Rei dos Melhores Brasileira

Autor(a): Eme


Volume 1

Capítulo 16: Guerra e Paz

O teto surrado da pequena casa de Bel parecia ser um espelho para Gabrio. Naquela noite, o novato deitado sobre o tapete fino encarava o lugar como se suas respostas fossem cair a qualquer momento. Na cama ao lado, a garota que tirou seu sono repousava dormindo como uma rocha.

“O que será que eu fiz?”, pensou ele, mas sem chegar em uma conclusão, não por falta de opções, avaliando suas atitudes na última partida... poderiam ser tantas coisas.

Assim que chegaram, a ruiva se jogou na cama esperneando braços e pernas como uma criança revoltada, acertou centenas de socos no travesseiro repetindo a mesma palavra a cada golpe.

— Bel, sua burra! Burra! Bu-aa! — disse a última com a cara enfiada no travesseiro.

— Aconteceu alg...

Grrr...

Bel rosnou o silenciando. Sim... ela rosnou.

— A culpa é sua! — gritou a ruiva, apontando o dedo na sua direção.

A fúria que exibia quase o fez correr. Em seguida, Bel bufando virou de costas e adormeceu.

Gabrio estava confuso, havia momentos que aquela garota repleta de fases o fazia sorrir e outras, tremer de medo.

— Sinistro... — cochichou ele, para sua parede amiga, a única que lhe dava ouvidos ali.

O dia chegou pleno e Gabrio estava lá para ver os primeiros raios de sol, seu sono falhou mais uma vez.

— Quando...? — Ele ergueu a cabeça.

A cama de Bel estava vazia e, mesmo de olhos abertos, não a viu levantar. Procurou em vão por alguns instantes, encontrou um bilhete escrito com uma bela caligrafia em cima da mesa.

Me encontre no topo da montanha, idiota.

“Ok... saiu da cama e teve tempo para escrever...” Gabrio colocou o papel no bolso, pensando se realmente não dormiu.

Do lado de fora, a ilha era coberta de vegetação densa, grande o bastante para demorar alguns dias para ser completamente explorada. Em conveniência, Gabrio observou no mapa do jogo a geografia do lugar, havia uma única montanha ao sul.

— Tá de sacanagem?! — reclamou ele.

A montanha era íngreme, uma parede de pedras inclinadas, escalar era a opção. Se contornasse talvez encontraria o caminho mais fácil. No entanto, Gabrio tinha a impressão que não era esse o objetivo de levá-lo lá para cima. Afinal, Bel o chamou de lento muitas vezes durante o jogo anterior.  

 — Merda... — xingava a cada metro que subia.

O topo da montanha era uma chapada larga, uma espécie de formação geológica que, em vez da ponta tradicional, apresentava uma área horizontal que a deixava parecida com uma gigantesca mesa de pedra.

Gabrio escalou cinquenta metros até o topo. Não demorou muito para avistar a ruiva.

Bel estava na outra ponta, sentada na borda da montanha, com as pernas cruzadas na frente do corpo, os cotovelos acima dos joelhos e as palmas das mãos unidas, a famosa posição para meditação de Buda.

— Como sempre... lerdo — disse ela, mantendo os olhos fechados.

— Qual é? Fui até rápido dessa vez. E outra, tava acordado quando saiu, podia...

Bel fez o gesto com a mão indicando o chão ao seu lado. Gabrio sentou-se entendendo o recado, tentando imitar sua postura icônica.

O vento que soprava de leve carregava o cheiro da brisa do mar, o sol ameno da manhã complementava o clima fresco combinado com o orvalho da mata. Naquele instante, Gabrio sentiu algo que não presenciava antes de entrar na competição, tranquilidade.

Se alguém perguntasse, não saberia dizer quanto tempo passaram sentados ali.

— Dark... — chamou Bel.

— Sim, aqui. — Deu sinal que a ouviu.

— Sempre prefira a paz...

Os dois abriram os olhos se entreolhando, quase em sincronia.

— Mas sempre esteja pronto para a guerra — completou ela.

— Eu...

Gabrio encava os olhos sérios dela, pareciam como aquela montanha de tão firmes.

— Não entendi, qual guerra?! — rebateu confuso.

— A guerra... aqui. — Bel pressionou seu dedo na testa dele. — E principalmente... aqui. — Seu dedo deslizou até o lado esquerdo do peito.

Os gestos dela indicavam mente e coração.

— Se vencer primeiro essas batalhas — falava levantando do chão, caminhando para o centro da montanha —, então estará pronto para o que virá.

— Tá... tava quase entendendo — dizia a seguindo —, mas me perdi de novo. O que vai vir?

Bel não respondeu, segurou as mãos atrás das costas e exibiu um largo sorriso.

— É... — Gabrio não sabia o que falar.

Pela primeira vez, a figura alegre dela não o deslumbrou, havia algo contido naquele sorriso, em um lampejo, podia até jurar que viu tristeza.

—  Pois bem, mãos na massa! — relatou Bel, esticando uma das mãos, surgiu a adaga verde.

Gabrio deu um passo para trás, foi automático.

“Isso foi... medo?”, pensou a ruiva, erguendo uma das sobrancelhas. “Um coelhinho assustado... bom sinal.”

Bel fez um pequeno círculo em volta dela, suficiente para que conseguisse dar dois passos para qualquer lado a partir do centro.

— Eu percebi que, pelo menos — Bel deu ênfase —, tentou lutar com seu oponente dessa vez.

— Ah... foi, viu? Foi Pá! Pum! — Gabrio deu socos no ar empolgado.

— Sim, vi... foi horrível — disparou rindo.

— Não foi tão...

— Se ele fosse um pouco mais forte, ou até menos prepotente, você estaria morto agora, sua sorte é ser um Expert, mas isso não vai te salvar sempre.

— O que importa é que no final eu venci — resmungou contrariado.

— Não por mérito, por sorte — rebateu ríspida.

  Os olhos deles trocaram faíscas por alguns segundos.

— Mas gostei da sua atitude! — Ela cedeu no final, desviando o olhar. — Você foi menos fraco que o normal.

Gabrio sorriu animado, aquilo pareceu um elogio, um bem estranho, mas pareceu.

— Por isso, decidi que vou te treinar de verdade — declarou ela, arrancando o sorriso dele.

“De verdade?! Então... o que estávamos fazendo até agora?!” Refletiu Gabrio, de queixo caído.

— Vem! — mandou Bel. — Dê o seu melhor.

A ruiva ergueu os punhos, mexendo os pés de um lado para o outro.

— Bel... espera! — Gabrio coçou a cabeça, seu rosto ficou vermelho, envergonhado. — Não quero te machucar.

Foi a vez do queixo dela, a ruiva parou seus movimentos, a boca entreaberta, depois que seu cérebro finalmente processou a informação, explodiu em risadas.

 — Você... não... não... — Bel segurava a barriga, tentava falar entre o riso espalhafatoso.

— Qual é a graça? — perguntou ele, incomodado com o excesso dela.

— Não vai me machucar — Bel limpava as lagrimas do riso com os dedos. — Como você é divertido...

O vermelho no rosto de Gabrio foi de timidez para raiva.

— Na verdade, nem vai me tocar — decretou ela, cheia de si.

— Não diga que não avisei.

Gabrio mudou de ideia, aquela ruiva merecia uma lição.

— Espera! — pediu Bel.

Ele travou com o braço erguido, projetava seu primeiro soco.

— As regras são as seguintes, não pode usar seus poderes, só os braços, pernas ou qualquer parte do corpo.

— Tá. Eu não pretendia usá-los.

A ruiva suspirou desanimada, mas já esperava isso dele, queria apenas formalizar.

— As regras pra você são essas. No meu caso, além disso, não vou poder sair desse círculo. — Bel indicou a marca no chão. — Não usarei minhas pernas, nem vou contra-atacar, apenas esquivar.

— Não precisa facilitar tanto.

— A sua missão é me acertar um único golpe — Fez o gesto de “um” com dedo. — Antes do sol se pôr.

— Sabe que ele acabou de nascer, né? — Gabrio apontava o horizonte.

— Sim... — Bel ergueu os punhos. — Eu sei.

 O novato respirou fundo, em seguida, atacou com todas as forças.

***

As paredes gélidas causavam calafrios a cada passo de Leônidas, os corpos amarrados em estacas estavam espalhados pelo salão, eram usados como enfeites e para servir de aviso aos visitantes.

Aquele lugar era evitado por qualquer jogador em sã consciência. No entanto, a informação em sua posse era valiosa demais para se acovardar, com aquilo poderia conseguir muitos benefícios, entres eles, a proteção desses jogadores insanos.

Leônidas engoliu a própria saliva.

“O que isso? Um teste?”, pensou ele, há cerca de duas horas foi abandonado naquela sala bizarra, talvez para que pensasse duas vezes antes de inventar algo.

— É bom não me fazer perder tempo. — A voz masculina ecoou no local.

O homem robusto entrou em passos pesados, sua estatura pareava fácil com um jogador de basquete, a pele negra dava destaque as várias simbologias tribais espalhadas no corpo musculoso, os cabelos com tranças se alongavam até a cintura.

— Claro que não, meu senhor — disse ele, curvando-se respeitosamente.

O jogador o encarou de cima a baixo, sua jaqueta de couro deixava o peitoral e os braços fortes de fora, ambos enfeitados de dentes de animais selvagens, a bermuda parecia ser feita de fiapos, extremamente rasgadas, desciam próximos aos joelhos.

— Fale de uma vez! — bramiu impaciente.

Leônidas deu alguns passos atrás, aquela vestimenta tribal era impossível não ser reconhecer, ainda mais naquele lugar.

O imponente a sua frente era Phil Hunter, o jogador conhecido por sua selvageria ilimitada, aquele que ganhou o título: Caçador de Monstros.

— B-bem... e-eu... — gaguejou Leônidas.

O olhar severo de Phil Hunter o deixava cada vez mais nervoso.  

— Eu tenho uma informação sobre a Rainha Demônio — disparou rápido.

— Disso eu sei... por isso, chegou até nosso salão, mas para seu bem... — Phil Hunter apontou os corpos amarrados com arames em estacas de metal. — É bom sua informação valer nosso tempo.

Leônidas engoliu em seco novamente.

— Eu pensei que iria falar diretamente com a sua líder. — Leônidas empertigou-se. Afinal, eram eles que precisavam do que sabia, não o contrário.

Phil Hunter deu um passo na sua direção.

— Não que o vice-líder não seja bom, mas sabe... a informação que eu tenho é preciosa demais... — Leônidas parou de falar, o jogador estava a um palmo de distância.

— Acha mesmo que nossa líder tem tempo pra falar com um verme como você. — Sua voz saiu em tom enojado.

— Mas... É...

— Fala de uma vez! — mandou ele.  

— Eu vi pessoalmente, vi o rosto dela... — revelou de imediato.

— Mentira! — vociferou Phil Hunter.

O careca caiu sentado, com o susto.

— Alguém fraco como você nunca sobreviveria depois de encontrá-la! — concluiu ele, aos berros.

— É verdade, meu senhor. Eu a vi. — O careca ajoelhou-se.

— A cor dos olhos dela?

— Quê?

Phil Hunter fez a expressão que não iria repetir.

— Azuis — respondeu Leônidas, com convicção. Afinal, jamais esqueceria aquele olhar medonho.

— Cor das adagas? — continuou o interrogatório.

— Azul e verde. — O careca manteve o tom assertivo.

— Hum... — Phil Hunter partiria para o teste final. —  Por que te deixou vivo?

— Ela pediu minha ajuda para segurar uma mulher, acho que...

— Quem era essa mulher? — interrompeu.

— Não era uma jogadora... — respondeu rápido, mas arrependeu-se, falhou no teste.

— Não?! Tá me dizendo que a Rainha Demônio pediu sua ajuda para salvar uma mulher comum?! — cuspiu as palavras, aos escárnios.

— Sim, isso mesmo — Leônidas tentou manter a seriedade, mas suas pernas tremiam, ninguém acreditaria naquilo, entendeu seu erro tarde demais.

— Que perca de tempo. — Phil Hunter virou de costas.

Na direção contraria, dois jogadores vestindo capuz preto surgiram.

— Matem esse idiota! — deu a ordem.

— Espera! Espera! É verdade! — insistiu o careca, as lágrimas começavam a surgir.

Os encapuzados o arrastavam pelo ombro.

Phil Hunter cuspiu no chão, não aguentava mais essa rede de informações falsas.

A captura da Rainha Demônio seria algo que consagraria qualquer clã, recompensas inestimáveis eram oferecidas para qualquer um que pudesse indicar sua localização. Em vista disso, muitos que diziam ter visto a jogadora lendária não passavam de falácia. Alguns até acertavam as respostas corretas dos olhos e armas, mas sempre inventavam histórias ridículas de como sobreviveram na partida.

Todos que cruzaram com Scarlet Moon sabiam que em uma partida que fosse possível enxergar suas características, tão de perto ao ponto de gravá-las, sair vivo era improvável.

— Ela usou uma máscara no formato de gato! — gritou o careca, era sua última carta.

— Matem logo...

— Parem! — ordenou a voz de criança.

Na escuridão do corredor, passos leves vinham na direção do salão.

— Mestra, achei que estava dormindo... — disse Phil Hunter, ajoelhou-se.

O jogador mirava aqueles pés pequenos que chegavam, não ousava olhar para cima, encarar sua líder nos olhos era inaceitável.

— Sim, estava. — disse ela, com o tom infantil.

— Esse verme...

— Calma, escutei tudo. Pelo que parece... esse tá falando a verdade — relatou ela, para o espanto de Phil.

— Aceitarei meu castigo por esse erro — proclamou ele, de olhos nos passos de sua líder.

— Tá tudo bem, hoje é dia pra comemorar. Achamos ela! — informou saltitante.

A garotinha de cabelos encaracolados caminhou na direção do careca trêmulo, deu vários giros como uma bailarina e parou diante dele, toda carismática.

— Me fala mais dessa máscara de gato!



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