Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 19: RESTRIÇÃO

A quantidade de sangue exagerada deixava o rastro no asfalto, algo que levava facilmente ao responsável pelas marcas. Orion era o maltrapilho que se arrastava na tentativa de alcançar um lugar seguro, em vão. Logo atrás dele seus algozes caminhavam em passos lentos.

—  Você é osso duro, Orion, meu chapa! — disse Rhino Punk, impressionado com a resistência do atirador.

— Esse maldito! Olha minhas roupas! — choramingou Cleópatra, para seu desgosto estava coberta de sujeira.

Com dificuldade, Orion sentou-se de frente para os dois, esticou mãos erguendo a pistola e apertou o gatilho, mas não houve disparo.

O aplicativo bipou.

Atenção!

O jogador utilizou 100% da Energia Mágica.

Infelizmente não era só isso, outras notificações haviam surgido durante a batalha.

O jogador utilizou 93% da Energia Física.

O jogador perdeu 88% de Vitalidade.

Orion arriscou sua vida para cumprir uma missão suicida, a primeira parte do plano, para sua surpresa, não foi tão difícil. Conseguiu se infiltrar em um dos clãs mais sanguinários do jogo, a segunda era repassar a informação que obteve. Contudo, estava longe disso.

O ombro esquerdo quebrado, as duas pernas retorcidas, uma delas estava com o osso exposto fazendo-o perder sangue constantemente, seu olho direito perfurado dificultava a visão, uma condição horrível. Além disso, perder muito sangue naquele jogo era uma notícia acompanhada de notificação do aplicativo.

Atenção!

O jogador recebeu um Dano Crítico!

Haverá perda 0,2 de Vitalidade por minuto.

— Droga... cheguei tão perto — lamentou Orion.

Rhino Punk abaixou do seu lado.

— Meu camarada! Nada pessoal, mas a chefe me partiria em mil pedaços se fugisse — justificou, complacente.

— Vão se ferrar... seus... bundões... — Orion reunia suas forças para xingá-los.

O jogador passou o pente no seu cabelo, ajustando o moicano, deu um largo suspiro e levantou, dando as costas ao atirador, com as mãos no bolso foi caminhando para longe.

— Ei! Ele ainda tá vivo! — brandiu Cleópatra. — Mata ele logo!

— Mata você! Tô voltando pro quartel. Me entediei com isso aqui! Eu que não vou chutar cachorro morto — desdenhou, acenando de longe.

Aharr! — Cleópatra rangeu os dentes. — Não acredito que ainda conto com ele pra alguma coisa?!

A Elemental ergueu as mãos, suas joias douradas emitiram o brilho intenso e se moldaram em diversas vespas de ouro, lançou-as na direção do atirador estático.

As vespas saíram sem piedade, com ferrões longos, em quantidade suficiente para cobrir seu corpo inteiro.

— Fim da linha — expressou Orion.

O atirador encarou o horizonte no instante que o sol nasceu, era o raiar de um novo dia, ao menos sua última visão seria agradável.

— Hum?!

Orion encarou as vespas demorem demais para encerrar aquele drama, o que viu fez lágrimas nos seus olhos jorrarem como um rio.

Os insetos de ouro mortais estavam paralisados no ar, mas não só eles, tudo ao redor simplesmente travou.

Não havia dúvidas, o tempo parou.

— O que... Ah! — gritou Cleópatra, ao sentir os braços de Rhino Punk a puxarem para trás.

A chuva de disparos caiu sobre o local que estavam perseguindo os dois por alguns metros.

— Que merda! — gritou Rhino Punk, corria sem parar escapando dos projéteis.

— Ei! Me solta! — reclamou Cleópatra, presa embaixo dos braços dele, porém foi ignorada.

No horizonte, emergindo junto com o sol, alguém surgia caminhando em posse da arma de fogo característica, uma legítima Ak-47.

Hehihihi! Finalmente te encontrei, Orion! — relatou ele, depois da sua risada aguda.

— Cron, sim! Chefe! Aqui... eu... eu... — Orion falava entre os soluços do choro.

Com um largo sorriso, o jogador repleto de tatuagens passou acedendo um dos seus charutos.

— Calma, depois conversamos — determinou, após uma baforada de fumaça. — Vamos cuidar desses ratos ali.

Alguns metros adiante, Rhino Punk ofegava com sua parceira firme nos braços.

Merda! Merda! Merda! — xingava ele, a cada puxada de ar.

Diante dele estava Cronos Vermillion, o vice-líder do clã de atiradores mais temido no Rei dos Melhores, para o azar deles, também era famoso por não perdoar quem feria seus soldados.

— E aí, vai ser do jeito fácil? — perguntou Cronos, na direção deles. — Ou do jeito que eu gosto?

Cronos jogou o charuto para cima, quem conhecia sua fama sabia o que aquilo significava, o intervalo do objeto até o solo era o tempo dado aos seus inimigos para decidirem lutar ou fugir, uma resposta à sua pergunta.

De olhos arregalados, Rhino Punk soltou a Elemental sem avisar.

— Maldito!  — Cleópatra caiu toda desajeitada, de cara no asfalto.

— Cleo! Prepara, maluca! — esbravejou Rhino Punk.

Sem pensar duas vezes, Cleópatra levantou se posicionando para lutar, ignorando seu nariz ensanguentado. Naquele momento, a seriedade na voz do seu parceiro a preocupou, era a primeira vez que o via levar seu oponente tão a sério.

O charuto alcançou o chão.

***

O frio era a sensação que dominava o corpo de Gabrio, seus ossos tremiam como se o sangue já tivesse sido congelado nas veias. Em cima da pequena cama, ele abraçava os joelhos com força, ao seu redor já haviam diversas mantas, lençóis, toalhas que pareciam inúteis na tentativa de aquecê-lo.

“Primeiro o calor... Desgraçada! Agora o frio... Desgraçada! Desgraçada!  Quer me matar?! Sua filha da...” A mente dele vagueava entre dúvidas e xingamentos, buscando as razões por trás daquele sofrimento.

— O-o q-que fo-fo-foi a-a-aqui-lo?! — Os dentes dele batiam freneticamente dificultando a fala.

Bel estava sentada na cadeira, observava curiosa com sua expressão alegre, não escondia a empolgação, o frio era o efeito colateral comum que passaria em alguns minutos, o pior Gabrio já havia superado.

— Toma bebe isso — ofereceu ela, um pouco do que sobrou dos litros de café que fez.

Com as mãos trêmulas levou a xícara aos lábios, em seguida, fez uma careta para o gosto que sentiu, estava horrível.

— Isso aqui é outra tortura? — zombou ele, a sensação de frio finalmente esvaia.

— Ah... qual é?! Não tá tão ruim assim?! — protestou Bel.

Gabrio sentia vontade de esganá-la, o olhar mortal na sua direção era o indício disso.

— O que foi aquilo? — disse áspero.

— As velas negras que você viu fazem parte de um ritual chamado de Restrição — explicava enquanto enrolava os cabelos com a ponta dos dedos —, a parti de agora não vai poder usar sua combustão sem limites. Além disso, vai...

— Um limitador?! Sério?! Onde isso vai me ajudar?! — interrompeu Gabrio. Não compreendia o sentido daquilo. — Pensei que ia desbloquear meu potencial latente ou me preencher de poder, até mesmo me conceder uma habilidade nova, mas... um limitador?! Que maluquice é essa?!

— A Restrição vai impedir seus exageros! Que se mate de maneira idiota! — bramiu Bel, irritada com o tom dele.

— Sério?! Ter menos vai me fazer viver mais?! — duvidou indignado, as lembranças da dor ainda estavam frescas na mente.

— Isso vai refinar o seu poder! Quando ela sair...

— Sinceramente... — Gabrio a interrompeu de novo. — Não sei se esse jogo merece tanto do meu esforço pra viver.

Bel apertou os punhos com força, seu corpo tremeu de fúria.

— Como é? Seu esforço?!

A ruiva o empurrou na cama, com um salto, caiu sentada sobre o abdômen dele.

— Acha mesmo que está vivo pelo seu esforço? — Bel esticou a mão esquerda convocando sua adaga. — Só está vivo por minha causa! Enquanto não aprender a caminhar com as próprias pernas... apenas me obedeça!

Gabrio ficou pasmo, sem mover um músculo.

— Ei... Bel... Calma aí...

Os olhos dele acompanhavam a lâmina que a ruiva movimentava nas mãos.

— Cala a boca! Sabe quantos jogadores matariam por uma Restrição desse nível? — bramiu exasperada. — Quando ela acabar vai amplificar seus poderes pelo tempo que ficou ativa. Mas se quer morrer antes...

Bel passou a ponta da adaga no pescoço dele, sem usar força, para que sentisse o arrastar da lâmina na pele. Não houve corte, mas deixou o risco vermelho, um arranhão largo no fim do movimento.

— Não acredito que desperdicei meu primeiro beijo com um idiota como você! — relatou ela, em cólera.

O novato engoliu em seco.

— Amplificar? Isso é bom! — Gabrio se retratou, tentava controlar o pânico que se instaurava por dentro, com a visão de Bel enfurecida. — Por que não disse isso antes?

A ruiva cravou a adaga no colchão, um centímetro da orelha dele.

— Tava tentando falar! — rebateu ela, entredentes. — Mas não calava a boca!

Seus olhos se cruzaram por um momento, foram alguns segundos de tensão, até perceberem seus exageros.

— Tudo bem, foi mal! Acho que... — Gabrio foi o primeiro a falar, se arrependendo de agir por impulso. — A culpa é minha por ser impaciente.

Bel respirou fundo, deixando sua raiva de lado, sua adaga desapareceu.

— Não... é... eu sei pelo que passou, devia ser mais compreensiva. — Sua voz retornou ao tom aveludado natural. —  O ritual de Restrição é cruel, a taxa de sobrevivência é muito pequena, por um momento pensei que...

—  Eu tô aqui, né?! Deu certo.

Gabrio tentou exibir um sorriso.

— Sim, realmente sobreviveu, isso é incrível!

Os olhos dela brilhavam de orgulho.

— Bel? — chamou ele, gentilmente.

— O que foi?!

A ruiva o encarou curiosa, o rosto dele estava vermelho, quase da cor dos seus cabelos.

— Agora que nos entendemos... acredito que já pode sair de cima de mim — pediu envergonhado.

— Ah... s-sim!

Bel saiu da cama rapidamente, seu rosto aqueceu, por um instante esqueceu onde estava sentada.

— E agora? Vamos descansar um pouco? — perguntou Gabrio, tentando amenizar a situação embaraçosa.

— Descansar?! Hehe... — Ela deu uma risadinha preenchida de deboche.

— Não... não diz que...

— Sim! Nosso treinamento pela manhã, o ritual e essa nossa discussãozinha tomou todo seu tempo, pelos meus cálculos restam vinte minutos pra entrar em uma nova partida — informou Bel, mantendo sua expressão zombeteira.

— Que droga! — lamuriou ele.

— Vamos, logo! Sem choro. Como estou de bom humor... vou te dar uns cinco minutos.

A ruiva caminhou na direção da porta que levava a varanda, precisava de ar puro.

— Espera! Disse algo sobre primeiro beijo? — relembrou curioso. — O que significa?

— Não sei o que tá falando! Não falei nada disso! — negou intensamente, desviando o olhar.

— Mas eu ouvi. Você disse — insistiu Gabrio, percebendo o desconforto dela.

— Deve ser delírio da sua cabeça! Vamos! Cinco minutos! — ordenou Bel, encerrando o assunto.

A ruiva passou pela porta como um raio e fechou-a com força.

***

Do lado fora, Bel controlava a respiração, seu coração quase pulou pela boca com a pergunta do beijo, mas preferiria morrer ao assumir o que fez, ou melhor, não entendia o porquê daquilo, ou... talvez ainda pior, não queria admiti o motivo.

Dentro da casa, Gabrio levava os dedos aos lábios, lembrando dos segundos antes de acorda. Seu corpo queimava naquele lugar escuro, a mente parecia se afundar por completo em dor e desespero. No entanto, quando já havia perdido as esperanças sentiu algo diferente nos lábios, um prazer indescritível, algo que o fez esquecer de tudo e, por um momento, a sua vontade de encontrar a fonte daquele êxtase foi mais forte que as chamas.

A perdição de ambos começou ali.



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