missões secundárias.

Gunner assumiu uma postura dramática, levantou os braços para alto, como se uma luz descesse sobre ele.

— O círculo roxo é o modo campanha do RDM! — declarou o atirador, com bastante euforia.

Gabrio entreabriu a boca, deixando o queixo cair.

— Não entendi nada — disse ele.

O momento de resplendor do atirador foi evaporando ao perceber que o novato falava sério.

— Ele tá brincando, né? — falou perplexo, na direção de Bel.

A ruiva mexeu a cabeça para informar que não.

— Por Rá! Você deve ser o deus dos Noob’s — escarniou Gunner.

Gabrio coçou a cabeça, rangendo os dentes, começava a se irritar.

— Cara! Eu entrei nesse jogo como um...

— Dark! — repreendeu Bel, o interrompendo. — Não!

O seu olhar na direção da ruiva suplicava para deixá-lo contar a verdade ao atirador, estava cansado de ser motivo de deboches.

— Não! — bramiu ela.

Ele desviou o olhar, fazendo um bico, típico de uma criança contrariada.

“Tem algo de muito errado com esses dois!” A mente de Gunner o alertava de algo estranho. “Mas se for o motivo de Scarlet o manter por perto... prefiro não saber.” 

— As missões secundárias são para ajudar o jogador a aprimorar seus poderes e acumular recursos — explicou Bel. — A modo campanha, missão principal, modo história ou... seja lá como queira chamar! O círculo roxo é a verdadeira essência dessa competição.

A expressão da ruiva tornou-se fria.

— O roxo que vai determinar quem será o... Rei dos Melhores! — finalizou ela.

Gunner tremeu por um instante, um calafrio corroeu sua espinha.

— Sim, aquele que vai zerar o game! — relatou ele.

O novato encarou a visão vazia de Bel e, do outro lado, Gunner apertava seus dedos nos punhos fechados.

— Caramba... — falou Gabrio. — Deve ser um pesadelo esse círculo.

— Pesadelo?! Há! — replicou Bel. — Multiplique mil vezes! Dentro do roxo qualquer...

A ruiva parou de falar e estreitou os olhos.

— Tenho que admitir... você é um dos bons! — falou ela, cruzando os braços e encarando o atirador. — Foi quase, hein?!

Gunner suspirou, decepcionado, por pouco não recebeu uma informação valiosa.

— Noob, pra ter ideia do quanto esse pesadelo é difícil. — Apontou a direção da ruiva, continuou. — Sua amiga aí! É a única, entre centenas... Não! Talvez milhares de jogadores! A única que já entrou e saiu do roxo.

— Sério? Caramba! — falou Gabrio, impressionado. — Você é mesmo incrível.

Bel torceu os lábios em um bico, não disse nada, mas sua expressão era exageradamente pretensiosa.

— Todos ajoelhem perante a rainha! — proclamou Gunner, de modo cômico.

— Acho que vou te matar — relatou Bel, assustadoramente calma.

O atirador riu, mas levantou da cadeira e correu para trás do novato, por segurança.

— Ela não sabe brincar, hein?! — cochichou Gunner, escondendo-se atrás dele.

— Ah! Nem me fala — concordou Gabrio.

Bel brincava com a ponta dos cabelos, exibindo um olhar que fuzilava os dois.

— Dark, está na hora de irmos embora — informou ela.

Gabrio assentiu, mas fez uma careta lembrando do lugar que iria dormir.

— Vocês podem passar a noite aqui se quiserem — sugeriu Gunner. — Tenho um quarto de hóspedes montado.

Gabrio encarou Bel, exibindo um olhar esperançoso, semelhante a um gatinho de rua pedindo uma moradia decente.

A ruiva suspirou alto e, contrariando sua vontade mental, fez que sim com a cabeça.

— Ok... peço que não se empolguem muito e acabem fazendo muito barulho no quarto — pediu o atirador, com um sorriso cínico. — Não quero ouvir... coisas... se é que me entendem.

Os dois se entreolharam por um momento antes de entender o que Gunner estava supondo.

— Não! É... Não somos... um casal — disparou Gabrio, rapidamente.

— Sério? Os dois parecem um! — zombou Gunner, apontando o dedo para eles. — Então, o que são?

“Somos... Somos...”. Gabrio refletia antes dar a resposta, a ruiva desviou o olhar.

— Somos colegas de equipe — afirmou ele.

Bel levantou-se em um pulo da cadeira.

Fiuuu!

Gunner assobiou como se o novato tivesse dito algo que não deveria.

— Ele dorme no sofá — decretou Bel, caminhando para o corredor no fundo da cozinha.

— O quarto fi...

O atirador indicava o outro lado.

— Eu sei onde fica. — Bel o interrompeu. — Sinto o cheiro dos lençóis.

A ruiva entrou e bateu à porta com força.

“Mas esse aí é o meu quarto”, pensou Gunner, sem coragem para repreendê-la. “Que presença assustadora!”

— E pensar que você conseguiu irritar ela mais do que eu! — explanou o atirador, seguindo na direção do quarto de hóspedes.

— Acho que ela não queria ficar aqui — relatou Gabrio, encarando o chão. — Mas a casa dela é meio assustadora, vai fazer bem para ela dormir em uma cama confortável uma vez ou outra.

“Sério?! Ele acha mesmo que foi isso?!” O atirador pensava incrédulo.

— Você é mais burro do que eu pensava. — Gunner o olhou com escárnio. — Porém, tem sorte, meu amigo. Algo que pode acabar se não for esperto.

O atirador seguiu para o seu merecido descanso e o deixou perdido nos próprios pensamentos.

Gabrio buscou por seu sono no sofá e, apesar do grande cansaço, não o encontrou.

A noite foi longa.

***

A multidão revirava os escombros, a maioria nativos na procura de sinais de seus entes queridos, outros eram voluntários de cidades vizinhas, pessoas que simpatizaram com a causa. A prova que, no final de qualquer catástrofe, a esperança se torna o combustível que move a humanidade. No entanto, entre aquelas pessoas havia alguém que foi atraído pelo oposto, não pela vida, mas pela quantidade de mortos.

— Sem dúvida! Um trabalho sublime da Rainha Demônio! — afirmou Phil Hunter, observando a área destruída.

As suas roupas tribais chamavam a atenção por onde passava, porém, naquele momento ninguém questionava um “indígena africano” passeando por ali.

Phil Hunter avaliava o cenário destruído, guiado pelos boatos de que alguém acionou uma ascensão poderosa o bastante para terminar um círculo azul sozinho e, se tratando do RDM, havia poucos com essa capacidade. Contudo, uma parte da história não fazia sentido.

— Tá me falando que essa ruiva acionou a ascensão e salvou os jogadores congelados pelos raios?! Salvou?! — perguntou Phil, cético. Atrás dele estava a sua fonte, aquele que levou a informação até o quartel do clã.

Um garoto magro, cabelos penteados lateralmente, sua pele branca estava pálida com a expressão nervosa, o que piorava a cada passo inquieto do jogador na sua frente, afinal, ameaçaram esquartejá-lo caso estivesse mentindo.

— Isso mesmo, foi o que ela fez — disse o jogador, repetindo a mesma resposta pela décima vez, desde que chegaram ao local.

Phil Hunter o encarou com os olhos sérios, deu alguns passos na sua direção.

O garoto engoliu em seco, sem coragem para se mexer.

— Some daqui — sussurrou Phil, no ouvido do garoto assustado.

Com as mãos trêmulas, o jogador puxou o celular e clicou rapidamente, sumindo com a emissão de um flash.

— Então, Scarlet Moon virou uma boa samaritana — resmungou Phil Hunter, inconformado. — Ridículo!

O vento soprou agitando suas tranças longas.

— O que quer?! — bramiu Phil, sentiu a presença de imediato, não precisou se virar para onde ela estava. Além disso, sabia exatamente quem era.

A poucos metros das suas costas, a pessoa detectada por seus instintos estava sentada sobre o capô de um carro amassado, usava uma túnica branca que encobria seu corpo dos pés à cabeça.

Hihihi! Calma, grandão! — disse a voz feminina, o capus largo escondia seu rosto. — Vim trazer um recadinho.

— Não tenho tempo pra perder com uma traidora — vociferou ele.

Phil Hunter fechou os punhos, ainda de costas para a garota encapuzada.

 O chão começou a tremer, rachando em fissuras finas, respondendo à liberação da sua energia. No automático, iniciou-se a correria das pessoas próximas, como se no meio das cinzas fosse descoberto brasa quente, o pânico retornou ao local.

Hihihi! Sempre impulsivo... não mudou nada! — lamuriou ela, nostálgica. — A informação que eu tenho veio direto da Horáculo.

Phil Hunter relaxou os músculos e os tremores cessaram.

— É um recado sobre sua amada Scarlet Moon — revelou com ênfase. — Agora, quer ouvir?!

O silêncio dele era o sinal para continuar.

Hihihi! Achamos eeeelaaaa! Hihihi! — cantarolou, entre risos.

Phil Hunter virou-se para encarar a garota encapuzada, lentamente, o sorriso em seu rosto foi se alargando.

— Finalmente! — bramiu ele.



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