Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 18: Conto de Fadas

A escuridão preenchia todos os cantos que Gabrio olhava, não sentia mais o chão sobre seus pés, flutuava no vazio.

Aaaaaaaah! Aaaaaah! Aaaaaah!

Um grito desesperado ecoava no ambiente, de alguém que usava toda a força dos pulmões.

“Pra onde ela me mandou?!” As dúvidas o cercavam.

Sua última lembrança era do mar de chamas que Bel lançou sobre ele, não houve tempo para sequer pensar em correr, quando percebeu já estava submerso, foi quando tudo escureceu, o que não fazia sentido, chamas deveriam emitir luz.

Aaaaah! Aaaaah! Aaah!

Aos poucos os gritos iam ficando mais amenos, quem quer que fosse, já estava sem ânimo para continuar.

Gabrio tentou se mover e falar, mas não possuía controle sobre o corpo, sem desejo nenhum começou a ser empurrado para frente.

Discretamente, duas velas negras preenchidas de símbolos estranhos acenderam ao seu redor, em seguida, outra e mais outra formavam um caminho longo que Gabrio estava sendo obrigado a seguir.

“Que merda é aquilo?!”, pensou ele, ao finalmente encontrar a origem dos berros.

Em pleno ar, um corpo humano queimava no que parecia ser uma fogueira de chamas vermelhas e azuis, a pele dele havia sido consumida, a carne exposta estava enrugada com pontos chamuscados, aos poucos começava a torrar.

Perplexo com a cena, encarou os olhos em pânico do incendiado, impossível não reconhecer aquele olhar preenchido de medo e desespero, eram os seus, Gabrio era aquele que queimava. Bastou um piscar de olhos e, assumiu o lugar. Além disso, os gritos também pertenciam a ele.

Aaaaah! Aaaaah! Aaah! —  expressou Gabrio, sentindo a dor indescritível que as chamas infligiam.

Não saberia dizer por quanto tempo gritou e ficou ali sendo consumido pelo fogo, a única certeza que teve foi das milhares de vezes que implorou pela morte.

***

Bel levou a xícara aos lábios mais uma vez, o gosto do café estava um pouco amargo, algo compatível com seu humor. A cada gole observava o novato se contorcer na cama com as mãos e pés amarrados.

“Bem... ele parou de gritar...”, recordou ela, não sabendo se era um bom ou mau sinal.

 Carregar ele até a pequena cabana foi a parte fácil, mas observar sua agonia estava a deixando mais apreensiva do que imaginava.

— Você consegue! — sussurrou ela, em incentivo, após o corpo dele efetuar mais um espasmo violento.

No centro da sala, as velas negras estavam acesas, derretiam vagarosamente. Aquele ritual dependia da resistência mental de Gabrio até que elas fossem completamente consumidas.

As horas se passavam, cada segundo contado por ela.

Haviam duas possibilidades, a primeira era a esperada, que acordasse com o apagar delas, isso implicava no sucesso do seu objetivo. A segunda, não queria nem imaginar, a mente dele seria destroçada e nunca mais acordaria, sinal de que não estava pronto.  

— Vai! Vai! — bramiu impaciente.

As velas finalmente chegaram na base, mas o minuto final pareceu o mais longo de todos, apagaram juntas.

Bel mordia os lábios com ansiedade, encarou o novato na cama.

— Vamos...

O corpo dela gelou de expectativa, porém não houve reação dele.

— Acorda! Acorda, idiota! — gritou exasperada.

Sem sinal de qualquer movimento, Gabrio permanecia estático.

— Droga... deu ruim — lamuriou ela, enfiando as mãos entre os cabelos.

Bel respirou fundo, sentou-se ao seu lado na cama, tentava recompor a calma.

— Foi mal... achei mesmo que ia conseguir, nos últimos dias você foi tão... tão... Aaaah! Droga! — Terminou a frase com um berro de raiva, pressionando a face aturdida pela frustração.

A ruiva o encarou, seu suor reluzia o rosto jovial. Hesitou algumas vezes, mas com suas mãos trêmulas acariciou os cabelos de Gabrio.

“Será que tem algo que...” Pensava nas possibilidades, mas sabia que aquilo era um caminho sem volta.

— Talvez se... Será?! — cochichou uma possibilidade.

As mãos dela deslizaram até sua bochecha, a ruiva inclinou o corpo e, delicadamente, seus lábios tocaram os dele, a ação durou alguns segundos.

Bel se afastou com poucas esperanças. Na sua mente, aquilo podia ser como em um conto de fadas, no que o beijo era a solução, mas de novo não houve reação.

A ruiva suspirou, levantou da cama dando leves palmadas na própria cabeça, uma forma de repreensão.

— Quem estou tentando enganar? — reclamou para si. — Minha história até aqui está mais pra um filme de terror.   

A ruiva caminhou na direção da porta, convocou as duas adagas.

“Eu te salvei... E agora vou ter que...” Encarou uma última vez o novato na cama.

— Bem... acho que não preciso mais dessa ilha.

Bel abriu os braços, imitando uma cruz, ia se livrar de tudo, as lembranças ruins daquele lugar haviam superado os motivos para continuar ali.

— Na escuridão da noite quem domina é a lua — proferiu ela.

A energia azul começou a circular seu corpo.

— Ascensão Mis....

Bel parou, um calafrio percorreu sua espinha, atrás dela o corpo de Gabrio se ergueu em um estalo.

***

As luzes das lanternas vasculhavam no meio da madrugada, caçando algo nos cantos de cada destroço da cidade. Os prédios tombados, carros revirados, pessoas sem vida nas esquinas, para cada lugar focado havia um pedaço do caos que o fim da partida deixou.

— Desgraçado! — O jogador resmungava a cada lugar vazio que encontrava.

Com intervalos de segundos retirava o pente fino do bolso da calça cheia de enfeites, a maioria correntes com pinos pontudos.

—  Qual é, Cleo?! Esse cara deve ter morrido no meio da partida — choramingou mais uma vez.

Com todo o cuidado, passava o pente entre os cabelos pintados de verde, alinhando os fios do típico moicano, sua camiseta preta com estampa de caveira deixava seus braços desprovidos de quaisquer músculos de fora.

— Cleo?! Ei?! Cleópatra?! — insistia ele, enfatizando o nome dela no jogo.

A garota ao seu lado suspirou irritada, seu nome era apenas um dos detalhes que fazia alusão a Rainha do Egito, a pele bronzeada do rosto esbanjava a maquiagem azulada sobre os olhos, com os cantos esticados pela tinta preta imitando os olhos de gato, famosa caraterística da conhecida perdição dos generais romanos.

— Cala a boca! Rhino Punk! — repreendeu ela, fazendo um deboche ao nome dele também. — Se a chefe mandou procurar... procure!

— Eita... que mau humor, mas o que esperar da Rainha Egípcia! — rebateu em tom zombeteiro.

Ela o advertiu com um olhar severo.

— Tanta gente na equipe... logo com ele?! — retrucou deprimida, com força, soprou sua franja estressada.

Os cabelos negros e lisos eram curtos, desciam até a região dos ombros, estavam repletas de mechas douradas que a circulavam como uma tiara, para complementar, o vestido longo que usava também exagerava do mesmo brilho, tudo nela reverenciava a nomeação que escolheu.

— Tá de sacanagem?! Sou o mais forte do grupo! — declarou Rhino Punk.

— Ah... Claro que é! — concordou ela, entre risos. — Tão forte que não deu conta de vigiar um novato!

— Ei! Sua... I-isso é... e-eu... — gaguejou nervoso, tentando montar uma desculpa.

— Só está vivo porque a chefe tem pena de você! — Cleópatra esboçou cada palavra com bastante desdém. Mas recuou em um salto, sem aviso, ele deu passos rápidos na sua direção.

Rhino Punk era alto o suficiente para encará-la de cima.

— Repete isso aí?! — Ele apertou a lanterna, amassando-a nas mãos.

— É... e o que vai fazer? — provocou Cleópatra, não se intimidou, seu olhar foi tão ameaçador quanto o dele.

 Bang! Bang! Bang!

Os disparos vieram da lata de lixo tombada na pista, miravam as cabeças dos jogadores que se distraiam na discussão.

Cleópatra inclinou o corpo desviando do projétil facilmente, não foi o caso do seu parceiro, Rhino Punk tombou no chão após receber o impacto.

— Achei você! — alegou ela, esticando as mãos, seus braços emitiram uma explosão de luz dourada.

A energia se materializou no formato da enorme serpente de ouro reluzente, seguindo peçonhenta na direção indicada.

O atirador deslizou para fora do esconderijo, antes da serpente enroscar-se retorcendo o metal da lata, com novos disparos buscou o acerto na testa enfeitada da sua oponente, porém falhou, mais uma vez a jogadora desviou.

A serpente dourada se lançou sobre o atirador, que evitou ser pego rolando no chão desajeitado, com movimento desesperado acertou o disparo que arrancou a cabeça da criatura dourada. Em seguida, correu novamente para a escuridão na busca de um novo abrigo.

— Sério?! Só isso?! Vai ficar fugindo o tempo todo?! Covarde! — bramiu Cleópatra, o perdeu de vista novamente. — E você?! Idiota, levanta logo daí!

Ih! Hahaha! Quem deixou o novato escapar agora?! — gargalhava Rhino Punk, levantou cuspindo a bala que segurou com os dentes.

Cleópatra revirou os olhos.

Ah! Cala a boca!

Trocando xingamentos os dois reiniciaram sua busca.

Na escuridão o atirador controlava os pulmões, sua vida dependia do quanto podia ser sutil, mas a noite estava no fim, com isso, acabaria sua vantagem de terreno. No seu encalço estava uma Elemental de Ouro formidável, Cleópatra era capaz de transformar suas joias brilhantes em criaturas vivas, mas podia lidar com ela, seu verdadeiro problema era o jogador da classe Psíquica, Rhino Punk.

— Vamos! Acha ele logo! Eu quero ir pra casa! — insistia ela.

— Pra quê? Isso aqui tá tão divertido... — Rhino Punk bocejava penteando os cabelos. — Além disso, quem iria querer voltar logo pra aquela espelunca?

— É...? tudo bem, vou falar pra chefe que ficou brincando outra vez na missão. — Ela usou um tom malicioso.

A expressão de terror dele foi sinal de que mordeu a isca.

Rhino Punk deixou os braços caírem desanimados, caminhou na direção da lanchonete, as lâmpadas piscavam no interior. O local estava revirado, havia comida por cima da mesa e espalhadas pelo chão, o indicio claro dos civis que saíram desesperados.

— A esquerda, atrás da bancada — indicou ele. — Tá se fazendo de morto deitado no chão.

— Finalmente! — comemorou aliviada.

Cleópatra lançou duas serpentes menores dessa vez, percorreram o caminho lentamente e saltaram o balcão circulando o corpo escondido.

— Espera... não é ele — constatou ela, ao verificar o corpo, as roupas indicavam ser um garçom, seu estado de podridão a fez fechar o nariz.

 As risadas abafadas dele deixou claro que foi outra chacota.

— Seu idi...

Rhino Punk não esperou pela fúria dela, deslizou no solo, com uma rasteira, derrubou sua parceira no chão. Por trás de Cleópatra, o taco de beisebol passou a centímetros de acertar sua cabeça, a queda a salvou de ter o crânio afundado.

 O atirador caiu desajeitado, deu alguns giros no solo e parou alguns metros, com o taco firme nas mãos.

— Eu disse atrás? Opa! Quis dizer em cima, no forro — brincou ele, recebendo um olhar de fuzilamento, Cleópatra torcia o nariz para o chão imundo.

— Vou te matar, Rhino! — disparou ela, tentando limpar as roupas do líquido viscoso que caiu em cima, o cheiro indicava ser molho de tomate.

— Vamos nos concentrar no fujão ali — apontou sorridente, não escondia a expressão satisfeita em vê-la manchar suas roupas pomposas.

No canto do salão, o garoto com a cabeça raspada mantinha a expressão séria, o corpo magro estava repleto de hematomas, além disso, as roupas cinzas não passavam de trapos rasgados.

— Olá, Orion! — saudou Rhino Punk, com um leve aceno na direção dele.

— Vão se ferrar!

O atirador partiu para o tudo ou nada.



Comentários