Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 3: Scarlet Moon

O silêncio era a única resposta no meio da escuridão, porém, Gabrio não sentia medo, solidão ou sentimento algum, assim como o local, seu coração estava completamente vazio, talvez aquilo fosse a tão almejada paz. Uma pequena centelha de luz, tão suave quanto a chama de uma vela surgia, se aproximando lentamente, havia alguém atrás, sua silhueta ainda estava oculta, apenas seu sorriso largo era visto.

— Hora de acordar, meu campeão. — A voz saiu sinistramente ecoando. 

Aaaaaaaah...

Gabrio abriu os olhos puxando o ar como se emergisse de um mergulho profundo, ainda ofegando, levou a mão ao local que a criatura perfurou com as garras, não encontrou nada, também não achou sua camisa, estava em cima de uma cama estreita, apenas de calça e sapatos.

— Olá, Gabrio! —  disse Bel, estava sentada em uma cadeira próxima a cama de pernas cruzadas, segurava uma xícara com a ponta dos dedos.

A sala era pequena, além da cama, um armário minúsculo no canto e uma mesa no centro com poucas cadeiras. 

— Oi... o-o que aconteceu com a minha camisa? — perguntou confuso, seus olhos avaliavam o local.

— Você volta dos mortos e sua primeira pergunta é sobre a camisa? — Ela levou a xícara aos lábios o observando.

“Por favor...” Bel tinha uma série de perguntas. “Não seja... entediante.”

— Eu estava torcendo para tudo aquilo fosse um pesadelo. — Esfregou as mãos no rosto pressionado os olhos. — Está aqui com você significa que não foi.

Bel ergueu as sobrancelhas impressionada, muitos jogadores demoravam para entender a nova realidade, pegou uma das xícaras em cima da mesa e lhe ofereceu.

Ele aceitou sentando-se na beira da cama.

— Respondendo a sua pergunta. — O serviu e continuou. — Tive que tirar a sua camisa e limpar o sangue, estava começando a cheirar mau.

— Hum... o-obrigado — balbuciou sentindo o aroma do café.

Gabrio corou envergonhado.

— Não foi a melhor das experiências que tive também. — Percebeu seu incômodo. — E essa é a minha casa, aqui é meu quarto.

As palavras “meu quarto” o fizeram olhar novamente o lugar; paredes desbotadas, moveis gastos e a cama desconfortável. Não parecia ser um quarto feminino, segundo seu estereótipo de garotas bonitas faltava o exagero de rosa, pôsteres de cantores famosos e enfeites cheios de frescura em todas as direções.

— Qual o jogo matriz do seu convite? — Bel exibia um olhar sério. 

— Jogo? Convite? — rebateu de imediato, com mais perguntas.

Gabrio deixou a xícara de lado, quase engasgou com o café, o gosto era péssimo.

— Um RPG? Adventure? MMO? FPS? — perguntou cada um pausadamente. — O termo Rei dos Melhores — disse e jogou o celular nas mãos dele —, faz algum sentido para você?

Ele meneou a cabeça para dizer que não, os seus olhos não desgrudavam do aparelho, aquela era sua herança.

Bel cruzou as pernas novamente.

“Um desavisado...  que triste.” Ela já havia se deparado com esse tipo, os que nunca ouviram falar da maior loucura entre as loucuras do mundo dos jogos.

— Esse aplicativo. — Apontou no próprio celular, idêntico ao dele.  — É o convite para um jogo.

Gabrio observou que a coroa mudou sua coloração de cinza para dourado, assim como a sigla RDM gravada no centro. Ficou em silêncio, seu rosto denunciava uma confusão de pensamentos.

— Bem, funciona assim... — Ela esticou as costas na cadeira e prosseguiu. — Você se manteve em primeiro lugar...

— Esse celular não é meu... — Interrompeu-a.

A boca dela entreabriu por um instante.

— Como é que é?! — As palavras saíram pasmas.

— Meu pai me deixou de herança — explicou pensativo. — Eu jurava que era sua última piada comigo e agora... tenho certeza que foi.

Ela abriu a boca para falar, mas as palavras não vieram.

“Ele pode estar mentindo descaradamente.” Ela refletiu ainda de boca aberta. “Se for verdade, é o cara que não vai saber se deu sorte ou azar.”

— Está me dizendo que nunca foi o primeiro lugar em um jogo por um ano e que entrou usando o convite de outra pessoa?!! — disparou Bel, em um único sopro.

— Não — respondeu seco. — Isso era do louco do meu pai.

“Incrível! Isso é sem precedentes!” Sua mente vibrou de excitação. “Você é interessante... muito interessante!” Começou se empolgar com a situação.

Gabrio observava o largo sorriso no rosto da ruiva e, dada as circunstâncias, aquilo era assustador, a conversa estava em outro patamar de maluquice.

— Então... muito bem. — Bel levantou da cadeira jogando-a para trás. — Vou te informar onde você se meteu. — Assumiu uma postura intelectual. — O Rei dos Melhores, vulgo RDM, é uma competição criada para os que se mantém em primeiro lugar na escala global por um ano em qualquer jogo de vídeo game.

Bel começou a andar de um lado para o outro.

“Como diabos aquele velho conseguiu isso?” Questionou sua mente, não conseguia imaginar seu pai realizando aquilo.  

— Depois que recebe o convite, faz um cadastro simples e Boom!!! — Bel gesticulou a explosão com as mãos. — Você ganha habilidades baseadas no jogo que te trouxe aqui, chamado de jogo matriz. — Deu uma pausa dramática, sua voz foi alterando para um tom empolgado. — A partir daí, começa a entrar em várias competições que alteram a realidade ao seu redor.

— Eu estava morrendo e entrar nesse jogo me salvou. — Não era uma pergunta, Gabrio estava tentando seguir a lógica da situação.

— Isso! Isso! — Ela quase saltitou por ele ter chegado nessa conclusão. — O jogo nivela todos os competidores curando qualquer ferimento, enfermidade, deficiência física, mental e te deixa imune a qualquer vírus ou bactéria, um verdadeiro milagre.

— Que loucura...

— Isso é chamado de Start! — Bel respirou fundo e sorriu. — É o que salvou sua vida.

— Então quer dizer que as pessoas que não tem nada a ver com esse jogo também morrem? — Gabrio tocou no local que foi atingido. — Pessoas inocentes... que horror...

“Eu... por pouco... não”. As lembranças do desespero que sentiu no trem fizeram as lágrimas descerem de seus olhos espontaneamente.

Bel cruzou os braços.

— Sim, elas morrem — disse com a voz apática. — Por estarem no lugar errado na hora errada.

Bel ofereceu seu lenço.

Gabrio aceitou enxugando seu choro, agradeceu com um aceno.

— Só não assoa o nariz aí! — Percebeu o ranho dele começar a escorrer. — Toma, usa isso aqui.

Entregou a sua gravata com algumas marcas de sangue.

— Quando eu estava te limpando. — Sentou-se antes de prosseguir. — Essa coisa foi a única que você mostrou resistência para tirar. Achei que seria algo importante — disse desviando o olhar. — Ia te perguntar antes de jogar fora.

— Sim, é um presente importante. — Gabrio tentou se recompor. — Minha mãe me deu antes de...

Ele não completou, mas pelo seu olhar ela presumiu. Imaginou várias coisas, mas nada na sua cabeça justificaria usar aquela coisa horrível. Estava errada.

“Um cara que anda por aí cheio de presentes dos mortos.” Ela pensou coçando o queixo “Ok! Achei fofo.”

— Se já acabou com o drama — disse cordialmente e levantou puxando seu lenço. — Pelas regras você é obrigado a jogar no mínimo uma vez por dia, como dormiu metade dele, seu tempo tá acabando. — Abaixou para o encarar nos olhos — Preciso que tome uma decisão.

Bel ficou a um palmo do seu rosto.

 — Você quer morrer ou viver? — disse com seriedade.

Ele parou de se perder na beleza dela ao escutar a sua pergunta. Uma decisão que provavelmente ia vir acompanhada de algum fardo pesado.

— Eu quero viver — respondeu rápido.

— Então vai ter que jogar e ficar entres os melhores.

— Se não tenho escolha, vamos. — Gabrio levantou-se determinado. Afinal, os jogos não iam parar por ele.  

— Claro, mas seria melhor vestir algo decente antes, não acha? — Ela cobriu a boca segurando o riso, mas gostou da atitude dele.

Gabrio se autoanalisou, vestia trapos ensanguentados, coçou a cabeça envergonhado.

— Você fica aqui. — Bel passava o dedo na tela do celular. — Vou atrás de roupas.

O som de uma notificação surgiu.

O jogador acionou uma Pedra de Transporte!
 Tempo de envio: 5 segundos

— Não mexe em nada — disse na soleira da porta. — Se não corto a suas mãos.

Ela passou pela porta e sumiu em um flash.

Gabrio assustou-se com um grito de uma coruja lá fora, talvez anunciando a noite.

***

O shopping center estava abarrotado de pessoas, a loucura do fluxo fazia Bel franzir a testa toda vez que era obrigada a desviar para não esbarrar em alguém. A ruiva caminhava pelo salão da loja de roupas procurando por algo que combinasse com seu colega novato.

O Rei dos Melhores obrigava o jogador a sobreviver diariamente em competições insanas. Se o objetivo era flertar com a morte, não podia fazer isso sem estilo.

“Qualquer coisa que não use gravata”, pensou jogando um olhar desdenhoso para a sessão de ternos engomadinhos.

O aplicativo bipou, mas dessa vez não houve surpresa.

AVISO!
Uma partida foi iniciada neste local!
Tempo de início: 3 mim
Deseja participar?!
Sim ou Não

Bel realmente escolheu aquele local sabendo que uma partida seria iniciada, naquele momento, andar por aí em lugares que não fossem cobertos pelas áreas dos jogos trazia um risco que não estava disposta a correr. Além disso, não ia participar, seu objetivo era unicamente as roupas e voltar para casa.

— Espera! Espera! — gritava desesperada a garota fora da loja.

Em seguida, sons de disparos e gritos começaram a deixar o local caótico.

“Não é da sua conta, termina o que veio fazer.” Refletiu tentando ignorar o pânico.

— Te encontrei, Scarlet Moon! — exclamou retumbante a voz masculina no meio da confusão. — Agora... vai morrer. 

Bel deu alguns passos na direção da saída da loja, a porta de vidro permitia uma visão limitada do lado de fora, mas nada que seus olhos não conseguissem distinguir. O rapaz vestido com roupas largas, em tons de cinza, segurava a pistola automática que emitia o brilho azulado, ele pressionava a arma na testa da garota de joelhos a sua frente, os cabelos dela eram vermelhos, a mesma cor dos de Bel, porém mais curtos, na região dos ombros.

“Jogadores... o que esses idiotas estão fazendo?” Suspirou contando cinco competidores em volta da garota.

— Por favor! Não faz isso! — implorou ela, começando a chorar.

“Patético...” Bel virou de costas para ir embora, já havia encontrado as roupas adequadas.

— Você sabe a fama que vai me trazer matar você?! — proclamou ele, sendo aplaudido por seus colegas. — Eu, o grande Godzilla! Vou me tornar uma lenda.

“O que tô fazendo?” Bel se repreendeu mentalmente ao puxar o celular.

Clicou no “sim” da partida, sem a necessidade de saber do que se tratava, seu objetivo teve um leve desvio, mas literalmente não era vencer aquele jogo.

As pessoas do shopping assistiam abismadas a cena, alguns erguiam suas câmeras para filmar, os seguranças ou aqueles que tentaram ajudar estavam caídos, todos baleados ao redor do grupo.

— Ei! Galera! — chamou Bel, atraindo a atenção deles. — A partida começou, não deviam tá atrás dos monstros?

Eles se entreolharam rindo.

— Quem pediu sua opinião? — rebateu outro integrante, segurava duas facas douradas. — Cai fora daqui!

Bel passou os olhos rapidamente pela equipe opressora, eram todos homens. Havia dois deles com armas de fogo, os outros três usavam facas e uma espada larga.

— Eu vou dar uma chance para vocês irem. — Suspirou desanimada antes de continuar. — Caso contrário, eu vou chutar a cara dele, enfiar as facas nas pernas daquele, quebrar os braços do outro e esse... vai correr, lógico!  — Indicou com dedo qual o jogador de cada ameaça. — E você... ah...  — Apontou o tal de Godzilla por último. — Provavelmente vou te matar.

Eles ficaram em silêncio.

— O que estão esperando?! — gritou Godzilla, furioso. — Matem ela!

Em um estalo, partiram para atacar a ruiva.

Os dois primeiros chegaram juntos com suas facas, ambos mexiam as lâminas de um lado para outro, um deles investiu para perfurá-la com agilidade, errou seu corte quando ela abaixou, o outro mirou sua barriga, mas fracassou também.

— É sério? Não vão nem se esforçar? — provocou ela, desviando com facilidade de cada movimento.

Bel se jogou para trás chutando com os dois pés as mãos do seu oponente, com o golpe, suas facas foram jogadas para cima. Ela caiu sobre os braços e os usou para se impulsionar e ficar em pé novamente, agarrou as facas no ar e as cravou com força na perna do seu adversário.

Os disparos dos atiradores passavam sempre encontrando o vazio, tentavam achar uma abertura para acertá-la, mas seus colegas ficavam na frente, como se ela os guiasse para esse propósito.

Com facilidade, esquivou das lâminas do outro e o segurou pelos pulsos girando seu corpo, o estalo dos ossos veio junto com o grito de dor, quebrou os braços dele.

O jogador da espada larga chegou por trás tentando surpreendê-la. Bel desviou e girou no ar acertando um chute no seu maxilar, que o fez cair completamente inconsciente.

Ela fingiu um bocejo, com o ar de deboche, olhou na direção dos atiradores, eram seus dois últimos oponentes, o que estava mais distante dela correu sem olhar para trás.

— Eu avisei que ele ia correr — informou sorridente, caminhado na direção de Godzilla.

— Q-qual o seu p-problema? — gaguejou nervoso, suas mãos trêmulas mantinham a arma erguida. — Essa menina é a jogadora mais perigosa desse mundo, matá-la vai ser bom pra todos.

— Sério? Ela? — zombou irônica.

Com um movimento rápido, Godzilla retornou a arma para a cabeça da menina de joelhos, mas não conseguiu efetuar o disparo, a sua cabeça deu um giro de 360° quando Bel o alcançou, em um instante, o corpo dele caiu estático.

— Obrigada! Obrigada! — A menina agradecia abraçando suas pernas.

— Relaxa. — Bel desvencilhou seus braços. — Mas me responde aí... você é realmente a Scarlet Moon?

— Não... eu... me chamo, Vênus. — Ela delongava assustada. — Sou apenas uma fã.

— Você é idiota?! — Bel esbravejou. — Tem noção do que tá fazendo?

— Tava dando certo! Eu falava que era ela e muitos me ajudavam — rebateu em sua defesa.

— Claro! Outros fãs, mas se usar o nome dela assim, tem gente que vai te matar antes de conferir a verdade — Bel falava duramente de propósito, já havia encontrado com vários fanáticos pela lendária jogadora.

Para muitos, Scarlet Moon era a encarnação do mal, por onde passava deixava apenas destruição e cadáveres no caminho, diziam que não fazia amigos ou inimigos dentro dos jogos, todos estavam sujeitos a ter uma morte agonizante só por avistar os cabelos vermelhos da jogadora impiedosa, era conhecida como, a Rainha Demônio.

Em contrapartida, haviam aqueles que a consideravam uma poderosa entidade que um dia governaria o jogo, alguém que finalmente usaria a coroa do Rei dos Melhores, muitos esperavam ansiosos por aquela que sobreviveu ao Círculo Roxo.

Devido a fama dela por toda a competição, semelhante a Vênus, muitas jogadoras experientes pintavam o cabelo de vermelho para se beneficiar dessa lenda, havia um excesso de ruivas nas partidas.

— Se não quiser morrer por nada, é melhor parar — advertiu Bel.

— Sim... vou fazer isso — disse Vênus, cabisbaixa.

— Que bom — aprovou Bel, correu na direção da loja. — Cadê minhas sacolas? — procurava apressada.

Uma confusão se alastrou por todo o shopping, podia ouvir barulhos de explosões, o jogo definitivamente chegou até eles.

Ao encontrar suas compras deu alguns cliques apressados na tela do celular.

O jogador abandonou a partida!

O jogador acionou uma Pedra de Transporte!
 Tempo de envio: 5 segundos

— Ei! — Vênus correu ao seu encalço. — E quem é você?

Bel passou as mãos nos cabelos vermelhos e olhou na sua direção com um sorriso cínico que indicava que sua identidade era óbvia. Vênus ficou pasma e o seu sangue gelou deixando-a mais branca que uma nuvem do céu.

Antes de qualquer palavra, com a emissão de flash, a origem das lendas foi transportada.



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