Volume 1
Capítulo 21: TEMPESTADE
As pessoas olhavam o céu confusas, o sol foi rapidamente encoberto por nuvens escuras e o som alto dos trovões estremecia o lugar, um clima como aquele era algo inesperado para aquela época do ano, mas compreensível em uma cidade litorânea.
Na costa portuguesa, os pescadores da pequena vila portuária recolhiam suas redes e atracavam seus barcos, não era do seu feitio deles recuarem com qualquer tempestade, porém, a experiência os tornou mestres em ler o clima, tudo indicava ser um péssimo dia para se aventurar e, não tão longe dali, Bel tinha a mesma intuição.
“Não! Malditos raios!” O som estridente das nuvens machucava os ouvidos dela. “Espero que não chova.”
Gabrio relia as instruções do jogo.
Bem-Vindo a Partida!
Elimine os monstros e sobreviva as 7 ondas!
Os 15 jogadores que mais eliminarem vencem!
Atenção! Não seja acertado pelos raios!
Tempo de início para 1ª onda: 30 segs.
Boa Sorte!
A união dos termos “ondas” e “monstros” parecia ser algo complicado de enfrentar.
— Tem algo errado? — perguntou ele.
Bel estava com a expressão irritada.
— Não é nada. Vamos para o centro! — esbravejou correndo. — É o melhor local para uma batalha de ondas.
“Ah... Mulheres... nunca é nada!”, pensou Gabrio, apesar da resposta dela negar um problema, o bico que a ruiva exibia demonstrava sua frustração.
Bel parou em frente a uma enorme estátua no formato de cruz com inscrições que pulsavam emitindo luzes coloridas ao redor.
Os moradores da cidade cochichavam apontando para o monumento que surgiu repentinamente no meio da rua, além disso, os assustava a abundância de forasteiros que surgia em volta dele.
— Que droga é essa? — disse Gabrio, ao ver os jogadores se reunindo em torno da cruz.
— Em um jogo de ondas, o RDM marca para onde os monstros vão caminhar, sempre o centro — falava apontando para a estátua —, melhor que os caçar é esperar no local que sabe para onde vão e aí matá-los com toda a sua força.
O aplicativo bipou.
VAI! Primeira Onda!
Tempo de Duração: 5 min
Tempo de início da 2ª onda: 7 min
Boa Sorte!
Os raios começaram a cair acertando as casas, carros e pessoas azaradas nas imediações. No mesmo instante, os jogadores se espalharam como o vento.
— Dark! Os raios! Idiota, fica perto mim! — gritou Bel.
Gabrio correu na direção da ruiva.
Bel lançou uma das adagas para alto.
— Minguante, absorver! — ordenou.
A lâmina verde atuou como um para-raios, atraindo as descargas elétricas sobre eles, mas não durou muito tempo, em um piscar de olhos, a adaga sumiu.
Em um movimento rápido, Bel chutou o novato pelas costas o tirando da mira dos raios, que vieram imponentes, em seguida, com alguns saltos para trás também desviou.
O ar foi preenchido pela estática, era como se ela tivesse colocado o dedo na tomada, o clarão do relâmpago quase a deixou cega e o som do trovão ressoou estremecendo seu corpo.
— Jogo cretino! — xingou ela, encarando o céu.
Bel caiu ajoelhada, colocando as mãos nos ouvidos, não era para menos, mais dos efeitos colaterais chegavam, sua audição conseguia captar os sons do bater das asas de uma mosca, sem o controle necessário, o estrondo dos trovões eram praticamente granadas explodindo dentro dos seus tímpanos.
— Seu idiota! Fica longe de mim! — alertou ela, ao vê-lo tentar se aproximar.
Gabrio ignorou dessa vez.
— Primeiro é pra ficar junto, depois pra afastar... decide mulher! — bramiu ele, ajudando Bel a levantar.
— Dark, os raios não são...
A ruiva se interrompeu cobrindo o nariz e a boca, o mesmo gesto do restaurante, porém mais doloroso, como se tivesse sido acertada por um soco, o vômito veio em seguida, repetidas vezes.
— Bel?! O que...
“Eu vou morrer! Que cheiro maldito é esse?!” Bel tentava controlar a respiração. “É mil vezes pior que o hálito daquele cara.”
Gabrio não sabia o que fazer, não houve tempo para pensar.
O jogador encapuzado surgiu tão inesperado quanto os raios, segurou a ruiva debaixo de um dos braços fortes.
— Ali! Vai pra lá! — gritou o encapuzado.
O jogador atravessou uma vidraçaria caindo dentro do salão de um supermercado, Gabrio o seguiu sem dificuldades, haviam diversos jogadores dentro do local.
— De que planeta vocês são?! — ralhou o encapuzado, colocando a ruiva no chão. — Prestem atenção nas condições do jogo, seus Noob’s!
— Eu... Eu... — Gabrio ficou envergonhado, sem saber exatamente o que falar.
— Em uma chuva de raios é no chão que se protegem?! — zombou ele, sua voz era grave, saia forte como os trovões lá fora. — A não ser que seu poder seja de um fio terra.
Com suas palavras os outros explodiram em risadas.
Gabrio não viu graça, ou sequer ligou para os outros, sua atenção estava toda em Bel.
O encapuzado percebeu isso, silenciou os risos com um olhar, sua intenção também não foi fazer piada.
Bel se contorcia no chão tentando não cuspir as entranhas para fora, seus ouvidos ardiam a cada estalo e o pior, sua visão começou ofuscar, algo inevitável, o efeito colateral chegava aos seus olhos.
— O que está acontecendo com a bonitinha? — perguntou o encapuzado, observando-a rodar de um lado para o outro no solo.
— Acho que ela sentiu o cheiro de algo muito ruim — respondeu Gabrio, tentando socorrê-la, contudo, ainda sem saber o que fazer.
— Devem ser daquelas coisas — apontou o jogador, indicando a entrada destruída do supermercado. — Meu Deus! Que olfato potente.
As roupas rasgadas e envelhecidas, o corpo humano com a pele apodrecida e partes da carne expostas, dentes enegrecidos salivando sangue e o cheiro de putrefação deixava claro qual era o tipo de monstro das ondas.
— Zumbis! — Gritaram os jogadores em alerta.
As criaturas caminhavam com passos arrastados, emitindo grunhidos e sedentos por qualquer coisa viva.
Os jogadores prepararam suas armas e habilidades para entrar no combate.
— Melhor cuidar dela!
O encapuzado sacou uma pistola colorida.
— Ou então saiam da partida, seus fracos!
Com disparos certeiros, o jogador partiu para enfrentar os zumbis.
“Espera aí! Esse cara e essa pistola colorida...” Gabrio lembrou de já ter visto alguém com o capuz preto e braços fortes de fora, a pistola com riscos azuis e brilho alaranjada, além disso, a pele negra coberta de suor.
— Que mundo pequeno... — constatou Gabrio.
Sem dúvidas, o jogador na sua frente era o mesmo atirador que o salvou no trem.
***
Os habitantes da cidade corriam desesperados, o pânico chegou rápido de todos os lados, os zumbis seguiam em grupo estraçalhando quem estivesse no caminho, uma onda de morte e terror prosseguia incansável na direção da cruz brilhante.
O atirador atingia com precisão a cabeça das criaturas.
Os outros usavam suas espadas, arcos e poderes para abatê-los, antes mesmo que Gabrio pudesse pensar em participar, a primeira onda acabou.
Parabéns!
Você matou 0 monstros nessa onda!
Tempo de início para 02 onda: 58 segs.
Bel levantou desorientada, seu nariz queimava com o odor dos zumbis, dos ouvidos escorriam filetes de sangue.
— Ei, não seria melhor abandonar essa partida? — sugeriu Gabrio, enquanto lhe ajudava a levantar.
A ruiva suspirou e pegou seu lenço amarrando no rosto como uma máscara, respirava somente pela boca para tentar inibir seu olfato.
— Aquele desgraçado me xingou duas vezes! — apontava para o atirador que recarregava sua arma. — Vamos ficar e mostrar do que somos capazes.
— Mas tem algo errado com você.
— Eu tô bem — mentiu descaradamente.
— Claro, tá ótima — ironizou ele.
O aplicativo bipou, anunciando a segunda onda.
Aí vem ela! Segunda Onda!
Tempo de Duração: 5 min
Tempo de início da 3ª onda: 7 min
Boa Sorte!
Bel esticou as mãos e suas adagas surgiram.
— Escuta, idiota! — Ela tentava manter a voz suave. — Você não pode abandonar essa partida, seu tempo limite estourou!
— Tempo... o quê?!
— Escuta! — gritou ela. — Vou ter que te deixar sozinho.
Com as duas mãos, Bel puxou a gola da sua camisa, colando sua testa na dele.
— Sobreviva! Entendeu?! — mandou Bel.
Gabrio assentiu, encarando o fulgor dos olhos dela.
— Vou pra aquele lado e você pro outro!
A ruiva correu indicando seu caminho e partiu segurando firme suas adagas. Na sua condição atual, com olfato e audição prejudicados, não poderia ser cuidadosa, ou seja, estava preparada para atingir jogadores por acidentes. No momento, era mais seguro para Dark Onyx ficar longe dela.
— Já te subestimei uma vez — relatou ela, olhando para trás e vendo o olhar assustado que ele exibia. — Seu poder vai além do que pensa, idiota.
O teto estourou em diversos locais dentro do saguão do supermercado, os raios ferozes finalmente o romperam.
A segunda onda veio com o dobro de zumbis, entre elas uma espécie de cachorro morto-vivo surgiu pulando nos jogadores da dianteira.
Os atingidos pelos raios ficavam paralisados, como se tivessem petrificados, além disso, em meio ao caos da tempestade, Gabrio se lembrou de uma sensação que já havia esquecido, o medo que gelou sua espinha.
Na sua direção, zumbis famintos caminhavam impiedosos.