Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 15: REMAKE

Clin!

O aplicativo bipou.

Dentro da sala escura...

Os gritos ecoavam junto com o estalar do chicote. A diversão do carrasco cessou naquele instante e os olhos castanhos encararam a tela, maliciosos.

Clin!

Em um lugar distante...

No âmago da montanha, na parte mais profunda da caverna, os berros de um choro exagerado se iniciaram segundos após ver a mesma notificação.

Clin!

Do outro lado do mundo...

A neve descia como chuva e os flocos de gelo chiavam ao encontrar a areia do deserto escaldante, uma nevasca em pleno Saara.

Os dois jogadores de cabelos brancos se entreolhavam.

— Isso não é cedo demais? — disse o garoto, flutuava sentado em cima do globo de luz.

— Bando de idiotas... — resmungou a menina, seus cabelos curtos se agitaram com o intensificar da neve.

Os dois albinos sumiram encobertos pela nevasca, a tela do celular era a única coisa vista de longe, a notificação ainda não parecia real.

Atenção!!!

O líder do Clã ativou um item.

Máscara do Gato Magistral

***

O vento agitava tudo neles, sacudindo cada centímetro, logo atrás a estrutura inteira desmoronou, pularam na hora certa, mas saltar do prédio era a parte fácil.

Gabrio juntou os braços e as pernas arqueando o corpo para frente, tentava se afastar o máximo da onda de poeira despejada no ar.

— Uuhuuuu! — gritou Caio, empolgado.

Na mente do garoto, a sensação era mesma da vez andou de montanha russa.

Os paraquedas modernos possuíam uma tecnologia que amenizava os riscos de embaralhar-se e não abrir. Para isso, Gabrio manteve parte do material da cortina amarrado nas mãos, com sua manipulação, seu poder iria atuar como dispositivo de abertura, mas havia alguns desafios da natureza para superar.

Um corpo largado de qualquer altura sofria o efeito imediato da queda livre, a pura e perfeita a ação da gravidade, se nada interrompesse o movimento, o corpo continua em uma taxa continua de aceleração até chocar-se com o solo.

“Tudo que sobe, desce! Sim... a gravidade é implacável.”

Gabrio soltou a cortina presa entre os braços, o material saiu ondulando e abriu em um formato circular, os fios tencionaram puxando com força seu corpo para cima.

— Isso! — comemorou ele.

A distribuição do peso foi perfeita, eles planavam no ar.

Galileu Galilei... Eu te amo! — gritou Gabrio, aos ventos. Ele agradecia ao cientista italiano, pioneiro na investigação da queda livre.

Uma curiosidade sobre seus resultados é que, se um elefante e uma pena de galinha fossem largados da mesma altura, ambos chegariam ao solo juntos, ao mesmo tempo, o que impede esse efeito é a magnânima resistência do ar, a responsável que tornava possível todo aquele plano.

Após a criação das aeronaves, o ser humano precisou garantir uma forma de chegar ao solo, para o caso de falhas. Daí surgiu o paraquedas, aproveitando-se da resistência do ar, a vantagem de uma atmosfera repleta de gases. Incrível que, antes da criação de aviões, do ser humano alcançar as nuvens, Galileu Galilei já havia deixado a dica de como descer em segurança.    

“Isso, crianças... nunca desprezem a resistência do ar.”

Gabrio alterava o formato do paraquedas, interferindo na aerodinâmica, por consequência, na quantidade de ar que passava entre eles e a cortina. Dessa forma, conseguiu guia-los na direção da zona segura, mas não chegariam até lá, seu local de pouso focava um pouco antes do prédio que partiu ao meio com seus poderes.

De cima, podia ver o quanto o lugar foi abalado, sua visão era de destruição. Em contrapartida, a de Caio era de algo inexplicável, o fazendo sorrir sem parar.

O menino que não podia andar, alcançou os céus.

Próximo do chão, Gabrio desfez as amarras que os prendiam, seu paraquedas continuou carregado pelos ventos, mas agora não passava de um pedaço de pano desforme que ondulava desgovernado.

— Chegamos... — disse Gabrio, abraçando o garoto com força. Por sorte, tudo deu certo.

Uau! Vamos de novo?! — gritou Caio, ainda em êxtase.

Gabrio sorriu como retribuição e passou a mão agitando seus cabelos.

“Não... nunca mais.” Era sua vontade de responder.

— Finalmente! — bramiu uma voz conhecida.

A ruiva estava risonha alguns metros adiante. Do seu lado, o careca segurava a mulher no colo.

Bel retirou a senhora dos braços dele.

— Desapareça — disse ela, na direção do careca.

Ele não pensou duas vezes, saiu aos tropeços e, por algum motivo, chorava sem parar.

A ruiva sacudiu a mulher até acordá-la.

Aaaah! — emitiu um grito, assim que despertou.

Bel a soltou, se afastando rapidamente, a mulher parecia confusa.

— Mãe! — gritou Caio.

Ela virou a cabeça na direção da voz e correu ao encontro do menino, praticamente o arrancando dos braços de Gabrio.

— Meu amor! — declarou ela, repetindo centenas de vezes.

Gabrio observava contente, mas não teve muito tempo para apreciar.

— Vamos! — Bel o puxou pelos braços.

O aplicativo bipou.

Atenção!!!

O 4° Campeão surgiu!

Restam 06 vagas.

Tempo restante: 2 min

Gabrio entendeu rápido sua pressa.

— Bel, queria agrad... agra... a... a... — Observando o caminho, perdeu as palavras.

O líquido vermelho cobria o asfalto, não se via mais o preto, o chão estava repleto de sangue que escorria de corpos fatiados. As partes retalhadas estavam distribuídas pelo solo, centenas delas, algumas formavam pequenas montanhas de carne decepada, o chão melecado respingava a cada passo que davam e suas pegadas eram facilmente cobertas de novo.

Gabrio parecia caminha em um rio de sangue, por um momento, sua mente retornou aquele trem.

— O que... aconteceu? — falou Gabrio, segurando o vômito.

— Ah... tive que proteger o círculo — respondeu ela, naturalmente.

Gabrio identificava pernas, braços e cabeças na pilha de membros, mas nunca um corpo completo, seja lá o que aconteceu ali... foi um massacre.

“Não... não tem como serem todos jogadores.” Ele sabia, pelas regras apenas dezoito participantes sobraram na partida, o que indicava que o restante dos mortos eram pessoas... normais.

Dentro do círculo brilhante haviam quatro jogadores, entre eles o careca, todos se afastaram quando os dois entraram.

— Sim... Rainha Demônio... — Alguns comentavam entre si, com expressões acuadas.

Dois deles até ajoelharam, Bel os ignorou.

O aplicativo emitiu o sinal.

Parabéns!!!

Você é o 6° Campeão.

Tempo restante: 48 s

Em seguida, outra notificação.

Partida encerrada!

Não há mais competidores!

Com aquilo, os jogadores clicaram na tela apressados e sumiram rapidamente, depois do que presenciaram, não queriam arriscar um segundo a mais naquela partida.

O brilho dourado os envolveu, era o Realod em ação e, um momento depois, tudo estava curado.

— Ufa! Conseguimos... — Bel deu um soco leve no braço dele.

Gabrio ainda encarava o ambiente de filme de terror, sem palavras, boquiaberto.

— O que isso na sua mão? — perguntou ela, sem se importar com sua cara pálida.

Gabrio observou o pequeno urso de pelúcia que apertava firme.

— Droga... isso é do garoto — alegou coçando a cabeça.

— Vamos entregar pra ele, pode ser importante — disse Bel.

— Sim, mas como...

— Deixa comigo!

A ruiva pegou o objeto e aspirou fundo, colando o urso próximo do seu nariz, em seguida, fungou o ar.

— Por ali — apontou ela.

“O que ela é? Uma espécie de cão rastreador?”, pensou ele, impressionado.

Não demorou muito para encontrar o menino, ainda estavam próximos ao local, a mãe o carregava lentamente, usava o que restou das forças para encontrar um lugar seguro.

—  Ei, Caio! — chamou Gabrio, ergueu o urso, sinalizando do ar.

Caio estava cerca de cinco metros de distância.

— Senhor, Gabrio! — retribuiu o menino.

O garoto falou algo no ouvido da mãe, que deu meia volta na direção deles.

— Vou levar pra ele...

Gabrio seguiu ao encontro, mas parou. Bel o segurou pelo ombro.

— Espera... — disse ela, apontando na direção deles.

A mulher estava com os olhos arregalados, a expressão completamente vazia e Caio demonstrava a mesma feição.

— Tarde demais... o Remake começou — informou Bel.

A ruiva encarava a tela do celular, na região do mapa, o círculo azul do jogo desapareceu.

Remake?! — perguntou Gabrio, confuso.

— Como você acha que o mundo permite que um jogo que destrói tudo ao seu redor continue sem interrupção? — Ela falava com seriedade, abrindo os braços para que prestasse atenção ao local.

Gabrio engoliu em seco, a sua volta os poucos sobreviventes paralisados exibiam a mesma expressão da mulher, a sincronia que piscavam parecia ser algo ensaiado. Realmente, ele nunca ouviu falar dessa loucura antes de embarcar nela.

— É devido o mundo não sabe nada sobre ele. — Bel deu a resposta. — Os monstros somem quando o jogo acaba e os jogadores podem ir para outro local, mas a destruição e as mortes permanecem.

— Mas... como? Como tudo isso é encoberto? — Aquela informação o deixou pasmo.

— ­Efeito de um terremoto, incêndio, avalanche ou tsunami... — Bel respondia acariciando o pingente negro do colar. — Não importa... alguma catástrofe natural vai ser a justificativa que os desenvolvedores do jogo vão encontrar para escondê-lo.

— Causas naturais?! — rebateu cético.

— Sim, ninguém desconfia da natureza, isso é chamado de Remake — disse Bel, seus olhos perdidos no horizonte.

— E pra fazer isso eles precisam reescrever a memória de todos que estavam aqui — concluiu ele.

— Exatamente! — parabenizou ela, com palmas.

—  Mas... — Gabrio ponderou antes de falar, prosseguiu: — Uma entidade que é capaz de alterar a realidade, criando cenários e monstros não consegue reverter essa destruição?

— Acho que simplesmente não querem — respondeu Bel, com semblante cansado. — Talvez os desenvolvedores deixem a destruição como uma marca para que os jogadores saibam por onde passaram, uma espécie de confirmação de que isso que vivemos é real.

Gabrio observou as pessoas voltando a si, aos poucos, retornavam a sua mente.

— O Remake apaga você das memórias deles quando o jogo termina. — Bel o encarou diretamente nos olhos. — Apenas jogadores sabem da existência uns dos outros.

— Roger! — apontou Caio, na direção deles, reconheceu seu urso.

Gabrio se aproximou e entregou nas mãos do garoto, que recebeu risonho, abraçando com força o objeto.

— Obrigada, ele ama esse ursinho — informou sua mãe. — Presente da irmã.

— Tudo bem, encontrei no chão — mentiu ele.

— Deve ter sido quando saímos do prédio correndo... que loucura esse terremoto! — bramiu a mulher, entristecida.

Gabrio estreitou os olhos, concordou com um aceno tímido.

— Se caminhar naquela direção vai encontrar uma equipe de bombeiros — informou Bel, seus ouvidos captaram as sirenes. — Vão ajudar.

— Obrigado, mas e vocês? Venham também.

— Vamos atrás de sobreviventes — comentou Gabrio.

A mulher agradeceu e seguiu na direção indicada, Caio acenou na despedida, seus olhos não desgrudavam de Gabrio.

— Dark! — chamou Bel. — Estão seguros agora, o jogo acabou.

— Sim... vamos.

O aplicativo de Gabrio possuía algumas notificações.

O jogo encerrou. Deseja ir para onde?

Marque no Mapa

E a mensagem que se repetiu três vezes.

Você subiu de nível

Seus atributos foram aprimorados!

Com alguns cliques na tela, selecionaram a ilha.

Uma pedra de transporte foi acionada!

Sem custo!

Tempo de envio: 5 s

— Bel... — começou ele, meio sem jeito na fala. — Queria agradecer por ter me ajudado a salvar o garoto.

— Ah... qual é? Não precisa disso. — Bateu de leve no ombro dele, algo que se acostumou a fazer.

Seus olhos se cruzaram por um momento, Bel desviou sentindo o rosto aquecer.

— Nós tínhamos que fazer alguma coisa... o garoto não podia andar — alegou ela, justificando-se.

“Hum... só por isso...” Pensava no motivo da sua colaboração. “Mas ao salvar uma criança, quantos... quantos... quantos morreram?!”

Gabrio encarava a direção da chacina ao redor da área segura.

— Verdade... tínhamos — disse ele, espantando os pensamentos.

Rainha Demônio, não é? Será que o motivo é...” Relembrou das palavras e do temor daqueles jogadores no círculo.

Bel segurou as mãos atrás das costas.

— Além disso... não sou um monstro.

A ruiva exibia um largo sorriso, balançando o corpo de um lado para o outro.

— Sim... você não é — disse ele, contrariando sua mente.

Com um flash, a pedra os transportou.



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