Volume 1 – Arco 4
Capítulo 38: Olhar Frio
Os olhos vermelhos de seus irmãos mais velhos estavam focados na sua irmãzinha que mostrava suas novas descobertas sobre si mesma, estava ali, flutuando na frente deles, com um sorrisão cheio de orgulho de si mesma:
— E-Ela voa. — Ferrer conseguiu falar.
Sentia lá no fundo um pingo de inveja de sua irmãzinha que já estava num nivel de controle de mana avançado, mas seu irmão mais novo teve um pensamento diferente:
— Ela voa! — Ian exclamou.
Pulou do seu lugar, com ele mesmo usando sua mana para flutuar e abraçar sua irmãzinha querida no ar, a girou rindo com ela, estava tão orgulhoso, sua irmã era um prodígio, como não sentiria orgulho?
Agora, vendo aquela cena, Ferrer se sentia meio mal, como poderia pensar mal dela? Era uma criança que passou por um momento horrível, e agora… Ela estava ali, sã e salva, e ainda por cima descobriu seus próprio poderes:
— Ferrer? — A voz de Ian lhe tirou dos seus pensamentos.
Colocou o melhor sorriso no rosto, engolindo sua inveja da irmã e lhe dando todo o orgulho que poderia sentir:
— Eu estou orgulhoso de você, Elia. — Disse por fim.
Abriu os braços para receber o abraço de sua irmãzinha mais nova, afundando seu rosto nos cabelos dela.
Não queria sentir mágoa ou ressentimento, perdeu o trono para ela, mas quem sabe pudesse ao menos ser seu conselheiro, então isso ainda queria dizer que precisava se esforçar, pelo bem da sua irmãzinha.
Ele precisava ser o melhor possível pela Eliassandra.
Aquele sentimento precisava sumir.
De uma das janelas, o monarca com suas esposas observavam tudo, Elengaria estava com as mãos no parapeito da janela, uma expressão desgostosa tomava conta de seu semblante, diferente das outras duas.
Leopolda olhava seu filho e sua irmã de outra mãe, não era tão carinhosa quanto Ana Bael que estava abraçada a Ricardo com animação:
— Eles estão lindos juntos!
— De fato, magia é algo que os liga agora. — Leopolda concordou sorrindo.
Mas a rainha via as coisas de outro modo, via sua pequena filha estar um passo mais perto de se afastar dela, de ir para aquela escola onde seus dois enteados também estavam…
Passar meses fora de casa, às vezes voltar machucados, não sabia se suportaria tal coisa, queria proteger sua filha de tudo que a pudesse fazer mal!
— Como foi? — Ela interrompeu os comentários das duas consortes. — Quando souberam que eles iriam para longe, como foi?
Silêncio.
A rainha se perguntou se tinha feito a pergunta errada, se tocou num ponto sensível. Ana Bael foi a primeira a falar, com um sorriso bobo olhando as crianças:
— Foi um dos dias mais felizes da minha vida, como alguém sem magia tive que recorrer a muitos artifícios na guerra para sair viva, meu filho nascer com magia e ainda ter um reconhecimento por isso foi… Um dia maravilhoso. — Sua voz não deixava mentir, era repleta de carinho e orgulho pelo seu único filho.
— Eu fiquei com medo. — Leopolda disse. — Meu pai assim como eu, é um estudioso, a guerra ou lutas nunca nos acompanharam, mas então meu pequeno filho recebeu uma carta de recrutamento daquele lugar eu… Fiquei com medo, na verdade quase escondi a carta de todos.
Aquilo foi um choque, nenhum dos três ali presentes sabia desse sentimento de Leopolda, e agora Elengaria se identificava um pouco mais com ela:
— E como venceu esse medo?
— Não venci. Deixei que ele seguisse seu caminho. — Leopolda sorriu. — Meu filho não sou eu, eu recusaria na idade dele, mas ele não.
— Mas ele é uma criança. — Elengaria tentou argumentar.
— E só por isso não pode sonhar? Não pode ter objetivos? Eu entendi que… Ferrer não sou eu, e eu não poderia controlar ele pra sempre… Eu nunca me perdoaria se o fizesse perder uma oportunidade de realizar seus sonhos.
Leopolda sempre foi vista como racional e às vezes até fria, ver aquela mulher com um sorriso calmo, segurando o braço de Ricardo era uma cena incomum, ela não demonstrava sentimentos com facilidade.
Aquele sorriso, aquele toque… Era apenas de Ricardo, apenas ele podia ter esse momento com ela…
Elengaria voltou seus olhos para os três irmãos que riam e brincavam sem qualquer preocupação, como se não tivessem qualquer responsabilidade, no fundo queria que fosse assim.
Que pudessem curtir suas juventudes juntos, sem qualquer problema para lidar.
Suspirou tristemente, sentindo a mão de seu marido no seu ombro, apertando levemente, como se quisesse passar algum conforto.
Mas ninguém podia.
Ninguém sabia do seu fardo solitário.
Nem mesmo seu marido, afinal ele teve mais duas esposas para lhe darem herdeiros, enquanto ela…
— Eu tenho medo. — Finalmente a rainha albina verbalizou. — Tenho medo de perdê-la.
— Eu também tenho medo de perder meu filho. — Leopolda concordou.
Ter alguém entendendo aquela dor fez os ombros de Elengaria perderem o peso, levando as mãos ao rosto, querendo conter suas lágrimas:
— Eu me sinto tão egoísta, eu só… Eu só quero a proteger.
Os braços de Leopolda abraçaram sua colega, quase amiga, trazendo para junto de seu corpo, deixando que ela tivesse algum conforto:
— Todas nós queremos proteger nossos filhos, Elengaria, é normal, não se culpe por ter esse sentimento, você não é egoísta, você é uma mãe.
Ricardo apenas observava em silêncio, tinha três filhos, tentava ao máximo ter proximidade com eles, mas… Ele era rei.
Dos três filhos era impossível negar que ele tinha mais proximidade com Ian, o garoto que era tão habilidoso quanto ele em lutas, Ferrer sempre foi mais afastado, e com Eliassandra, mesmo sendo sua garotinha, ela também não era tão próxima.
Pensando agora… Ele era um pai bem ausente, até mesmo para o seu “favorito”. Precisava repensar toda sua paternidade, como estava agindo, não era apenas um rei, era um pai e esposo.
Como esposo reconhecia que tirando Elengaria, não era tão emocionalmente presente, talvez tivesse momentos com Ana Bael, ambos compartilhavam o amor pelas batalhas de espada, mas com Leopolda…
A amava, não podia sequer questionar isso, mas vendo como as três pareciam unidas… Mesmo reconhecendo seus erros, ainda sentia seu coração aquecer, ao menos elas se davam bem e não brigavam como fora avisado que brigariam.
— A pirralha voltou, não apenas voltou como voltou com magia. — Vivany tentava não berrar.
Mas sua raiva borbulhava dentro de si, como raios aquela menina voltou viva e ainda mais forte do que era anteriormente?
Lembrava daquele sorrisinho irritante que ela deu quando derrubou sua bebida, como a chamou de feia… Aquela pirralha irritante…
E agora parecia que todo o castelo se acendeu com sua chegada, todos pareciam estar mais felizes por conta daquilo, mas ela só conseguia se sentir extremamente irritada em relação a tudo aquilo:
— Minha senhora?
A voz sempre contida de Saffy se fez presente quando Vivany se levantou, estava tão irritada que sequer notou aquilo, batendo a porta atrás de si.
Precisava pensar.
Como iria conseguir derrubar Elengaria agora que, com sua filha tendo magia, sua posição como rainha foi assegurada? Sua irmã estava agora ainda mais forte politicamente, Ricardo tinha uma família forte e não precisava dela.
E ela, como Lady das casas do sul, ainda se mantinha solteira, parecia tão concentrada em prejudicar sua irmã que sequer percebia que sua posição nobre estava cada vez mais ameaçada.
Os saltos batiam no chão de maneira firme, nem sabia para onde estava indo, só queria conseguir pensar em algo, em alguma artimanha, mas até agora não conseguiu sequer balançar aquele matrimônio, como iria conseguir agora?
Seus olhos estavam turvos, quase não percebeu a figura pequena da princesa Eliassandra entrando numa sala, mas quando percebeu, foi como se algo iluminasse seu rosto. Seguiu a garotinha, percebendo que ela entrou na biblioteca.
Olhando assim, percebia que a princesa era realmente pequena, não podia negar que a garota era filha dos monarcas, os cabelos brancos de Elengaria, os olhos e a pele de Ricardo, o temperamento não sabia a quem puxou, mas ele era péssimo.
A pequena princesa andava pelas prateleiras, acompanhada sempre por aquele coelho azulado que Vivany não entendia de onde veio.
Em algum momento, Eliassandra parou de andar, mas não virou para trás:
— Posso saber o porquê de estar me seguindo?
O tom frio daquela criança fez os pelos da nuca da lady se arrepiarem, como ela tinha aquele tom? Além de frio, parecia distante, como se ela soubesse que era superior.
Mas ela era uma criança de quatro anos!
— Não posso ver como minha sobrinha está? — Vivany forçou um sorriso.
Eliassandra se virou lentamente, encarando sua “tia” .Finalmente ela pôde olhar para Eliassandra, um dos olhos sendo de um vermelho cor de sangue, o outro parecendo um céu ensolarado, com uma estrela no centro, mas mesmo assim, aquele olhar era… Frio. Distante.
Cortante.
— Sua sobrinha está muito bem.
— Bem… Você ficou fora por alguns meses, sua mãe…
— Minha mãe foi uma mulher forte que conseguiu suportar essa dor. — Mais uma resposta cortante da princesa de olhos frios.
Vivany engoliu em seco, como podia um ser tão pequeno lhe causar tantos calafrios, olhos distantes e sem vida, olhos de alguém que parecia ter vivido coisas que ela sequer pensava, talvez o tempo fora?
Não.
Ela sempre teve esse olhar, mas agora não tinha o sorriso zombeteiro para ornar com tudo, apenas parecia que encarava sua alma:
— Você tem uma língua afiada, Eliassandra.
— Alteza. — Eliassandra cortou. — É alteza para a senhorita, Lady Vivany.
Apertou seus punhos, mesmo a olhando de cima, não conseguia enxergar uma criança, mas ela era uma criança. Ela tinha quatro anos! Como ela conseguia ser assim?
— Querida… Eu sou sua tia. — Deu um sorriso amarelo.
— Não. Você é a irmã da minha mãe, tem laços com ela, comigo, emocionalmente, não tem nada. A senhorita é apenas a Lady Vivany.
Não conseguia.
Seus olhos sequer piscavam, sustentava um olhar como se fosse uma pessoa adulta, e ela não era! Vivany sentia aquele desconforto crescente, tentando sustentar aquela máscara de boa moça, de boa mulher, apenas uma mulher que estava preocupada com a sobrinha:
— Eliassandra… — Tentou de novo.
— Você é burra? — Eliassandra cortou. — Você não é minha amiga, você é apenas uma nobre distante, mantenha o decoro. É alteza.
— Como você ousa…?
— Pare de se fazer de sonsa, por favor, é irritante.
Eliassandra voltou a andar, mas agora parecia a se concentrar em ler a lombada dos livros, como se fosse mais interessante que sua tia, e provavelmente era mesmo para a princesa:
— A senhorita não tem qualquer carinho por mim, você não gosta de mim, e eu não gosto de você, pode parar de mentir.
A máscara de Vivany caiu completamente numa expressão de pura raiva e repulsa, como aquela pirralhinha poderia falar daquele jeito tão irritante? Tão presunçoso?
— Sua pirralha…
—Ah, aí está! — Um sorriso debochado e arrogante apareceu no rosto de Eliassandra.
Quatro anos.
Como raios ela tinha aquelas expressões tão complexas e aquele ar completamente debochado e arrogante? Uma mistura que só tinha visto em seu próprio rosto, e lá estava uma criança fazendo o mesmo:
— Finalmente parou de ser toda esquisita comigo, eu não gosto de você desde que disse que eu seria melhor sendo menino, insinuando que seria melhor pro meu pai que minha mãe. — Aquilo fazia tempos! E ela lembrava!
Como podia ser tão rancorosa assim?
— São coisas de adulto, uma criança não entenderia.
— Você é uma vadia, com o perdão da palavra. — O sorriso já tinha sumido. — Como qualquer pessoa que dá em cima de gente comprometida.
— Seu pai…
— Se ele tivesse retribuído ele seria um infiel, mas ele te negou e você continua aqui, rastejando por ele. — Eliassandra deu uma risada parecendo se divertir com aquilo. — Acho que o termo para você não é vadia, deve ser burra desesperada.
Eliassandra comeu suas palavras ao sentir um tapa acertar seu rosto, agora não existia mais a Lady Vivany, apenas a Vivany, uma mulher que estava profundamente ofendida por uma criança de quatro anos.
Os olhos cor de caramelo da mulher mais velha estavam cheios de fúria, enquanto recebia daquela criança os olhos mais frios e distantes que poderia receber:
— Sabia que bater num membro da família real assim é um crime?
— Cale essa boca sua… — Tamanha era a raiva de Vivany que queria xingar até mesmo a criança.
Passos logo foram ouvidos, e a cabeça de Ferrer apareceu entre os corredores:
— Ouvi um barulho, aconteceu… Elia!?
Correu até sua irmã que estava com a bochecha vermelha, segurou ela pelos ombros, inspecionando aquela marca.
Vivany estava paralisada, não imaginou que alguém estaria por aí, especialmente um outro membro da família real, se aquela pirralha abrisse a boca…
— Bati na estante, estava distraída.
A resposta a deixou ainda mais aflita, ela estava guardando um segredo? Por que?
— Como você…? Ah deixa, vamos tratar isso.
Ferrer pegou sua irmãzinha no colo, agradecendo a lady Vivany por tomar conta dela naquele momento, passou pela mulher que se virou para olhar a dupla, encontrando os olhos frios de Eliassandra, mas essa sorria.
Era como se soubesse que agora tinha uma carta na manga, e de fato, tinha, Eliassandra conseguiu pegar num ponto fraco e enfiar o dedo na ferida.
Tinha Lady Vivany na palma da pequenina mão.
Como… Raios ela tinha aquele jeito?
Que tipo de criança era àquela?
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