Volume 1 – Arco 5
Capítulo 48: Lorde Dourado

Caminhar entre os corpos jogados no campo de batalha deveria ser algo que afetava qualquer um, qualquer um mesmo, mas aquela criança não parecia estar sendo afetada por nada.
Quando falamos de nada, era nada mesmo, alguns ainda sentiam um prazer nojento com a matança, mas a maga monstro não.
Desviava dos corpos mais multilados, todos por culpa dela.
Apenas dela.
A magia dupla abissal e celestial era realmente assustadora, especialmente com aquela quantidade de mana sem qualquer precedente.
Seus olhos se voltaram para um barulho de gemidos dolorosos no campo de batalha, caminhou em direção àquele barulho:
— P-Por favor, piedade. — O soldado falou, erguendo sua mão em direção àquela menina.
Não tinha altura, não tinha qualquer sinal de emoção em seu rosto neutro, apontou a mão para ele, que brilhava em um tom de avermelhado:
— Sem sobreviventes. — A sua voz fria e cortante fez aquele pobre mago sentir sua vida se esvaindo.
E sem sequer desviar os olhos frios e inexpressivos do homem, o matou sem remorso algum.
Não sentia nada.
Absolutamente nada.
Voltou a andar pelo campo de batalha, ainda procurando sobreviventes, aquela cena era tão natural no meio daquela guerra toda, não doía, não alegrava, era apenas trabalho.
Apenas isso:
— Ela é um monstro. — Ouviu aquilo fazendo sua caminhada fúnebre parar, olhando ao redor, mas não via nada, de onde veio aquilo.
— Monstro.
E mais uma vez, quando virava o corpo em direção ao som, não havia nada.
— Ela é um monstro maldito.
— Uma coisa horrenda.
As vozes começavam a se misturar completamente, vindas de todos os lados, altas demais, barulhentas demais.
Abaixou seu corpo no chão, tapando os ouvidos como se aquilo fosse parar aquele pesadelo sem fim.
Mas não parava!
Ficavam cada vez mais altas, sua cabeça doía, sua voz não saía, mesmo gritando à plenos pulmões ela não era ouvida, como não era ouvida? Por que não era ouvida?!
Eliassandra acordou num pulo, suada e ofegante.
Passou as mãos pelos cabelos na altura dos ombros, saiu da cama em tropeços, correndo até o espelho próximo, aquilo foi tão real que precisou conferir: ainda era Eliassandra.
Não seria a primeira vez que tinha aquelas pesadelos, parece que quanto mais chegava perto do seu aniversário, mas vividos ficavam, talvez para lembrá-la que ela foi uma pessoa desprezível e que no fundo… Ela sabia que nem merecia aquilo?
O sol estava se erguendo de forma preguiçosa, então logo iriam a acordar de qualquer modo, iria aproveitar aqueles momentos de solidão para fazer suas coisas sozinha.
Prendeu seus cabelos num coque, estava pronta para começar a preparar seu banho com água fria.
Sim.
Fria.
Ela realmente preferia água fria, desde sua vida passada, mas não conseguia ter essa regalia sempre, mas agora teria.
Ali, dentro da banheira, repensava seus afazeres do dia, afinal seu aniversário estava se aproximando cada vez mais, aquele baile que antes eram apenas com os humanos, graças à birra que fez para sua mãe agora tinham tantas… Raças.
Não ia negar que estava achando a coisa mais engraçada do mundo, e também diversa, como será que iriam se relacionar?
Finalmente estava pronta para seguir seus afazeres, seu vestido dessa vez era leve. simples, iria aproveitar que ninguém lhe vestiria hoje.
Andava pelos corredores vendo os servos começando seus afazeres diários, passavam pela princesa com mesuras e bom dias, aos quais Eliassandra respondia de forma curta com pequenas palavras e acenos com a cabeça.
O café da manhã iria demorar um pouco ainda, não tinha muito o que fazer além de dar uma volta pelo palácio real, olhando ao redor daquelas belas decorações, sempre que se pegava observando aquele lugar percebia o quão estava sendo sortuda naquele momento.
Sua vida estava boa, não estava ótima!
Era uma princesa, se afastou de toda aquela desgraça que era sua vida anterior, e agora era uma princesa, de pais amorosos, e irmãos dedicados.
Não tinha do que reclamar, e por isso queria ser a melhor versão de si, e preservar aquela paz, não sabia como estava seu antigo reino, mas não queria pensar nisso, não ainda.
Era uma criança, queria ter problemas de criança agora, mas nem isso tinha, era uma princesa, o máximo de normalidade que teve foi quando estava com Ahrija entre os aures, e nem ali era comum.
Seus passos distraídos a levaram para fora, andando pelos jardins do castelo, não prestava de fato atenção, Lynn dessa vez não estava consigo, aptou por ficar no quarto, aquele preguiçoso.
Parou de andar quando os pelos do corpo se eriçaram, como se uma presença assustadoramente forte estivesse perto, seus olhos se ergueram para o céu, uma sombra chegando.
Cada vez que se aproximava percebi o quão grande era.
Seus joelhos cederam, caindo no chão quando a sua frente pousou o grande dragão de escamas douradas, um dragão que ela, infelizmente, conhecia bem.
O dourado encouraçado.
Nome pelo qual ela o chamava na vida anterior, pois até agora não tinha conhecimento do nome dele.
O atual líder dos dracônicos, e também um dos mais complicados inimigos que enfrentou em sua vida.
E ali estava a cicatriz que deixou no olho esquerdo da fera quando se encontraram pela última vez.
Aos poucos, aquele grande dragão começou a diminuir, mudar de forma de um jeito quase grotesco, algo que Eliassandra nunca tinha visto, sentiu o estômago revirar, e então estava ali.
Valkriar, diferente de Quevel, não deixava sua forma mais humanóide, não, ele ainda parecia um dragão que andava em pé, seu corpo era cheio de escamas douradas e a cara ainda mantinham aquelas feições de dragão, com as escleras dos olhos negras, mas a pupila era amarela.
Os chifres viam da lateral da cabeça, e praticamente se encontravam acima da cabeça.
A pequena princesa ainda estava com os olhos vidrados nele, o corpo estava imóvel enquanto aquela muralha se aproximava de si, seus rosto tinha uma cicatriz no lado esquerdo, que deixava um dos olhos cegos, lhe concedendo o ar ainda mais ameaçador:
— Então é você a cria do Ricardo? Você é tão… Pequena.
— M-Majestade. — A voz trêmula de Eliassandra cumprimentou.
Estava tentando achar um momento para conseguir se levantar, se não tivesse feito xixi pela manhã, teria feito agora, no susto que tomou dele, ele deveria aparecer assim?
— Há, ao menos tem modos.
— Lorde Valkriar! Não sabia que chegaria desse jeito. — A voz de seu pai veio ao seu socorro.
Se aproveitou da falta de atenção do lorde dracônico em si e correu até seu pai, escondendo-se atrás do pai:
— E de qual outro jeito eu chegaria? De carroça?
Sua voz grossa e imponente deixava a risada quase desdenhosa, e Eliassandra quase teve vontade de dar língua para ele, mas se conteve, não queria ser mal criada assim.
Mas teve vontade sim!
Como ele poderia ser tão detestável assim? E ser forte daquele jeito?
— Essa aí é sua filha? Ela é tão… Pequena. Sempre achei que a Elengaria fosse fraca mesmo…
Agora sim, Elissandra deu um passo à frente pronta para falar algo, mas sequer precisou quando algo flamejante passou perto do rosto de Valkriar.
A mão de Ricardo estava erguida, e ele foi o responsável por aquilo, os dedos ainda estavam levemente vermelhos por lançar aquela rajada de fogo, com um sorriso calmo nos lábios que beirava o assustador:
— Se voltar a falar mal da minha família… Eu não vou errar a próxima rajada. — O sorriso do monarca humano não morria, mas existia uma frieza na voz dele que sua pequena filha nunca viu.
E no fundo sentiu um orgulho imenso de seu pai por se impor daquele modo, afinal aquele monarca com cara de lagarto foi muito cruel e mal educado em falar daquele modo de sua mãe.
Os guardas do palácio já estavam se reunindo ao redor de seu rei, não mostravam hostilidade, mas ao ver o monarca atacar, claro que logo vieram ao suposto socorro:
— Guardas, acompanhem o lorde para o quarto designado. — Dito isso, Ricardo pegou sua pequena filha no colo que olhava sorridente para o rei dracônico.
Estava satisfeita com o fim que aquela interação levou.

— Então a festa é para aquela menina? Não acha que está comemorando demais?
— É o quinto aniversário da minha filha, ela quase faleceu. — Ricardo argumentou com o lorde dracônico.
— Então você está comemorando apenas por que ela sobreviveu? Se ela morresse queria dizer que ela é fraca.
— Valkriar, se ofender minha família mais uma vez…
O dracônico ergueu as mãos, em sinal de desistência daquela discussão que pra ele, não tinha sentido:
— E se eles voltarem?
— Assinamos um tratado de paz.
— E desde quando isso impede algo? Deveríamos estar nos preparando!
Ricardo suspirou, sentando na cadeira enquanto encarava aquele quase amigo, que lutou ao seu lado na guerra, a cicatriz marcando seu rosto, mostrando o quanto a guerra lhe mudou.
Um dia aquele dracônico conhecido como “Dourado Impenetrável” foi ferido em campo de batalha por uma humana com um poder assustador, algo que surpreendeu a todos. Inclusive a Ricardo:
— E se outra anomalia como aquela surgir? E se eles fabricam esse tipo de coisa?
Ele ficou com medo, paranóico, e isso era completamente compreensível, Ricardo não viu aquela criatura de perto, mas os dracônicos? Ah não, eles foram a linha de frente.
Quantos morreram nas mãos daquela maga terrível que transcendia completamente a lógica humana de magia, que conseguiu até mesmo ferir aquele que foi chamado de impenetrável:
— E o que sugere? Que passemos nossas vidas preparando para uma guerra que pode nunca vir?
— E se vir? Cuidado nunca é demais! Você está brincando de casinha com suas duas esposas, tendo filhos, mas nenhum de seus filhos é sequer digno de sua força!
O dracônico recuou alguns passos quando foi acertado com força pelo rei Ricardo, que o olhava com aqueles olhos frios e vermelhos, dava para sentir a raiva que emanava dele, uma raiva fria e contida:
— Se você… Falar da minha família mais uma vez você não volta vivo pra casa. — A voz era perigosamente baixa, falava com uma certeza que assustava.
— Ricardo…
— Se vai ficar para a festa de aniversário de Eliassandra, ótimo, caso contrário, pode se retirar, é a primeira celebração de paz que temos em anos, e eu quero aproveitar isso com meus filhos e minhas esposas.
O lorde dracônico ficou ali em silêncio completo enquanto Ricardo se retirava do local mantendo sua dignidade de tal modo que não poderia ser contestado.
Por um lado, Ricardo entendia os medos e anseios de Valkriar, afinal ele próprio se questioanaca se aquela paz seria duradoura com o outro continente, mas por outro… Por outro lado era idiota como ele ousava vir até sua casa e falar aquelas coisas de suas esposas? De seus filhos? Claramente pediu por aquele soco.
Balançou a mão com aquela dorzinha caracteristica de dar um soco numa quase parede de tijolos sem reforçar seu corpo com mana, deveria ter pensado nisso, mas estava tão irritado que sequer pensou nisso.
Andando pelos corredores, passou pela biblioteca, não entrava muito ali desde que casou-se com Elengaria, mesmo que ambos fossem apaixonados por literatura, mas algo dentro de si remexeu, talvez uma saudade de passar seus momentos lendo.
Seus dedos calejados passaram pelas lombadas dos livros, alguns sequer tinham sido lidos, mesmo sendo do seu agrado.
Seus ouvidos aguçados começaram a escutar murmúrios de um idioma que não entendeu, ficou parado, olhando em direção a voz, e então tomou coragem para ir até ela, aquela voz… Era conhecida.
E estava certo.
Ali estava Ferrer, com um livro aberto sobre a mesa, falando baixo um idioma que não entendia, mas forçando um pouco a audição, levantou a sobrancelha:
— Élfico? — O monarca perguntou.
Ferrer deu um pulo de onde estava, encarando o pai e suspirando aliviado quando percebeu que era apenas seu pai:
— Não consigo me comunicar com os nossos recém chegados, queria aprender um pouco. — Foi uma pequena confissão para o pai, que sorriu sentando do lado do garoto. — O idioma deles foi muito bem documentado, mas sem ninguém para praticar é difícil…
— E sua irmãzinha? — Ricardo sugeriu aquilo, fazendo Ferrer fazer bico.
Mesmo sendo filhos de mães diferentes, conseguia ver semelhanças, os três faziam bico quando contrariados, será que era algo dele e nunca reparou?
— Eliassandra tem quatro anos, pai. Pedir isso a ela é… Vergonhoso.
— Por que? São irmãos. — Ricardo não entendia o orgulho de seu filho.
Talvez por não ter irmãos ele sempre foi assim, se precisasse de ajuda, apenas pedia, mas para Ferrer não era assim.
Ele era o mais velho, deveria ajudar, não ser ajudado daquele modo, mas seus dois irmãos eram geniais no que se propunham, se bem que Eliassandra não se propunha a nada, apenas fazia… Esse tipo de coisa.
Ficaram em silêncio, encarando um ponto qualquer por longos minutos, sem saber o que falar, como se existisse uma barreira entre os dois, e talvez existisse de fato, não se conectava bem como Ferrer, e a culpa tinha sido completamente sua:
— Eu achei a Seraphs bonita. — Ferrer foi aquele que quebrou o silêncio com aquela revelação.
Ricardo engasgou, encarou o seu filho com uma expressão surpresa, mas aos poucos… Um sorriso brotou nos lábios do monarca, fazendo carinho nos cabelos loiros de seu filho:
— Então é por isso que quer aprender o idioma élfico. — Foi um tom malandro, que fez o rostinho jovem de seu filho ficar vermelho.
— Acha que é demais?
Ricardo negou com a cabeça, mantendo um sorriso divertido, como se já entendesse tudo que ele passasse:
— Pergunta isso pra mim? Quer saber como eu e sua madrasta casamos?
— A Lady Elengaria? Nunca soube.
E Ricardo com toda paciência e amor do mundo iniciou a conversa sobre relacionamentos e amores jovens, deixando seu filho completamente vidrado em si.
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