Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 2: START

O ataque dos lobos começou sem distinção, naquele vagão todos eram iguais, apenas alimento. Gabrio se encolheu entre os bancos, compreendeu que correr era a pior ideia possível, não estava errado, os lobos queriam caçar, presas imóveis eram sem graça.

No local que estava, a fera jogou sobre ele o corpo da mulher inerte, em seguida, outro e mais outro. A espécie de sorte infeliz o tornou a base de uma pirâmide de mortos.

Os gritos pararam, chegou o fim da caçada e com isso, o momento de aproveitar os espólios.
 Gabrio sentiu o lobo puxar o primeiro da pilha de cadáveres, a cabeça do homem caiu na sua frente, encarou os olhos mórbidos antes da criatura arrastá-lo. Fechou o nariz com a mão, o cheiro do sangue acertou seu estômago como um soco.

Naquele momento, emitir sinal de vida era como assinar o próprio óbito.

Outro corpo foi retirado...

Ele controlou a respiração e travou o maxilar, o nervosismo começava a dar a primeiras pontadas.

Outro corpo foi retirado...

As lágrimas forçavam seus olhos, o coração atropelava os próprios batimentos. Na próxima seria sua vez, não havia tempo para um plano bem elaborado.

“Tenho que sair daqui!” Alertava a sua consciência. Encarou a porta que Bel partiu, ainda estava aberta.

Gabrio correu aproveitando o momento que devoravam a última pessoa antes dele. O lobo mais próximo percebeu seu movimento, investiu em um salto para segurá-lo com a boca. Ele se jogou para lado em um banco vazio, ficou a centímetros de perder um dos braços, a criatura que errou sua mordida chocou-se nas barras e caiu no corredor.

Não possuía mais tempo para fugir, estava cercado. Os monstros chegavam com passos lentos, gostavam do jogo do desespero, amavam o cheiro do medo.

A fera ficou de frente com a vítima, rosnava exibindo as presas, mas algo no homem a fazia ter um gosto amargo na boca, ele a encarava de volta, aquilo estava errado, apenas os predadores tinham o direito de ter aquele olhar.

— Vão pro inferno! — bramiu sério, sem temor algum.

O lobo recuou por um segundo, sacudiu a cabeça e investiu com fúria, ensinaria o lugar correto da sua refeição.

Bang! Bang! Bang! Bang!

 A fera prestes a devorá-lo caiu imóvel nas suas pernas, os disparos surgiram certeiros, a cada bala disparada, um lobo caia. O atirador passava no corredor, caminhava calmamente entre as criaturas mortas reivindicando para si o título de verdadeiro caçador.

— Hum... — Ele parou diante do passageiro assustado.

O atirador era alto o suficiente para quase tocar o teto, usava capuz preto deixando os braços repletos de músculos de fora, a pele negra era o único detalhe característico, o resto era uma incógnita, na mão esquerda segurava uma pistola personalizada com riscos azuis e brilho alaranjado.

— Corra e não pare! — relatou ele, em uma voz grave diante do lobo morto. — O último vagão é seguro — apontou a direção, o mesmo caminho da ruiva.

Gabrio levantou-se cambaleante e correu sem pensar duas vezes, não conseguiu dizer ao menos obrigado, estava sendo guiado somente pelo instinto de sobrevivência. Perdia o fôlego atravessando o caminho pavimentado pelo desastre, mas a sorte estava do seu lado, não haviam lobos, estavam todos fatiados de várias maneiras. Manteve-se firme, não olhou para trás, ignorou os mortos e, com muito esforço, chegou na porta que dava acesso a penúltima cabine.

O lugar que a sorte o abandonou.

 ***

Bel colocava a faca na vanguarda e esperava pelo movimento do oponente, ele também se mantinha alerta. O monstro possuía três vezes o seu tamanho, uma espécie de lobo humanoide, a pelagem escura assemelhava-se a agulhas de tão rígida e as garras longas eram do tamanho das suas adagas. Sua única chance era transpassar o pescoço dele de forma rápida, mas o excesso de dentes afiados naquele focinho imenso a preocupava.

“O que eu estou fazendo?”, pensou ela, em desaprovação. Sabia que estava em um jogo de corrida e não de eliminação. Nas cabines anteriores perdeu muito tempo matando os lobos e para complicar, seu celular bipou novamente.

 Atenção!!!
 O 3° Campeão surgiu! Restam 02 vagas!
 Tempo restante: 5 min

 “Devem ter iniciado próximo ao objetivo da competição.” Torceu os lábios de irritação, não viu nenhum deles passar.

O chefe permanecia intacto, o que revelava que outros competidores nocautearam, desviaram ou ignoraram o monstro indo para área segura e garantindo a vitória. Possuía bastante tempo, só precisava atravessar mais uma porta para ter seu espaço de campeão.

“Quem eu vou proteger matando essa coisa?” Refletiu baixando a guarda. “Quem não chegou aqui já deve estar morto.”

***

 O chefe dos lobos percebeu sua hesitação instantaneamente e fez seu movimento, saltou atacando com as garras erguidas na tentativa de retalhar seu oponente. A ruiva pisou no encosto de um dos bancos e saltou escapando do abraço mortal que a esperava, dando um giro por cima pousou suavemente atrás dele e, em sua descida, lançou a adaga na perna direita da criatura.

O monstro rosnava louco percebendo a dor e a perca do movimento daquela perna.
 A adaga retornou para mão dela, como se tivesse sido puxada por um fio invisível. Estava a um passo da porta e a criatura parada no meio da cabine. Ela levou a mão a maçaneta e ele virou para encará-la, mas não exibiu reação.

Ele desistiu, o chefe sabia que a força do oponente fazia dele a presa.

 ***

 Gabrio passou pela porta da cabine com a confiança de estar a um passo da salvação. Congelou ao ver que, naquele instante, cometeu um erro fatal.

Não havia espaço para arrependimentos.

A audição dos lobos gigantes era superior a qualquer criatura comum e a do chefe era incomparável. O monstro virou o torso atacando por reflexo com suas garras e as enfiando no seu oponente rapidamente, exagerou na força, após a penetração na carne pregou-as na parede junto com o alvo.

— O que... — Gabrio tossiu sangue.

O movimento feroz foi ágil demais para sua compreensão, não tentou sequer desviar do golpe, quando percebeu estava grudado na parede ao lado da porta. Aquele lobo era diferente dos outros, esse parecia ter saído de uma história de terror.

“Um lobisomem? Isso é possível?”, pensou incrédulo, observando a criatura horripilante. Sentiu seu hálito nojento, uma mistura de baba e sangue escorria entre seus dentes.

Uma sensação agradável preenchia o chefe dos lobos, naquele local deveria ser o alfa, merecia respeito, mas todos que passaram por ele o humilharam, ia descontar toda a sua frustração, mostrar que ainda era o predador, rugiu e avançou para saborear sua presa imóvel.

Swooiiish!

Alguma coisa cortou o ar em alta velocidade e, em questão de segundos, a linha vermelha surgiu no pescoço do monstro à medida que sua cabeça descolava do corpo grotesco.

Uma chuva de sangue caiu sobre o rosto de Gabrio.

— Eu falei para você se esconder, idiota! — gritou Bel, chutando a cabeça desmembrada.

O aplicativo confirmou seu abate.

Parabéns!!!
 Você matou o Boss!
 Ganhou um item oculto!

Gabrio não conseguia falar, seus olhos estavam forçando para fechar, não sentia dor, o frio era a última sensação restante.

***

Bel olhava para seu travesseiro temporário grudado na parede, era questão de tempo até morrer devido a hemorragia.

— Eu nem perguntei seu nome — disse aproximando-se dele.

Para falar a verdade, mal o tinha notado antes, se tratava de um jovem rapaz de cabelos pretos, penteados lateralmente que brilhavam com auxílio de algum gel, o tom da pele pálida dele era um sinal que aquele corpo não via a luz do sol a muito tempo.

“Seus olhos são tão escuros.” Bel gostou deles. “Parecem com dois ônix negros."

Seu corpo era magro e uns dois palmos mais alto que ela, vestia uma roupa formal que contrastava entre preto e azul claro, a sua gravata era vermelha com bolinhas amarelas, uma combinação que achou horrível.

“Deve ser funcionário de algum escritório, uma dessas empresas cheias de regras”, pensou indiferente.

— Vai ficar tudo bem — mentiu, acompanhando seus olhos se fechando lentamente.

Bel virou-se em direção a porta em busca da vitória que estava adiando, mas foi impedida por algo que segurou sua mão. O garoto recobrou a consciência e tentava dizer algo. Ela aproximou os ouvidos de seus lábios ensanguentados.

— Me... no... é... Gabrio.

Entendeu parte do que ele forçava sair pela garganta, possivelmente, suas últimas palavras.
 Tunc!

Ouviu baque seco de algo que caiu da sua mão, Bel encarou o objeto.

— Tá de brincadeira?! — Ela o pegou e passou o dedo na tela, seus olhos arregalaram com o que estava ali. — Como você possui isso e não usa?!

Bel revirou os olhos indignada. Aquilo era uma chave para a competição, uma das antigas por sinal, não estava ativa, a coroa ainda permanecia cinza, sem o brilho dourado.

— Imbecil! Por que você não acessou o jogo?! — falou em cólera.

“Que espécie de idiota é esse cara?” Bel encarava o aplicativo no celular praguejando o engomadinho preso na parede.

Hesitou por um momento, mas clicou na tela, não havia escutado boas histórias de casos assim.

O celular dela vibrou em conjunto com seu click.

Strike!!!
 Punição de uma falta.
 Luxúria! Você foi pego tentando invadir a conta de outro usuário!
 Mantenha a Integridade!

— Não acredito nisso... — Cerrou os dentes ao ler a mensagem.

“Seria melhor desistir?!” Refletiu dando dois passos à frente, porém voltou.

Puxou o ar e respirou fundo, olhou o relógio da contagem do jogo. Faltavam dois minutos e meio para o fim, teve sorte que ninguém surgiu para pegar sua vaga, colou as orelhas no peito do engravatado, seu coração batia fraco, ele se agarrava a vida com todas as forças.

Pensou com os olhos fechados por um momento, abriu em um estalo, Bel teve uma ideia boba e arriscada.

— Se eu tomar outra falta — resmungou entredentes e completou baixinho. — Eu mato você!

Pegou a mão gélida dele e pressionou seu dedo indicador na tela do celular. Nenhuma notificação surgiu em seu aparelho.

— Isso! — Comemorou, por mais ridículo que seja, seu plano deu certo.
 O aplicativo deu início ao seu cadastro no jogo.

Vamos começar!
 Passo 1:
 Insira o nome do perfil: ___

— O que eu faço?! — Bel passou as mãos nos cabelos frustrada. — Não sei seus dados!

 A partir dali tudo inserido seria inalterável.

Ela o encarou por um momento e acariciou a pedra preciosa escura que enfeitava o seu colar, o ônix em formato circular era semelhante aos olhos dele, completamente negro.

— Bem... vai ser isso. — disse ela, digitando o nome que veio em sua mente.

Bel escutou passos. Não eram lobos, mas algo pior, outro jogador.

Escondeu a chave do engravatado e preparou-se para o combate. O atirador passou pela porta, seus olhos seguiram do lobo decapitado até o rapaz na parede e por último a ruiva, que erguia a adaga como se protegesse o que estava atrás dela, parece que não era o único idiota que fugia da dinâmica do jogo.

— Calma, baixinha — disse ele e continuou andando. — Não sei o que tá fazendo, mas tem um minuto pra terminar.

O atirador passou pela porta, o sinal de mais um campeão foi anunciado, só restava uma vaga.

Não havia tempo para pensar.

Cheia de resmungos ela preencheu tudo em cliques rápidos, colocando a primeira coisa que vinha a mente, foi realizando todos os passos até chegar a última pergunta do cadastro, a mais importante.

Atenção!
 Você será deletado desse mundo.
 Está de acordo?
 Sim ou Não

Muitos desistiam nessa parte, porém, a resposta de alguém semimorto deveria ser óbvia.

O garoto na parede não morreria hoje, contudo, teria que batalhar pela vida todos dias, sem espaço para arrependimentos.

Usando o dedo gélido dele, clicou na tela e o som nostálgico surgiu.

START!
 Você entrou no jogo!
 Bem-vindo ao Rei dos Melhores!



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