Volume 1 – Arco 4
Capítulo 32: Criança Pequena?
Todos os adultos estavam reunidos na casa do líder da vila, o sol já estava no céu e eles não paravam de falar:
— Não é possível que uma criança humana daquele tamanho! — Um deles gesticulava com as mãos.
— E como você explica aquilo? Ela estava diante do corpo do lobo! — Os adultos pareciam tão exaltados.
Um homem urso gritava em pleno pulmões, a sala estava cheia de pessoas, procurando atenção do líder da vila, tentando fazer seu ponto ser ouvido:
— Aquela plateia era um problema para nós, não deveríamos agradecer? — Uma mulher de orelhas de coelho falou.
— Deveríamos matar ela. — Um homem touro falou.
O silêncio que se estendeu junto com a tensão foi assustador, Quevel, que estava calado ao lado de Salis até agora finalmente se movimentou, olhando o homem nos olhos:
— O que? — A mulher coelho questionou.
— Você me ouviu, da última vez que uma maga humana tão perigosa assim surgiu ela foi a coisa mais perigosa por anos, matem antes que ela seja uma ameaça.
Quevel se moveu entre as pessoas, agora com seus olhos focados no homem, o encarava como se fosse uma presa, uma ameaça:
— Você está sugerindo assassinar uma criança de quatro anos? — A voz era baixa, mas parecia ecoar pela agora silenciosa sala. — É isso?
O homem touro, mesmo que robusto, em altura era menor que o dracônico, mesmo que ele nem estivesse em sua forma definitiva, ele ainda era alto, e naquele momento… Assustador:
— E se for isso? O que vai fazer? — O homem touro pareceu desafiar.
— Irei te lembrar que você tem um filho para criar, e deveria medir suas palavras. — Quevel mantinha aquela voz calma que dava mais medo do que se ele estivesse gritando.
— Está me ameaçando?
O dracônico então curvou o lábio num sorriso pequeno, mostrando apenas uma das presas afiadas:
— Não meu caro amigo, isso não é uma ameaça, é um conselho.
— Então você acha que…
— Se tentar por essa ideia ridícula para frente eu vou arrancar sua cabeça, isso é uma ameaça, entendeu a diferença senhor? — Interrompeu, com os olhos focados no homem touro, como se esperasse uma resposta. — Perguntei se entendeu.
— … Sim senhor Quevel.
— Viu? Você é um homem inteligente. Prossiga Salis.
E então Quevel voltou para junto de Salis, em pé ao seu lado, o leão sorria cruzando os braços, parecia satisfeito com o silêncio que agora tinham ali:
— Agora, vamos seguir nossa reunião.
Não muito longe dali, na casa de Dona Margarida, as crianças estavam recebendo biscoitos e suco, algumas não entendiam o que estava acontecendo, apenas duas pessoas ali pareciam entender.
Eliassandra, a princesa que estava encolhida contra o corpo de Ahrija, e Yva, que olhava aquela cena tentando entender o que estava acontecendo.
Aquela criança tinha matado um grande lobo e estava ali, dormindo contra Ahrija, que parecia estar feliz com seu trabalho de velar o sono de sua amiga, como ela podia dormir naquela situação?
Parecia tão calma e serena, como raios ela conseguia?
— Não consigo descansar com você me encarando. — A garota de cabelos brancos abriu os olhos, uma íris vermelho sangue e a outra era uma mistura de azul com amarelo com uma estrela de quatro pontas no centro, parecia substituir a pupila. — O que você quer?
Ahrija não deixou a menina se afastar, puxando para si de novo, fazendo cara feia para Yva, com certa raiva por ela ter atrapalhado o sono de sua amiga, a garota lobo sustentou o olhar por mais algum tempo, e então desviou o olhar, desistindo daquele embate finalmente, não queria continuar daquele jeito, sabia que aquela menina conseguia atingir em pontos que ela sequer entendia:
— Nada. — Respondeu por fim.
Não queria aquele embate no final.
Ela foi a única que viu aquele lobo morto, aquela imagem ainda pairava na sua mente, a garotinha de joelhos, suja de sangue, diante daquele grande lobo já sem vida, não conseguiu acreditar que ela tinha feito aquilo, não de primeira ao menos.
Então os olhos focaram na criança, que só levantou como se não tivesse tirado uma vida, ela parecia tão indiferente a tudo àquilo, como se fosse corriqueiro fazer algo do tipo.
Naquele momento apenas aceitou dentro de si, aquela menina tinha matado aquele lobo.
Eliassandra voltou a sua apatia e silêncio como já era do conhecimento de todos ali presentes, até de Ahrija, tinha que se lembrar as vezes que todos ali eram crianças, inclusive ela, mas ela tinha memórias de toda uma vida passada nos seus ombros.
Yva, mesmo sendo uma garota mais velha e madura para a idade, ainda era uma criança, e nem poderia colocar Ahrija na equação, tinham quase a mesma idade atualmente, o garoto não tinha modos, foi criado no meio do mato com um homem que não agia como seu pai de fato, nem Ahrija agia como seu filho.
Agiam mais como mestre e aprendiz, e após o garotinho despertar sua magia isso se estreitou ainda mais, no fundo… Eliassandra entendia vagamente aquilo, na sua vida passada foi exatamente assim, a diferença era que na sua vida passada seu antigo mestre era cruel, mantinha uma relação distante e fria.
Não lembrava do seu rosto, nem naquela época lembrava seu rosto, mas lembrava de sua voz áspera, de seus xingamentos, de suas palavras de incentivo, se é que podia chamar aquilo de incentivo. Mas lembrava.
“Você não pode ter pena dos seus inimigos! Eles não terão de você!”
Essa ouvia sempre que ficava muito tempo em transe nos seus pensamentos, mas a sua favorita era:
“Você é a grande maga de guerra do reino! Você é nossa arma mais forte!”
Tinha completa noção que ele falava aquilo como incentivo, como se ela devesse sentir orgulho do seu poder, mas aquilo só a deixava mais distante da realidade fora da guerra, de pessoas como ela, até mesmo entre outros soldados, ela não não era tratada como uma pessoa de verdade.
As vezes preferia que as pessoas sentissem medo dela, ao menos assim elas iriam a tratar como alguém de verdade, e não como algo.
Era isso.que era, um “algo”, não uma pessoa, lembrava de ser ignorada durante jantares, reuniões, apenas era chamada de “A grande Maga”, e seu mestre ria e batia no seu ombro, ela sequer se movia, com olhos sempre baixos ou inexpressivos. Naquele ponto mal tinha vontade própria.
Parando para pensar agora, será que em algum momento teve? Parece que sua vida sempre foi controlada para ser aquela pessoa, mas não queria tirar sua culpa do que fez.
De olhos fechados tentava lembrar, teve algum amigo enquanto estava viva daquele jeito? Não conseguia lembrar de ninguém específico, mas… Lá no fundo lembrava de um sorriso, apenas um sorriso que pareceu genuíno, mas quem era essa pessoa?
Abriu um dos olhos, percebendo que as crianças ao seu redor estavam conversando de forma calma, nenhuma delas sabiam porque estavam ali, na verdade… Por que estavam ali mesmo? Ainda estavam discutindo o lobo?
Elia se remexeu, deitando a cabeça no colo de Ahrija para voltar a dormir, pela primeira vez em muito tempo se fez uma pergunta: Como seus irmãos estavam?
Sentia falta deles.
Ahrija estava completamente imovel, não queria se mover e acordar a amiga, não sabia exatamente o que houve com ela, lembrava apenas de Eliassandra sendo carregada pelo seu mestre e o olhar perdido de Yva.
A garota tinha sumido na apresentação, não sabia exatamente quando afinal estava tão entretido com aquela peça, especialmente com a parte do enfrentamento de Quevel e dela, não entendeu por que o mestre ficou tão sem graça na hora.
Foi incrível!
Ao final dela repararam que Eliassandra tinha sumido, ela sempre era tão silenciosa que não perceberam.
Começaram a procurar a menina por todo canto, até voltaram para a casa para tentar achar ela, mas nada. Ela tinha desaparecido.
Foi quando Yva deu a ideia de procurar na floresta, usando seu faro, e ele foi deixado para trás na feira, junto com Salis.
Odiou aquilo, odiou que uma garota nova tenha saído para buscar sua melhor amiga e ele ficou para trás “esperando ela voltar”, não negaria o ciúmes que sentiu na hora, mas compreendeu que ela era a melhor no rastreio, não era seu melhor sentido, como Eliassandra constatou quando não sentiu o cheiro podre de uma fruta.
Esperou que sua amiga apenas voltasse para si, que estava escondida em algum lugar por ter gente demais perto dela, mas ela voltou graças a garota lobo e sequer deixaram ele falar com ela, apenas passaram com sua amiga nos braços para cuidar dela.
Mas quando ela voltou não tinha nenhum ferimento nem nada aparente, apenas… Estava com aquele olhar ainda mais distante, não respondendo quando ele falava.
Não entendia porque aquilo incomodava, mas incomodava, por isso fazia questão de estar perto dela, velando pelo seu descanso que ela parecia precisar.
Não queria perder ela, e sentiu naquele momento que, seja lá o que tivesse acontecido, ela poderia se afastar dele.
Tinha aceitado que ela iria embora para sua família, então sua ideia infantil era aproveitar quanto mais pudesse ficar ao lado da melhor amiga antes de sua partida, afinal não sabia quando eles voltariam a se ver.
Aqueles pensamentos faziam o garotinho ficar angustiado, ela era uma princesa, além de ser uma humana, será que seria deixado para trás? Será que a perderia para sempre? Não sabia dizer, e não queria a perturbar com seus lamentos, ela deveria estar com saudades da sua mãe.
Lembrava das conversas que tinham sobre família, e como os olhos dela pareciam ganhar um brilho novo e alegre, conhecia sua mãe, a Rainha Elengaria, segundo Eliassandra, ela era a mulher mais bondosa do mundo, a melhor mãe e mais linda que existia.
Também ouviu falar de seu pai, o Rei Ricardo, um homem bondoso e centrado, era um pai incrível que sempre quando podia ficava um tempinho com os três filhos, ela e seus dois irmãos mais velhos.
E sobre os dois irmãos mais velhos? Ouviu também, tão diferentes, um calmo e outro animado, mas mesmo assim eles a amavam.
Se perguntavam como seria ter uma família, como seria ter uma mãe e um pai? Não sabia se sentia falta daquilo, a primeira família que conheceu foi a de Eliassandra, mas a dela era diferente, seu pai tinha mais duas esposas e as amava, não sabia se era comum.
Naqueles momentos se perguntava: O que houve com sua família?
Nunca foi um questionamento para o garoto, afinal não tinha por que, nunca viu um modelo diferente de vida até a chegada dela, então começou a se questionar sobre aquilo, sabia com certeza que Quevel não era seu pai, era seu mestre, ele sempre deixou isso claro, mesmo se gostando, não era seu pai.
Então quem eram seus pais?
Balançou a cabeça para espantar tais pensamentos, olhou para o seu colo onde Eliassandra descansava numa paz tão boa, mas sua perna começava a formigar por estar a tanto tempo sem mexer:
— Quer que eu acorde ela?
— Não. — Ahrija rosnou para Yva.
Ela levantou as mãos, indicando que não iria tentar nada para a acordar, Ahrija parecia um cão protetor de Eliassandra as vezes, chegava a ser engraçado para a garota lobo.
A porta da frente finalmente se abriu, o primeiro que entrou foi Salis, com seu jeito sempre calmo e acolhedor, um sorriso que parecia impulsionar todos a seguirem o líder da vila.
Ele limpou a garganta chamando atenção de todos, logo ao lado dele estava Quevel que sempre mantinha uma expressão séria e neutra:
— Seus pais estão esperando lá fora, podem ir. — Falou com calma.
As crianças rapidamente se levantaram para irem de encontro aos seus pais, já Ahrija ficou parado no mesmo lugar, com medo de sua amiga acordar, Quevel percebeu aquilo e se aproximou dos dois:
— Eu vou pegar ela. — Ele avisou com cuidado.
Quevel se abaixou e com cuidado pegou Eliassandra nos braços, a garota abriu um dos olhos, fitando seu amigo que sorria, pareceu ter aceitado aquilo com tranquilidade, então ela também aceitou, voltando a fechar os olhos e se deixando ser levada pelo médico. O pequeno dracônico logo estava se levantando com dificuldades, sua perna tinha dormido afina, para acompanhar sua amiga e seu mestre:
— Mestre, por que foi que ficaram em reunião?
— Nada demais, e você? Gostou do festival?
— Sim! Mal posso esperar pro ano que vem!
Aquilo fez seu coração se aquecer, Ahrija já estava se acostumando com aquele lugar que logo seria seu novo lar, era bom que ele se sentisse bem aquilo.
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