Volume 1 – Arco 4
Capítulo 35: Despedida
Sozinhos naquele cômodo, Elengaria e Quevel se encaravam, o médico podia ver a olhar aflito no rosto da mãe, dava o espaço que ela precisava para digerir suas informações:
— Como… Como ela acabou assim? Ela era uma criança sem magia…
— Ela tinha um impedimento para a mana fluir, mas ela sempre teve magia, só despertou mais cedo do que os outros. — Quevel explicou com calma.
— I-Isso faz dela um prodígio — Sua voz era trêmula, até que seu corpo cedeu.
O médico se apressou para segurar ela e colocar a sentada na pequena cadeira ali, estava preocupado, pelo que ouviu de Ricardo, a saúde da rainha não era das melhores, não queria a pobre mulher passando mal:
— Vão tirar minha pequena de mim.
As mãos tremiam enquanto eram levadas ao rosto, tentando não desabar, aquele ato quase fez Quevel revirar os olhos.
Quase.
Ela era uma mulher adulta com uma filha pequena com um potencial enorme e ela estava preocupada com aquele fato? Era como se ela apoiasse toda sua existência em ter sua criança por perto, mas não podia julgar. Não muito. Sabia dos terrores que ela passou para engravidar, os tantos irmãos mais velhos do trio real perdidos.
Foi tanto que o rei recorreu a outras duas consortes para ter um herdeiro, Elengaria teve sorte que tanto a Lady Ana Bael e a Lady Leopolda não tentaram usurpar seu lugar como rainha, que aceitaram apenas o amor de Ricardo, por que não seria difícil isso acontecer.
E ele não poderia julgar nenhuma das duas.
E agora ela tinha uma filha forte, alguém que poderia ser a salvação da reputação dela, eu apenas ser feliz com magia, afinal os poucos momentos que viu ela realmente feliz era quando falava de magia, ou quando estava escutando as bobagens infantis de Ahrija.
E por puro capricho ela queria tirar tudo aquilo da sua filha?
— Com o perdão da palavra vossa majestade, mas isso é a coisa mais egoísta que escutei nos últimos tempos. — O médico falou. — A sua felicidade não deve ser apoiada numa criança de quatro anos.
— Você não tem ideia do que passei. — Elengaria começou a falar; mas Quevel interrompeu levantando a mão.
— Isso não é desculpa, majestade, por favor cresça e aja como uma adulta, sua filha precisa disso.
Aquelas palavras foram um misto para Elengaria, sentia uma raiva genuína de Quevel, como ele podia mandar ela crescer daquele modo? Ele sequer a conhecia para ter esse direito de a julgar, mas no fundo sentia um medo crescente de que sua filha a odiasse se a super protegesse.
Mas Eliassandra era uma criança.
Talvez ela esquecesse aquelas pessoas com facilidade, ela tinha quatro anos! O que lembrava de quando tinha quatro anos? Poderia seguir aquele plano, precisava proteger sua única filha dos males do mundo.
Quevel por outro lado ainda encarava ela tentando decifrar suas expressões, que não eram difíceis, e pelo pouco que soube de Eliassandra, já conseguia prever embates que teria no futuro:
— Você precisa de mais algo?
— Eu preciso lhe pagar por isso.
— Não precisa, devia um favor ao Ricardo, e agora que paguei, estamos quites.
— Eu não quero dever nada a você.
A voz dela parecia mais áspera, os olhos focados no dracônico que apenas revirou os olhos, entendia que Ricardo a amava, mas sentia que a maternidade e a doença de sua filha a afetaram mais do que à criança:
— Majestade, a menos que salve a minha vida, não acho que exista cenário plausível onde a sua suposta dívida será paga a mim. — Quevel se assegurou daquele choque de realidade.
Salvou a vida de sua filha, não existia dinheiro no mundo que pagaria aquele fato, por mais que sentisse que Elengaria quisesse ao máximo se desprender dele, não pensou que aquela tão nobre dama carregava algum preconceito.
Ou talvez fosse apenas medo de perder sua cria, não sabia ao certo.
A rainha finalmente se levantou, limpando o vestido com calma, tentando se recompor, respirou fundo e sorriu no final:
— Sou imensamente grata pelo que fez por minha família, mas nossa convivência acaba aqui.
“Eu duvido” — Mas Quevel guardou apenas para si tal fato enquanto a rainha abria a porta do cômodo, na sala, Ana ainda estava em pé perto da porta e Ahrija abraçava Eliassandra, se despedindo de sua amiga.
O coração de Elengaria amoleceu por um momento, mas logo voltou a sua postura, precisava ser forte por ela. Pela sua pequena filha que estava doente até poucas semanas atrás:
— Estamos de partida, querida. — Elengaria sorriu.
— Mãe, o Ahrija vai para a minha festa de aniversário, ele faz aniversário perto. — Eliassandra não perguntou.
Não pediu.
Apenas declarou.
Era como se não tivesse dado escolha a sua mãe, apenas tinha avisado sua decisão, o que era estranho para si, Eliassandra só tinha quatro anos! Como ela tinha essa autoridade?
Não.
Ela sempre foi assim, lembrava de como ela se recusou a pedir desculpas quando agrediu outra criança, Eliassandra tinha uma personalidade marcante, mas ainda sim fria e distante. Não podia ceder daquele modo:
— Querida…
— É o meu aniversário.
Eliassandra lembrou aquilo, e não parecia prudente discutir com ela naquele momento, não agora ao menos, então a rainha apenas sorriu acenando com a cabeça, o olhar de Quevel estava divertido para ela, como se soubesse que aquele pequeno embate, ela tinha perdido:
— Certo querida. — Sorriu por fim, aceitando aquela derrota.
Ao menos por hora, teria que aceitar.
Eliassandra soltou Ahrija, mas esse se demorou para soltar sua amiga, ainda com os olhinhos verdes cheio d’água, que ele bravamente resistia, não queria chorar na frente da sua amiga, ela finalmente encontrou sua mãe de novo e iria para casa, como já era de se esperar.
Quando finalmente se separaram, os olhos de Ahrija ainda estavam focados em sua amiga que andou até sua mãe, a abraçando mais uma vez com carinho.
Ela ia embora.
Nunca mais iria a ver.
E isso doía.
Não queria chorar na frente dela, não queria que sua partida fosse algo ruim, queria que ela fosse feliz, era isso que importava não é mesmo?
— Ei Ahrija. — A voz sempre baixa de Eliassandra lhe atingiu como um soco. — Nós vemos pro meu aniversário, ok?
Ahria enxugou o rosto, passando a mão de forma grosseira, quase se machucando no processo:
— Certo! Vou te dar o melhor presente de todos!
— E aprenda a dançar! —Avisou antes de ser arrastada para fora por sua mãe.
Quando a porta foi aberta conseguiram ver alguns moradores reunidos, inclusive Salis apoiado em sua bengala e a vovó Margarida com sua aura sempre cordial. Elengaria não entendeu, mas a pequena princesa sim, soltando a mão da mãe para se aproximar dos moradores da vila.
Ana estava com uma mão na cintura, parecia despreocupada, mas o olhar de guerreira estava afiado enquanto encarava as costas de sua sobrinha? Enteada? Sinceramente essa família era grande demais para nomenclaturas:
— Já está indo, pequena? — A vovó sorriu para Eliassandra.
— Sim senhora. — Mesmo que eu vá ficar maior que você em breve, pensou Eliassandra.
— Bem, não podemos dar algo tão bom para uma princesa como você.
— A senhora…
Eliassandra foi interrompida por Margarida que lhe entregou uma pequena caixinha decorada com algumas vinhas secas, para pessoas de fora poderia ser algo bobo, e até feio, mas a pequena princesa achou uma coisa muito bonita e charmosa:
— Um presente para nunca esquecer de nós, a flor que nunca morre para a princesa dos olhos frios.
Eliassandra abriu a caixa para ver um colar com uma pedra de âmbar com uma flor azulada dentro, muito bem preservada:
— A lágrima da lua! É linda!
— Achei que gostaria, que a sorte esteja sempre com você, pequena.
Para a surpresa de sua mãe e de Ana Bael, a princesa abraçou a vovó Margarida, enfiando seu rosto no seu pelo, uma despedida de verdade:
— Vou sentir sua falta…
— Sempre estaremos aqui…
A próxima a se aproximar foi Yva, com sua atitude meio sem jeito enquanto enrolava uma mecha do pelo nos dedos, sem olhar diretamente para sua mais nova amiga:
— Vê se não me esquece, pirralha.
— Você é tão pirralha quanto eu. — Eliassandra deu língua para sua amiga loba.
Ficaram um tempo em silêncio antes da princesa dar o primeiro passo, abraçando Yva com toda sua força infantil, Yva demorou, mas logo estava abraçando ela também, um abraço forte de despedida:
— Vou sentir sua falta, volte para nos visitar. — Pediu baixinho.
O último que faltou foi vítima da despedida emocionante de Eliassandra foi Salis, se abaixou mesmo com a perna ruim, ficando mais ou menos da altura da criança:
— Seja uma boa garota, ok?
— Eu vou tentar. — Eliassandra abraçou o líder leão da vila, um abraço carinhoso como um tio que está se despedindo de sua sobrinha querida.
Finalmente podiam partir, Elengaria já estava mais perto da saída da vila, junto com Ana Bael e Quevel, que foi o guia das duas mulheres por dentro da floresta negra, local que Eliassandra já conhecia razoavelmente bem de tanto tempo ali.
De mãos dadas com sua mãe, começaram a fazer o caminho de saída, Eliassandra não falava, mas chorava baixinho por se despedir daqueles novos amigos que já sentia falta, afinal viveu com eles durante um tempo longo demais. Um tempo valioso que lhe mudou como pessoa.
Quando viva na sua antiga vida, tinha um certo preconceito com outras raças, nesse tempo aprendeu sobre a sensibilidade de outras pessoas, mesmo sendo diferentes daquele modo, sua percepção mudou de modo que nunca pensou.
Além de reconhecer seus próprios preconceitos com os outros, Ahrija não era bruto como os outros dracônicos, o que queria dizer que provavelmente eles eram assim por estarem em guerra, e aures não eram seres bestiais sem inteligência como um dia pensou, Yva, Salis, vovó Margarida, todos eram sensíveis e gentis, se perguntava o quanto eles sofreram durante a guerra.
Mas agora como princesa daquele local, podia se impor para dar uma qualidade de vida melhor, com leis melhores para eles, pensava nisso em meio as suas lágrimas silenciosas.
Elengaria andava devagar com sua filha que tinha pernas curtas, claro, era uma pequena criança, era difícil andar rápido, a rainha tentava não pensar que sua filha poderia ter mudado naquele tempo, uma criança mais sensível… Até a viu chorar e abraçar, coisa que normalmente não fazia com sua família.
Não sabia como conversar com ela agora, o que poderia falar?
— Mamãe.
Quem falou foi sua filha, limpando o rosto finalmente, tentando deixar a voz menos sentimental:
— Sim, minha querida?
— Eu senti saudades.
E foi aquela fala que fez os olhos lilases de Elengaria marejarem, mas conteve o choro que queria se iniciar:
— Eu também senti sua fala, não passou um dia que eu não pensasse em você.
Eliassandra levantou o rosto com um sorriso iluminado para sua mãe, um sorriso que ela nunca viu em sua filha, sempre tão séria e focada, agora sorria para ela tão cheia de luz. Não se conteve, se abaixou e abraçou sua filha com carinho e força:
— Eu nunca mais quero ficar longe de você.
Eliassandra não respondeu, apenas abraçou sua mãe, essa por sua voz se levantou com ela nos braços, não falaria.
Mas aquela colocação de “Não ficar longe nunca mais” era meio assustador, um dia iria crescer de fato, então como nunca se afastariam? Iria deixar isso pra lá por hora, talvez fossem as emoções de finalmente estarem juntas depois de tanto tempo.
Era apenas isso, e iria acreditar nisso.
Ana Bael andava atrás de Quevel em silêncio, vendo aquele dracônico tão alto que parecia ser bem mais forte que ela, queria falar sobre a guerra, em especial perguntar sobre aquela maga que aterrorizou a todos, como ele lutou contra ela?
Mas sempre que abria a boca parecia uma grande bobagem abordar isso.
Algumas feridas deveriam ser deixadas cicatrizar para sempre, e aquela guerra era uma delas, ao menos iria acreditar nisso por mais um tempo.
Após longos momentos andando em quase completo silêncio, cortado apenas pelo barulho da floresta, dos pés no chão e pelas ocasionais falas de mãe e filha mais atrás dos dois, finalmente chegaram na borda da floresta e na carruagem de pégasos com alguns guardas que estava esperando àquela parte da família real:
— Bem, parece que vamos nos dividir aqui. — Quevel disse parado na borda da floresta.
O trio real foi à frente, mas finalmente Elia pulou dos braços de sua mãe e correu para Quevel, ele foi seu cuidador por muito tempo, claro que tinha um carinho por ele, do jeito dos dois, mas ainda sim… Carinho. Quevel se ajoelhou para receber o abraço daquela criança que se mostrou tão curiosa e esquisita, mas ao mesmo tempo, uma pessoa que conquistou seu espaço no seu coração:
— Eu vou sentir sua falta, mestre Quevel. — A garotinha de cabelos brancos falou no abraço.
— Também vou sentir sua falta, baixinha. — O médico dosava sua força para não a machucar. — Volte para nos visitar.
Aquela cena aqueceu o coração de Ana Bael, sorrindo com o ato fofo daqueles dois, Elengaria estava com os punhos cerrados, custava a ela admitir que aquele tempo que ela passou longe da sua filha, ela cresceu tanto e evoluiu, talvez tivesse perdido momentos preciosos de sua criança.
O abraço finalizou com um beijo delicado na testa da criança que voltou para sua mãe correndo, abraçando suas pernas com um sorriso singelo:
— Até mais, Elia.
— Não esqueça do meu aniversário!
E essa foi a provável última conversa daqueles dois, os olhos encararam aquele trio entrar na carruagem, vendo os pegasus bater asas e alcançar voo.
Não demorou muito para sumirem da sua vista, o deixando ali com aquele pedaço de si que tinha ido embora.
Que droga, ele realmente gostou daquela pirralha humana.
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