Volume 1 – Arco 4

Capítulo 34: Mãe...

 

Os adultos evitavam Eliassandra, Ahrija tinha reparado, mas sua amiga parecia não ligar, ela parecia estar sempre distraída demais para prestar atenção em qualquer coisa ao seu redor, às vezes ela dizia que uma nuvem parecia um animal, outras falava das cores do local, às vezes só estava fazendo carinho em Lynn.

Será que ele só estava sendo paranoico?

Talvez ninguém estivesse realmente falando dela e fosse só coisa da sua cabeça, mas cada momento que eles paravam perto de alguém, os olhares sobre Elia eram ainda mais esquisitos, desviavam o olhar sempre que eles encaravam de volta, aquilo era irritante demais para o pequeno dracônico:

— Não se incomode. — Elia aconselhou.

Ela não olhava para ele, apenas olhava as frutas disponíveis para pegar, os olhos frios da garota sequer pareciam transmitir algo além de indiferença, talvez ele realmente devesse deixar pra lá,eles não estavam falando diretamente com ela, então… Por que se importar?

Ele não conseguia!

A curiosidade lhe consumia também por não saber o que de fato ela tinha feito para merecer aquilo, seu mestre não falava, Yva estava distante demais, e Eliassandra não parecia ligar.

Respirou fundo, encarando as costas da sua melhor amiga se afastar quando ela acabou de pegar meia dúzia de maçãs, correu até ela, ficando ao seu lado:

— As pessoas estão estranhas.

— Só estão com medo. — Elia ofereceu uma maçã.

— Por que? — Ahrija não entendia.

Claro que não sabia, não contaram nada para ele, Eliassandra pediu que não, no momento não queria o encher com aquilo, mas lá no fundo confiava nele, era seu… Melhor amigo.

Que pensamento tolo, balançou a cabeça pros lados, Ahrija não seria seu melhor amigo, quando ele notasse sua péssima personalidade ele se afastaria, então… Por que não aproveitar quando ele estava perto e era bobo?

— Eu matei o lobo líder da alcateia.

Falou simples, encarando o rosto de Ahrija a procura da reprovação e medo dele, mas tudo que viu foi ele inflando as bochechas com aquele ar de indignação:

— E por que eles estão com medo?! — Falou alto demais. 

Não esperava por isso, acabou soltando uma risada nervosa encarando ele, era mesmo um garoto curioso não é mesmo? Nem sabia por que esperou algo diferente dele, talvez por não ter visto o que aconteceu.

Ahrija começou a andar do lado dela reclamando de como as pessoas eram ingratas e como sua amiga era incrível, eles não davam o devido valor a ela, que eles deveriam agradecer tudo aquilo. O caminho seguiu com o silêncio sempre confortável de Elia e a fala interminável de Ahrija.

Ele não pensava em parar de andar até chegar a casa do líder da vila, mas os pés da sua amiga pararam, o garoto continuou andando um pouco mais à frente até reparar que ela ficou para trás:

— Elia? — Chamou olhando para trás.

— Mãe…?

Não entendeu até acompanhar o olhar surpreso dela, para uma mulher de vestes lavanda, cabelos longos e brancos, assim como suas vestes, aquela era…?

— Mãe! — Elia repetiu num grito, largando as frutas no chão e correndo para os braços de Elengaria.

Elengaria se agachou no chão para abraçar sua pequena filha, afundando o rosto nos cabelos brancos da princesa. Não conteve as lágrimas ou a força que usava para deixar ela perto do seu corpo.

Depois de meses em espera, meses sem comer ou dormir direito, as olheiras estavam aparentes em seu rosto, tinha perdido peso e graças a sua magia feérica não adoeceu mais profundamente, não podia se deixar sucumbir.

Sua filha iria voltar para si.

Pela primeira vez em muito tempo o coração de Eliassandra estava disparado, lágrimas mancharam o vestido de sua mãe, era um choro diferente dos que teve até agora, não era silencioso, vinha com uma violenta onda de emoções que não conseguia controlar.

O cheiro doce de flor que sua mãe tinha, a maciez da sua pele, seu toque suave, amável e mesmo assim firme, sentiu tanta falta daquilo…

Não continua aquele choro, agarrada a sua mãe, demorou o tempo que foi necessário até levantar o rosto inchado e sujo de choro para sua mãe, e finalmente Elengaria viu o olho diferente de sua filha, tinha sido avisada por carta que ela estava diferente, mas naquele momento nunca achou sua filha tão linda:

— Olá, minha princesinha. — Eleganria sorriu.

Fez carinho no rosto de sua querida filha, que ainda fungava em um choro que queria recomeçar, sentiu tanta falta dela, achou que nunca mais veria aquele rosto que tanto amava, e ela estava ali, viva, bem, diferente, mas ainda sim era sua filha:

— Olá Eliassandra, fico feliz de te ver. — A terceira voz chamou atenção.

Eliassandra olhou para a dona da voz, era Ana Bael, com seus cabelos longos presos num rabo de cavalo alto, o corpo definido agora mais visível do que quando estavam com aqueles vestidos da corte, agora usava uma calça preta com botas até abaixo dos joelhos, uma camisa esverdeada mais folgada, e na cintura aquela espada longa.

Conhecia ela: A flageladora de Magos.

Lembrava do nome da espada que conseguiu tomar a vida de tantos magos poderosos, mas nunca cruzou seu caminho.

Naquele momento ficou em silêncio, como não reconheceu Ana antes? Talvez por ela estar completamente diferente sem a armadura prateada que usava na época da guerra, finalmente fazia sentido agora.

Mas o abraço mais forte de sua mãe lhe fez esquecer daquele momento, apenas afundando o rosto contra o peito dela, com aquele calor tão confortável:

— Eu senti sua falta, mãe…

Elengaria queria ficar naquele abraço por mais um tempo, mas seus olhos se abriram para ver um pequeno coelho azul encarando a cena:

— O que?

— Ah? Ah! Essa é Lynn! — Elia se afastou para pegar o coelho no colo. — Não sei se é macho ou fêmea, mas se chama Lynn. — Sorriu animada mostrando o animalzinho.

Mas logo deixou Lynn no chão, correndo até Ahrija que ainda estava parado no mesmo lugar, segurou a mão do dracônico e puxou para junto da sua mãe:

— Esse é o Ahrija! Meu novo amigo. 

O garoto pela primeira vez se sentiu tímido, intimidado, não pela mulher, mas por saber que agora era questão de tempo que ela fosse embora, que ela o esquecesse completamente, afinal como alguém como uma vida dela poderia ter espaço para alguém como ele?

Aquele pensamento de ser esquecido por sua melhor amiga lhe moveu, seus braços ficaram ao redor dela, abraçando com força, encarando a mulher albina como se ela fosse perigosa, não queria que Elia lhe deixasse.

Seu corpo travou ao redor da sua amiga, não queria soltar, mas sabia que tinha. Elengaria riu da situação, para ela, achou uma graça ver sua filha junto de alguém daquele modo.

Sua pequena filha era muitas vezes apática, até mesmo naquela situação, via ela com os olhos meio perdidos até entender o que estava acontecendo, mas contra todas as suas teorias, Elia não o afastou.

Virou o rosto para o pequeno dragão, sussurrando algo que as duas nobres não puderam escutar, mas ele a soltou, segurando apenas sua mão.

A rainha riu, estendendo a mão ao garoto com um sorriso calmo e amigável, aquele sorriso que Elissandra conhecia bem, como se todos fossem fazer as vontade da rainha de Serphs apenas por que ela pediu:

— Prazer, pode me chamar de Elengaria, foi você que cuidou da minha filha?

Ahrija balanço a cabeça em concordância. Elia quase reclamou que foi ela que cuidou dele:

— Muito obrigada por cuidar da minha menina.

E finalmente Ahrija apertou a mão dela, o suficiente para ser puxado para um abraço amistoso, Eliassandra riu daquilo, pensando que ele tinha caído numa armadilha de sua mãe amorosa. Seus olhos, agora bicolores, encararam Ana Bael que estava diferente.

Sempre enxergou ela como alguém animada e amorosa, mas agora sua visão estava diferente quando reconheceu aquele nome, de fato, a mulher não tinha magia, mas desenvolveu técnicas de lidar com magos menores:

— Senti sua falta, Eliassandra.

Aquele pensamento de medo logo foi esquecido quando se aproximou para abraçar sua… Tia? Madrasta? Não sabia bem, mas aproveitou o abraço firme dela, seu cheiro mais cítrico e menos floral que sua mãe, ainda sim, era um cheiro muito bom.

Todas elas tinham um cheiro bom.

Quando o momento de abraço passou, finalmente a voz de Quevel foi escutada, após uma limpada de garganta enquanto chamava a atenção dos presentes:

— Precisamos conversar sobre a situação da Eliassandra. — Um assunto delicado, mas necessário.

Eliassandra tinha mudado bastante desde a última vez que viu aquelas pessoas, não só os cabelos maiores, mas também agora tinha magia e um olho diferente que ainda não entendiam bem o que era, nem mesmo ela, a pequena menina segurou a mão de sua mãe para entrar na casa de Sali.

Iria sentir falta daquela atmosfera mais calma, no castelo, mesmo que mais pacifico que uma guerra, ainda sim não era calmo como se acostumou naqueles meses ali, embates ali seriam mais políticos, e não era tão esperta ao ponto de não partir pra cima de alguém.

Com sua mãe sentou-se no sofá, ao seu lado, Ahrija sentou, movendo a mão de forma temerosa, pedindo uma permissão para segurar a mão da sua amiga, Eliassandra reparou, virou a mão pequenina para cima, deixando seu amigo a pegar com um sorriso.

O silêncio que se ergueu era desconfortável, Quevel estava sentado no lugar de Salis que preferiu não participar daquela conversa, Ana estava de pé perto da porta, garantindo que não entrariam naquele local sem permissão, até mesmo o garoto dracônico que não entendia esse momentos agora estava sentindo o peso do momento.

Não sabia quanto tempo passou para finalmente alguém falar algo, vindo dessa vez por Ahrija:

— Então os olhos da Elia eram diferentes antes?

Elia soltou o ar quando ele finalmente abordou aquele assunto, alguém teria:

— Sim, os olhos, o que aconteceu? — Elengaria continou.

— Acredito que é um efeito colateral do tempo que passou desacordada e manifestação da sua magia. — Quevel explicou seu ponto de vista.

— A minha filha agora tem magia?

— Sim.

As mãos de Elengaria tremeram com aquela resposta, olhar sua pequena filha indo para aquela escola que foi cruel com os filhos das outras duas lhe gelava o coração, mas talvez ela  não fosse tão boa nisso, talvez fosse como ela, apenas uma magia que a fazia viver de verdade:

— Elia, pode explicar como se sente? O que aconteceu com você e o que sabe fazer?

Elengaria encarou o médico quase abrindo a boca para falar algo, mas o dracônico apenas ergueu a mão para que Eliassandra se levantava do sofá, olhando para sua mãe e depois para Quevel, pedindo permissão, ele apenas acenou com a cabeça, dando aquela permissão.

Ergueu a mão à frente de seu corpo, concentrando na mana que fluia pelo corpo, indo em direção aos dedos os fazendo brilhar, agora já tinha um controle um pouco melhor da sua própria mana, não foi um brilho forte como das outras vezes, apenas um brilho singelo que iluminava mais o rosto dela que qualquer outra coisa:

— Como…?

— Acho que minha mana pura brilha, engraçado não? — Elia sorriu.

“Como alguém tão podre como eu pode ter mana que brilha tanto?”

— Ah, eu sei fazer isso também.

Ainda não tinha dominado aquela magia o suficiente para não usar simbolos, pegou o carvão para desenhar sob as solas dos pés e concentrou sua mana naquela parte do corpo, flutuando sem muitos problemas, dessa vez só alguns centímetros do chão para não ter uma queda brusca que nem foi todas as outras vezes.

Agora sim Elengaria arregalou os olhos, se levantando do sofá encarando a filha, aquilo não podia estar acontecendo, ela era uma prodigio?

Demorava-se anos para conquistar os céus sendo um mero humano, seu próprio marido nunca tinha conseguido isso, quem dirá ela própria? Era um controle de mana absurdo que precisava ter para tal feito.

E sua filha conseguiu.

Para muitos seria o maior orgulho, mas para ela? Ter a ideia que sua pequena seria afastada de si por quase dez anos para aquela escola… Não! Não podia deixar aquilo acontecer, sua pequena precisava ser protegida daquele destino infeliz:

— Isso é… Incrível.

Sua voz quase não saiu, e Eliassandra reparou, olhando sua mãe sem entender o por que estava assim. Ela seria mais forte, então ninguém duvidaria de sua mãe, não era assim que funcionava?

Não questionou aquilo no momento, apenas sorriu como esperavam que uma criança sorrisse por mostrar algo novo, esperando seus aplausos, mesmo que sua mãe estivesse em choque demais para bater palmas:

— Isso é incrível, tenho certeza que o Ian ficará impressionado. — Foi Ana que falou quebrando o silêncio desconfortável.

— Acha mesmo? 

— Claro, ele vai adorar ver a irmãzinha voando.

Eliassandra afastou os pensamentos ruins de que não era suficiente para sua mãe, que precisava melhorar o mais rápido possível ou seria inútil para todos. 

Até mesmo para sua mãe:

— Elia?

O chamamento de Quevel lhe fez sair da espiral ruim que se encontrava, olhando para ele que acenou para ela continuar, é claro, não queriam segredos com sua mãe, seria melhor dar o choque logo de uma vez correto?

Pegou de novo o carvão, riscando no chão, Elengaria espiou para ver o que ela fazia, era um símbolo simples, mas onde raios ela teria aprendido aquilo? Quevel não parecia do tipo que ensinaria essas coisas sem qualquer permissão de uma família, até olhou para eles procurando respostas, mas ele apenas deu de ombros discretamente.

Viu sua filha encostar as mãos no símbolo, passando sua mana para ele enquanto brilhava se completando e então do centro começou a surgir aquela espada. Elengaria arregalou os olhos quando sua filha pegou a lâmina de tons semelhante ao novo olho dela e mostrou animada.

Conseguia ver as pequenas estrelas na lamina translúcida de céu, piscou algumas vezes até entender o que estava acontecendo, ou pelo menos tentar:

— Como…?

— Não sabemos, ela só… Faz isso. — Quevel apontou.

Tanto Ana quanto Elengaria estavam surpresas com aquilo, sem acreditar no que seus olhos viam em sua plenitude: Eliassandra estava com uma espada, sorrindo alegremente, e até orgulhosa do seu feito, Ahrija que se mantivera calado o tempo todo estava com os olhos brilhantes:

— Você não disse que sabia fazer isso!

— Não é incrivel?

A conversa entre as duas crianças iria se iniciar enquanto Elengaria se levantou olhando para Quevel, um convite silencioso que ele prontamente entendeu:

— Crianças tomem cuidado com isso. — Avisou se levantando para seguir com a rainha humana para outro cômodo. Eliassandra até tentou seguir, mas foi barrada por Ana Bael, que segurou seu vestido.

— Adultos precisam conversar, a sós, pequenos.

Esquecia que era apenas uma criança às vezes, fez a espada sumir em partículas brilhantes e voltou para junto de Ahrija.

 

Ian D'Ank (15 Anos)

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora