Volume 1 – Arco 4
Capítulo 31: "A Queda da Maga Demônio"
O Festival seguia sem problemas, agora tinham música tocada por uma banda local, pessoas estavam dançando animadas e rindo, Ahria e Elia estavam sentados comendo alguns doces que tinham ganhado de Quevel, Yva tinha se separado para ficar com seus próprios amigos.
Os amigos de Ahrija já tinham vindo até eles algumas vezes, chamando para brincar, mas o garoto preferia ficar junto com Elia, sabe-se lá porque, mesmo que ela incentivasse o garoto a ir brincar, pois ela mesma não queria se levantar:
— Quer dançar?
— Não. — Essa resposta já tinha sido dada mais de uma vez.
Elia não sabia dançar, não é algo que tinha sido acostumada na sua vida passada e nessa as aulas não tinham começado, então não fazia ideia do que fazer.
Na verdade, quando parava para pensar, não sabia muita coisa da vida, mesmo estando na sua segunda, tinham coisas que só viveu naquela vida, por exemplo, se divertir num festival, mesmo estando sentada apenas observando, ainda era divertido, bem mais do que das outras centenas de vezes após suas vitórias.
Ahrija cansou de esperar pela sua amiga e pulou do banquinho para correr para seus amigos que tinha feito recentemente, mas Elia sequer se mexeu, Quevel acabou rindo do jeito mais reservado da criança.
Não sabia, porém, se ela sempre foi assim ou aquele tempo desacordada mudou sua personalidade, ao menos na aparência realmente mudou, mesmo sendo aquele único olho, foi uma mudança:
— Senhor Quevel… — Elia chamou olhando Ahrija dançar com seus amigos. — Quando eu for embora, ainda vai levar o Ahrija para me ver?
A pergunta lhe deixou sem ação por um momento, até sorrir e erguer a mão para fazer carinho nos cabelos brancos de Eliassandra:
— Que tal eu levar ele para o seu aniversário?
— Seria bom. — Elia concluiu.
Seus olhos inexpressivos estavam focados em Ahrija que ria feliz da vida, ali era um bom lugar para ele, ele estava feliz como não tinha visto esse tempo todo, ele era um ser sociável afinal:
— Ei criança, o que o Ahrija é pra você?
Silêncio.
Elia parecia pensar numa boa resposta, o que aquele garotinho era para ela? Não era tão boa em nomear seus relacionamentos, nunca foi, sempre foi complicado para ela seguir daquele modo, mas agora, talvez pela primeira vez naquele festiva, a garota de cabelos brancos abriu um pequeno sorriso:
— Ele é meu melhor amigo.
Nunca teve isso, ao menos não lembrava de alguém tão próximo quanto Ahrija, mesmo sendo uma criança, sentia aquela proximidade, seria pelos sentimentos da criança se misturando com os da sua outra vida?
Ao menos aquela resposta deixou o médico dracônico feliz, voltando a sua atenção para as crianças que dançavam felizes no meio dos adultos, se perguntou no que ele falava. Ainda não entendia por que ele criava Ahrija, se tinha algum motivo oculto ou era só culpa por algo.
Mas no momento, quem se importava? Fora sua curiosidade, aquilo não lhe afetava de fato.
Após algum tempo, a atenção de todos foi chamada por Salis em suas vestes cor de vinho, lembravam as roupas do seu pai, sempre vermelho:
— E agora vamos ver a peça anual do nosso pequeno festival, esse ano iremos encenar “A queda da Maga-Demônio”!
Pelo nome não foi difícil fazer a associação, até aqui sua fama alcançou? Na verdade, quem não conhecia sua antiga fama? Era curioso. Pelo nome já imaginava como seria retratada.
Deveria levar pro pessoal?
Não, realmente era uma pessoa horrível e não deveria mais se martirizar por isso, já tinha morrido, tinha pagado pelos seus pecados… Não é?
Ao menos foi isso que queria manter em mente enquanto a peça se desenrolava, mas apenas tinha cada vez mais a confirmação que merecia aquele ódio.
Talvez em qualquer parte da sua vida mereceria aquele ódio à sua antiga persona, ela realmente tinha cometido aqueles crimes horrendos, realmente tinha queimado pessoas, matado seres vivos e merecia todos aqueles nomes, mas não impedia as lágrimas de começarem a arder nos olhos dela.
A peça ainda era lúdica, mas não conseguia ignorar aquelas cenas, sabia exatamente o que tinha feito naqueles momentos.
Se levantou, se afastando devagar daquele local, não iria aguentar quando ela “morresse” ou seja lá o que aconteceria no final com ela, pessoas comemorando sua morte ainda lhe doía.
Mesmo que merecesse.
Conseguiu alcançar a floresta, finalmente correndo pelo chão de terra, sujando os sapatos ali, se embrenhando pelas árvores, com Lynn logo atrás dela, parou perto de uma grande árvore, mas todas aquelas árvores eram grandes para ela.
Parou sua corrida, levantou os pés, nas solas sujas de terra e lama, usou aquela sujeira para desenhar o símbolo de flutuação que tinha descoberto, dessa vez fez diferente, não colocou tanta mana, foi mais como um salto alto e não uma flutuação.
Segurou num dos galhos da árvore e parou de transferir mana, com um pouco de destreza, estava sentada sobre o galho, finalmente se permitindo chorar, não conseguia fazer isso na frente de outras pessoas, só na de Pollux.
Escondeu o rosto entre as mãos, lutando para não fazer muito barulho, mesmo que o corpo tremesse, a respiração falhasse, tentava se segurar, mas em algum momento o choro ficou mudo, apenas com tremores fortes que sacudiram o corpo dela, lágrimas grossas molhando suas mãos e roupa, Lynn tinha lhe acompanhado, parado na frente dela com aqueles olhos cheios de preocupação.
A princesa conseguia sentir aquela preocupação, misturada com a própria culpa e vergonha, como poderia se perdoar por ser uma pessoa tão ruim? E como marcou tantas pessoas? Não pensava que era tão ruim na época, mas agora conhecendo pessoas que realmente foram afetadas por suas atitudes…
— Eu sou tão ruim assim? — Perguntou baixinho a si mesma.
Claro que era.
Foi ela que fez tudo aquilo!
Lynn se aproximou, ficando entre as pernas da criança, encostando o focinho amarelo nas mãos da princesa, chamando atenção dela para que abrisse espaço para ele, quando conseguiu, roçou seu rostinho contra o choroso de Elia.
Elia acabou soltando uma risada cansada, abraçando o coelho, afundando o rosto no seu pelo azulado, sentindo a maciez, aquilo… Era bom:
— Obrigada Lynn… — Ela agradeceu com a voz abafada pelo pelo.
Se sentia menos pior agora, o corpo parou de tremer, a respiração ainda era esquisita, seu nariz tinha entupido pelo choro que teve mais cedo, fazendo com que fungasse um pouco para não sujar o coelho.
Se sentia melhor depois daquilo, mas sabia que tinha que voltar, mesmo não querendo aquilo de fato:
— Não quero voltar para escutar as histórias horrendas de mim. — Não sabia de Lynn entendia.
Mas sentia que ele era parte de si, então ela não via por que esconder aquele lado de si, começou a andar pela floresta, tentando saber o que fazer agora, não estava preocupada em como voltar, mas talvez ela devesse se preocupar.
Continuou andando pelo local, conversando com Lynn que parecia responder com acenos de cabeça e pequenos sorrisos, o local era completamente escuro, como o nome dizia, era a floresta negra, então fazia jus ao nome. Forçava os olhos para conseguir enxergar, mas no final lembrou que ela podia criar luz.
Estalou os dedos fazendo a luz aparecendo na ponta dos dedos, podendo olhar melhor ao redor, as árvores altas e de troncos escuros, a voz noturna da floresta estava ficando mais calada enquanto ela andava pelo local, pareciam ter medo da luz que estava ali:
— Será que deveríamos voltar? — Ela finalmente parou de andar, olhando ao redor.
Estava perdida.
Bufou irritada começando a dar a volta e tentar voltar pelo caminho que veio, mas não sabia por onde voltar, agora tudo parecia igual, de onde veio? Parou de andar, tentando reconhecer onde estava, para onde iria conseguir ir, já não era a primeira vez que se perdia, deveria ter aprendido a lição da primeira vez.
Começou a sentir aquele pequeno desespero, mas logo afastou, voltando a andar, será que deveria tentar ver acima das árvores para tentar ver a vila? Não sabia se iria conseguir sustentar o peso de si mesma por tanto tempo, sua mana não era das melhores.
Era uma criança, afinal, deveria entender sua capacidade e parar de se colocar em um patamar muito alto, mas claramente não faria isso, ainda se sabia que era mais forte do que a maior parte das crianças.
Enquanto andava começava a escutar a floresta mais inquieta, aquele silêncio estava se tornando barulhento, cada vez mais, até que escutou um som familiar. Um som que já conhecia.
Aquele rosnado que não foi esquecido da última vez que se encontraram.
Era um lobo.
E estava mais perto.
Seu primeiro instinto foi pensar que ainda não tinha sido encontrada e se esconder atrás de uma árvore, pensando em como se livrar daquela situação, da última vez foi Ahrija que lidou com aquilo, não foi ela, ela estava encurralada.
Tentava não fazer barulho, Lynn estava tão assustado quanto, olhando sua “mestra” tentando saber o que ela pensava.
Mas Elia não sabia o que fazer.
Suas mãos se moviam sozinhas, na terra ao lado da garotinha, o que faria? Como iria agir agora?
O rosnado estava tão perto, podia sentir os pelos do corpo se eriçarem, com aquele medo tão familiar, medo de ser uma presa, algo que não queria ser.
O lobo estava ridiculamente perto quando Elia percebeu o que fez, antes dele mostrar seu focinho na lateral da árvore, a lâmina estelar surgiu o símbolo que ela sequer notou que estava fazendo, quase perfurando o lobo.
Pela primeira vez desde que estava recuperando seu conhecimento antigo, Eliassandra não precisava se conter.
A lâmina se adaptou para uma espécie de espada que ela poderia pegar com seu tamanho diminuto, então pela primeira vez em muito tempo estava disposta a enfrentar algo de fato, apontou a lâmina brilhando para o lobo, como se o desafiasse.
Ele era maior, o pelo acinzentado tinham falhas evidentes, os olhos pareciam brilhar na noite sufocante que era floresta negra, ele era diferente.
“É o líder da matilha? Nunca lidei com um lobo assim.” — A criança pensou ainda com os olhos focados no lobo.
Lia seus movimentos, mesmo que não fossem muitos, ainda sim eles estavam ali, numa luta direta não ia conseguir manter a postura, tinha plena noção que era um corpo pequeno contra um lobo com o dobro de sua altura.
Traçou um plano na sua mente, rapidamente, mas não podia dar o primeiro passo, aquele era um plano de contra ataque, se o lobo virasse as costas e fosse embora não iria engajar numa luta sem sentido.
Mas lá no fundo… Dentro de seu ser, sentia vontade que ele avançasse.
O lobo abaixou um pouco seu dorso, ainda com aqueles olhos brilhantes focados na sua presa, Elia flexionou os joelhos, iria precisar de uma velocidade que não sabia se tinha, estava apreensiva, mas agora sua decisão já estava tomada, nem se quisesse iria conseguir voltar atrás.
Foi algo rápido, não foi algo digno de grandiosidade como talvez imaginassem.
O lobo avançou com rapidez, Eliassandra focou sua mana nos pés onde aqueles símbolos ainda estavam desenhados, impulsionou um pulo para conseguir desviar do ataque, e então desceu com a espada contra o animal como um estoque.
Um golpe grosseiro, perfurando algum órgão vital do animal, que se debatendo com a criança cravada em si a jogou contra uma das árvores, não foi o suficiente para a machucar sério, mas ainda doeu.
O animal grande deu mais passos incertos antes de cair no chão sem vida, a criança se levantou cambaleante, as costas doíam, mas nada comparado ao lobo que tinha morrido. segurou o cabo da espada, a puxando de qualquer jeito, o sangue ainda fresco do animal espirrou contra a princesa, sujando seu rosto e o vestido claro que usava.
Suas pernas finalmente cederam, caindo de joelhos encarando o corpo do lobo que jazia sem vida, o que foi que fez?
Agora que a adrenalina passou, conseguia sentir o corpo relaxar, sem aquele medo de morrer finalmente conseguia pensar com mais facilidade, o coelho se aproximou da sua mestra, roçando o narizinho na sua mão chamando sua atenção:
— Lynn o que…
A fala e linha de pensamento foram interrompidos quando uma voz chamando seu nome foi ouvida, o silêncio da floresta foi perturbado de novo, sua cabeça se virou em direção aos barulhos vendo Yva, sua quase amiga chegar junto com Quevel.
Os olhos da aure se arregalaram enquanto Quevel sequer piscou, vendo aquela garotinha tão pequena e frágil diante de um cadáver de lobo morto, o sangue no corpo já dizia tudo que ele precisava para concluir aquela análise rápida, mesmo que ainda custasse acreditar em tal coisa.
Aquela pequena criança tinha matado o grande lobo e mesmo assim seus olhos sequer demonstravam alguma emoção.
Eliassandra tinha matado o líder da alcateia de lobos.
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